No dia 11 de abril, Luis Felipe Miguel, professor de ciência política da Universidade de Brasília, publicou um artigo no Brasil 247 intitulado O ataque de Elon Musk. A matéria é uma continuação da campanha em defesa da censura no Brasil. Diz ele:
“A doutrina liberal da liberdade de expressão, que ainda hoje funda muitas de nossas expectativas, incluía dois pressupostos que hoje estão erodidos.
“O primeiro é que seria possível operar como se, em regra, os falantes agissem de boa fé. Isso não é mais sustentável num ambiente de mentiras deslavadas disseminadas em ritmo industrial.”
O primeiro ponto apontado por Miguel é uma falsificação total. A defesa da liberdade de expressão jamais perpassou pela ideia de que os interlocutores sempre agiriam de boa fé, pelo contrário! A defesa da liberdade de expressão é a defesa da liberdade de questionar o que está sendo colocado como verdade, ou seja, o direito a contestar a ordem estabelecida e o que ela coloca, em outras palavras, como forma de contestar a “má fé” — se usarmos a terminologia de Miguel — dos detentores do poder. Não à toa é fruto de uma revolução, a revolução burguesa contra a aristocracia. Sobre o “liberalismo da questão”, podemos citar o insuspeito Karl Marx:
“A liberdade de imprensa é, pois, uma coisa maravilhosa, algo, talvez, que embeleze o doce hábito da existência, uma coisa agradável, vistosa? Mas também existem pessoas más, que usam a linguagem para mentir, a mente para intrigar, as mãos para roubar, os pés para desertar. Seria uma coisa maravilhosa para a escrita e a fala, para os pés e para as mãos, para a boa linguagem, para o pensamento agradável, para as mãos hábeis, para os ainda melhores pés — se não existissem pessoas más que fazem mau uso dela! E ainda não foi encontrado nenhum remédio contra isso.”
Uma segunda questão ainda neste primeiro ponto é a subalternidade de Luis Felipe Miguel à imprensa da burguesia. Ora, apenas com o advento da Internet, quando a população em geral consegue falar, é que se passou a produzir mentiras em escala industrial? Que dizer da imprensa burguesa, da Folha de S.Paulo, da Globo, do Estado de S. Paulo? Que dizer da ditadura militar, quando a informação estava sob rigoroso controle do regime? E continua:
“O segundo é que o debate aberto promoveria a vitória das posições mais sólidas, melhor embasadas, com maior aderência à realidade.
“Por isso, muito da crítica ao velho sistema da mídia corporativa apontava na direção de ampliar a pluralidade de vozes, a fim de que os diversos interesses sociais disputassem com maior condição de igualdade na esfera pública.
“A comunicação guetificada das plataformas, com suas ‘bolhas’ independentes, muda por completo a situação.
“É necessário ter critérios os mais claros possíveis sobre a linha divisória entre conteúdos legítimos e ilegítimos.”
Em que, necessariamente, as “bolhas” das redes sociais mudariam o princípio da defesa da liberdade de expressão? Isso não é apontado. Poderíamos falar em “bolhas sociais”, de uma maneira ou de outra, em qualquer época e lugar. As “bolhas”, se colocadas como um fato, contribuem para o argumento contrário ao de Miguel. Seria necessário uma liberdade maior à circulação de informação, hoje restrita pelos algoritmos e sua censura “branda”.
E vai contra o ponto de Miguel. Se temos “bolhas”, a que “bolha” se dará o direito de determinar os conteúdos legítimos e ilegítimos? Quem traçaria a “linha divisória”? Miguel também não coloca esse questionamento em seu raciocínio. Ao mesmo tempo, o autor busca se afastar de uma defesa enfática da repressão levada a cabo por Alexandre de Moraes adotando uma posição centrista ambígua:
“A solução não é deixar tudo ao arbítrio de Alexandre de Moraes – nem, muito menos, de Elon Musk ou Mark Zuckerberg.”
Ora, vale aqui lembrar, deixar a informação sob o arbítrio de Elon Musk não é uma posição colocada por nenhum setor da discussão. O fato é que Musk denunciou a censura levada a cabo amplamente por Alexandre de Moraes. Ao igualar as posições, Miguel ataca o denunciante sem falar nada de Moraes, portanto acobertando o denunciado. E faz uma denúncia ao fim que, apesar de relevante no debate geral sobre a informação, não o é para a polêmica colocada:
“Mas não basta isso. É preciso também regular o funcionamento dos algoritmos e regular o modelo de negócios das plataformas, a fim de reduzir seu império sobre os usuários.”
A questão é, ninguém se opôs a isso, o problema colocado é a censura levada a cabo por um órgão de Estado, algo da máxima gravidade, e que excede de tal maneira a censura do próprio X (entre as redes Facebook, Instagram e X, a rede em que a censura é mais branda) que o dono da empresa se viu compelido a denunciar a situação. A colocação de Miguel, portanto, novamente acoberta Alexandre de Moraes, ao desviar do tema e falar, fora de questão, da censura das próprias redes sociais. E finaliza Luis Felipe:
“Não é só a mentira que ameaça a democracia. O controle sobre os comportamentos também. Sem cidadãos autônomos, ela não é capaz de sobreviver.”
Temos aqui duas ideias contraditórias, expressas em mais uma posição centrista. Ou a mentira ameaça a democracia, ou o controle o faz. Porque ou há liberdade de expressão, ou não há. A partir do momento em que uma posição pode ser proibida porque é taxada de mentira, qualquer uma pode o ser. O que está colocado é a totalidade do arbítrio ou da liberdade. A fala ou o cale-se. Se a colocação final de Miguel for a principal, como parece ser, de que “sem cidadãos autônomos a democracia não sobrevive”, não há possibilidade de tutela positiva sobre o cidadão, logo não há espaço para a defesa da censura.