O governo de Javier Milei completou um ano e o saldo dificilmente poderia ser mais negativo. O governo Milei é uma autêntica ditadura pois conseguiu, em grande parte com suborno de deputados e pressão da mídia e da própria burguesia, obter poderes excepcionais que não respeitam qualquer ordenamento jurídico do país. O clima que prevalece nas ruas hoje não é o mesmo do ano passado. Isso pode ser explicado pela brutal repressão policial federal com a aplicação de uma medida inconstitucional chamada de protocolo “Antipiquete”. Pelo menos 60 ações repressivas e 22 prisões foram registradas, resultando em um total de 115 pessoas presas. Além disso, 147 pessoas enfrentaram processos criminais e 992 foram feridas pelas forças de segurança. Somam-se a isso as perseguições a líderes sociais e invasões de instituições como as sofridas pelos membros da UTEP(Unión de Trabajadores y Trabajadoras de la Economía) e do Partido Obrero, entre outras,
A perseguição judicial também foi uma das mais importantes armas de manobra utilizadas pelo Governo de Milei, por meio do Poder Judiciário, ator central na rede mafiosa econômico-jurídica-midiática-policial e nos serviços de inteligência. A estratégia de perseguição de líderes e militantes se intensificou desde a chegada do governo de Javier Milei, com suas ferramentas de aniquilação, como o Lawfare. Isso é, na verdade, a continuidade de uma ação do judiciário contra Cristina Fernández de Kirchner em 2022, como precedente e fato articulado, sustentando a centralidade dos ataques à sua imagem.
Não é menos importante destacar a atividade por meio das redes sociais e o ativismo digital dos influenciadores mileistas. Eles usam, principalmente da rede X do presidente argentino, Javier Milei, para atacar, desacreditar e mentir contra seus oponentes políticos e aqueles que dentro de La Libertad Avanza dão algum passo em falso ou contrário às suas aspirações, jornalistas, ativistas sociais, movimentos populares. Tudo orquestrado através do autodenominado “Triângulo de Ferro” Karina Milei (irmã do Presidente Javier Milei) e Santiago Caputo (ministro da Economia). As ações são executadas principalmente por atores e intelectuais como, Agustín Laje, da Fundação Faro, que elaboram discursos de ódio.
A devastação Millei
O governo Milei se destaca por uma série de ataques frontais aos trabalhadores e população em geral decorrentes de sua política de desmantelamento do esboço de Estado de bem-estar social que foi construído ao longo do tempo pelos governos peronistas. Estes ataques resultam numa situação econômica e social de devastação que chega ao nível físico de sobrevivência das pessoas.
A política econômica de Millei que é celebrada nos círculos de poder imperialista e da burguesia argentina como aquilo que deveria ser feito, o que torna a economia argentina a de pior desempenho em termos mundiais. Ela resultou na redução do PIB em pelo menos 4%; deprimiu totalmente o consumo das classes populares; empobreceu grandes segmentos da classe média; causou o desaparecimento de quase trezentos mil postos de trabalho e o encerramento de 16.500 PME e 10.000 quiosques.
. As pessoas comem muito menos carne, as crianças bebem muito menos leite: um milhão delas dorme sem jantar e, de acordo com a UNICEF, o número sobe para quatro milhões e meio de pessoas se os adultos forem levados em consideração. Com a renda cada vez mais reduzida, as famílias devem gastar muito mais do que antes em água, gás, eletricidade, telefone e transporte.
A situação na área da saúde é espantosa, pois mostra que o governo executa uma política letal para os mais pobres, semelhante à atitude do governo de Israel com relação à população de Gaza. Deve ser essa crueldade sem barreiras que Milei mais admira no governo genocida de Netanyahu, Não só os pobres são atingidos, já existem legiões de famílias de classe média que não tem como pagar os preços exorbitantes e buscam sem sucesso o hospital público. Isso sem falar no preço dos medicamentos necessários para a população, em especial os idosos e que antes eram distribuídos gratuitamente pelo PAMI (Programa de Assistência Médica Integral).
Já na área da educação, o governo aprofundou a limites desconhecidos o desfinanciamento da educação pública em todos os níveis, sendo o ataque às universidades nacionais um de seus objetivos mais ferozmente perseguidos. A situação é igualmente alarmante se falarmos do ensino escolar e do ensino secundário, também afetado pela falta de financiamento que se arrasta há muitos anos.
A contrapartida do governo é privatizar e financeirizar a oferta de programas sociais. O lema de Evita Peron de “onde há necessidade nasce um direito” foi substituído pelo governo Milei por “onde há necessidade há mercado”. A digitalização e financeirização da economia doméstica das famílias argentinas na nova fase do sistema capitalista dá uma indicação de mecanismos que parecem ser mais substantivos do que fenomenológicos. As plataformas digitais, e o MercadoPago em particular, tornam-se a mediação das pessoas com seu ambiente, recebendo através da plataforma de Marcos Galperín, CEO do Mercado Livre e o homem mais rico da Argentina , segundo a última publicação da revista FORBES. Subsídios estatais como o Abono Universal por Filho, Bolsa Família, Programa Alimentação, Voucher Educação, Bolsa Progresar, Desemprego, Reforço de Renda, Programa Moradia, Programa Renda Social com Trabalho, Cobertura Universal para Crianças e Adolescentes, Renda Familiar Emergencial, Programa de Reparação Econômica para Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Doméstica, Pagamento Único por Nascimento, Casamento ou Adoção. O governo Milei também promove a destruição do sistema científico, o ataque às artes e à cinematografia, o desprezo por tudo o que se afasta daquela lógica que reduz as criações mais sublimes da raça humana à condição de mercadoria, objetos valiosos apenas na medida em que podem ser fonte de lucro?
