O Esquerda Online publicou em seu sítio (23/fev) com o título “Dois anos depois: E se a Rússia vencer? E se a Ucrânia vencer?” Na verdade, a matéria deveria se perguntar não se a Ucrânia, mas o imperialismo vencesse, pois está mais do que claro, nessa altura dos acontecimentos, que se trata de uma guerra por procuração.
O leitor é arrastado por quase 17 mil caracteres, mas o resumo da ópera é que o Esquerda Online se opõe à Rússia e, portanto, apoia o imperialismo.
No início, o artigo cita Carl von Clausewitz em sua famosa frase “a guerra é a continuação da política por outros meios”, com uma observação meio acadêmica de que “essa frase tem distintas camadas”; ou seja, a ‘camada’ menos evidente “quer dizer que a guerra carrega consigo toda a complexidade das relações políticas”. Todo um preâmbulo com “eventos, correlação de forças, alianças, interesses, estratégias, sujeitos políticos e sociais, partidos e líderes envolvidos” é uma preparação para o autor que analisar guerras não é uma tarefa simples. De fato, não é simples, mas uma pequena olhada no conflito Rússia-Ucrânia já nos faz ver que o imperialismo utiliza um país para atacar a Rússia. Tanto que abastece os ucranianos com montanhas de dinheiro e armas. A classe trabalhadora, mesmo que seja meramente por instinto, tem que se opor ao imperialismo.
Na continuação, o autor cita a Segunda Guerra Mundial como um evento de ‘múltiplas facetas’. Certo, mas no essencial foi uma guerra interimperialista, como foi a Primeira, talvez com outro ingrediente: a ascensão do fascismo como forma da burguesia de esmagar a classe trabalhadora.
Sentimentalismo
No artigo, é levantada a seguinte questão: “diante de uma guerra, qual é a tarefa dos socialistas?”. A qual responde com “Em primeiro lugar, se solidarizar com o sofrimento humano”. Vejamos, no genocídio que Israel promove contra os palestinos, devemos nos solidarizar com as famílias de soldados sionistas mortos? Tomando por esse prisma, sofrimento, no final das contas, é sofrimento, e não existiria lado certo em nenhum conflito, o que não passa de uma posição direitista.
Depois disso, o autor da matéria aproveita para atacar a Rússia: “A Ucrânia como Estado e como governo pode estar certa ou errada na guerra, mas sua população é quem sofre. São pessoas de carne e osso sendo bombardeadas, expulsas de suas casas, vivendo em abrigos e emigrando para fora do país. O mesmo ocorre com a população russa da região de Belgorod, alvo constante dos bombardeios ucranianos ou com os ativistas antiguerra perseguidos pelo governo Putin”. – grifos nossos.
O exército nazista ucraniano, treinado pelo imperialismo, ficou oito anos bombardeando e chacinando civis no Donbass, mas o autor da matéria só se lembra de falar em Belgorod e, mesmo assim, como cortina de fumaça para atacar Putin.
Sim, a esquerda pequeno-burguesa nunca abandona o púlpito de sua igrejinha, por isso somos obrigados a ler que “A todos esses seres humanos, os socialistas devem solidariedade. Não merece ser chamado de socialista aquele que desdenha, debocha ou é indiferente ao sofrimento humano porque é para acabar com esse sofrimento, em primeiro lugar, que existe o socialismo”.
O sofrimento humano é o pano de fundo da divisão da sociedade em classes, isso já está dado desde sempre, não precisamos recorrer a sentimentalismos, apesar de a guerra ser um evento dramático. Quem não fica tocado com o morticínio de crianças na Faixa de Gaza? É revoltante, mas essa revolta tem que se transformar em ação política. A esquerda que não sai às ruas contra o genocídio é conivente com o imperialismo, o mesmo que arma ‘Israel’ e a Ucrânia.
É complicado…
O artigo volta à carga dizendo que temos de “penetrar, por meio do pensamento, nas relações sociais, econômicas, políticas e militares para desvendá-las – entender. Não é possível compreender uma guerra se nos detivermos na superfície do conflito”. E passa a questionar quem estaria certo na invasão do Kwait pelo Iraque, em 1990; e na questão da Guerra das Malvinas. No entanto, nos dois casos é gritante que se trata de dois países oprimidos lutando contra o imperialismo. Dizer que “a ditadura sanguinária de Rafael Videla iniciou a Guerra das Malvinas em 1982”, para então concluir que “não há nada de óbvio” para se analisar uma guerra, é apenas uma posição capituladora de quem se nega a ver a realidade com o auxílio do materialismo dialético. Entre a ditadura sanguinária de Videla e o imperialismo britânico, ficamos do lado do país oprimido, todo trotskista sabe disso.
A matéria nem esconde que é pró-imperialista e contra a Rússia. Por volta do quinto parágrafo, o autor da matéria fala sobre o “Duplo caráter da guerra na Ucrânia”. Segundo ele, “Sem dúvida, é uma guerra colonial ou neocolonial por parte de uma nação historicamente opressora (Rússia) contra uma nação historicamente oprimida (Ucrânia)”.
O autor critica Putin, que misturaria “deliberadamente duas questões distintas: a identidade entre povos e o seu direito à autodeterminação, inclusive à separação e independência”. De novo, se ignora aqui o direito à autodeterminação dos habitantes do Donbass. Pior, diz que não tem “legitimidade o argumento putinista da luta contra o neonazismo na Ucrânia”, pois “também na Rússia o ultranacionalismo corre solto”. Tentam comparar nacionalistas russos com aquilo que aconteceu na Ucrânia, com as milícias nazistas treinadas pela OTAN para dar um golpe de Estado e esmagar civis.
Teoria dos ‘blocos’
No artigo, deparamo-nos mais uma vez com a tese reacionária dos ‘blocos’. Em vez de se pautar na luta de classes, na divisão do mundo entre países ricos e pobres, entre opressores e oprimidos, temos aqui a “divisão em blocos”. De um lado, o bloco Rússia-China; do outro, o bloco Estados Unidos-Europa.
Finalmente, no meio do texto, o autor reconhece que a OTAN é a força mais reacionária do planeta, que é um perigo para humanidade e que usa a Ucrânia atacar a Rússia, apenas não tira a conclusão óbvia: a Rússia tem o direito de se defender!
Em vez disso, após conjecturar sobre os possíveis cenários sobre uma vitória russa ou do imperialismo, conclui que não obteremos “nada de bom em nenhum dos dois cenários, uma guerra sem saída e sem final feliz”.
Escolher ‘lado nenhum’ é o apoio velado da esquerda pequeno-burguesa ao imperialismo. Dizer que “Os socialistas devem levantar a bandeira da paz justa, democrática e sem anexações. Pelo cessar-fogo imediato rumo à paz e ao restabelecimento de relações fraternas entre os dois povos” não passa de conversa mole, pois contra o imperialismo, ou se enfrenta, ou se é esmagado. Criticar a Rússia quando esta legitimamente se defende do imperialismo é estar ao lado do principal inimigo da classe trabalhadora.