Na sexta-feira, 13 de dezembro, o INDEC divulgou seu relatório mensal do IPC, mostrando a inflação do mês de novembro de 2,4%, atingindo 166% em relação ao ano anterior. A queda da inflação mensal tem sido celebrada pelo governo, mas ainda é a mais alta da América do Sul.
O Observatório da Dívida Social Argentina da Universidade Católica Argentina (UCA) revelou que o nível de pobreza no último trimestre do ano atingiu 49,9% da população, ou seja, cerca de 23 milhões de pessoas. Enquanto isso, a mesma medida indicou que 65,5% das crianças na Argentina vivem na pobreza. Os números mostram que os níveis estão acima da comparação ano a ano (44,7% de 2023) e mostram que metade da população argentina está atolada na pobreza, com salários de fome, necessidades básicas insatisfeitas e a impossibilidade de cobrir as despesas exigidas por uma cesta básica. A mesma medição revelou que o nível de indigência subiu para 12,9% no mesmo período, ou seja, um ponto a mais do que os 11,9% registrados em 2023.
A origem do problema argentino: a dívida
A CEPAL (Comissão Econômica para América Latina da ONU), em estudo recente, destaca que a dívida média dos governos centrais para um grupo de 16 países da região, em março de 2024, atingiu 52,3% do PIB, A Argentina destaca-se das restantes pelo peso relativo da sua dívida. Na verdade, a Argentina é o único dos países considerados onde a dívida ultrapassa um PIB, atingindo 130,4% do PIB em março de 2024, enquanto o Brasil, que segue no ranking, regista uma dívida de 75,7%, e o México aparece longe com 40% da dívida do governo central sobre o seu PIB. O crescimento da dívida regional na última década é eloquente, sob condições gerais de desaceleração da economia mundial após a crise de 2007/09, a pandemia de 2020/23 e as dinâmicas de militarização e guerra que se agravaram desde 2022.
O problema da dívida no país surge com a ditadura genocida entre 1976 e 1983, constituindo um grande fator determinante na política econômica do país. Desde então, todas as mudanças presidenciais foram sujeitas a processos de negociação de uma dívida odiosa, ilegítima e ilegal, que subordinou os recursos fiscais ao pagamento de juros, que durante este período atingiram taxas muito elevadas. A dívida é um mecanismo de financiamento da reestruturação reacionária do capitalismo local. Ela é resultado do processo de acumulação de capital baseado em exportação de produtos primários que é dependente da hegemonia das transnacionais alimentares e biotecnológicas, e de exploração mineral de ouro, cobre, lítio; e hidrocarbonetos não tradicionais.
Um modelo produtivo e de desenvolvimento que empobrece a maioria social, alargando o fosso entre ricos e empobrecidos, baseado na maior exploração da força de trabalho e na pilhagem de bens comuns. Essa história levou ao estouro da dívida de 2001, o maior na história das crises da dívida até a data, e evidenciou, como na crise da dívida de 1982 (México), um problema que transcende o local para ser global.
A Argentina negociou novamente a dívida com a intervenção do FMI em 2018, o problema da dívida e o condicionamento da política local como um todo se agravaram no Governo Macri. O empréstimo do FMI foi de US$ 57 bilhões, o maior empréstimo da história da organização. Desse montante, apenas foram desembolsados quase 45 bilhões de dólares, renegociados em 2022, já no governo de Alberto Fernandes, com 10 auditorias trimestrais ao FMI, cuja oitava foi concluída em julho de 2024.
Os compromissos com o FMI renegociados como um empréstimo de Facilidades Estendidas colocaram em hipoteca as contas públicas do país até 2034. É evidente a aceleração do endividamento desde 2018 e especialmente em 2023 e 2024, no final do governo de Alberto Fernández em dezembro de 2023 e no início da gestão de Javier Milei desde 10/12/2023. A dívida é um mecanismo de dominação do capital concentrado no sistema mundial, que tem o FMI como organismo subordinado a uma lógica de ajustamento fiscal e de reestruturação regressiva.
Com os acordos, o FMI condiciona os recursos públicos dos países ao pagamento da dívida, mas, além disso, exige a aplicação de políticas fiscais, monetárias e creditícias regressivas, com objetivos funcionais à dinâmica de promoção da liberalização exigida pelo grande capital, que inclui as reformas reacionárias trabalhista, previdenciária e tributária.
O governo Javier Milei decidiu, com sua política econômica, fazer com que os trabalhadores paguem os acordos com o FMI, de uma dívida que foi gasta com a burguesia local e internacional. O brutal corte de gastos do Estado argentino com políticas sociais e investimentos em infraestrutura significam um reforço fundamental à acumulação de capital, em que o Estado desonera as empresas e onera a população, fundando um novo pacto social compulsório em que predominam as necessidades do capital e que resulta em 55% de pobreza, 20% indigência e 45% de irregularidade no emprego, produto da crescente flexibilidade e da insegurança trabalhista.
Fora o FMI
Há uma longa história de denúncia e combate à dívida, assumida em tempos de ditadura genocida com os slogans “não à dívida” e “Não ao FMI”, que foram continuados em sucessivas campanhas populares até à atual que reivindica a suspensão do pagamento da Dívida Pública e auditoria com participação popular, uma articulação sociopolítica em desenvolvimento desde dezembro de 2019 com múltiplas atividades de denúncia e esclarecimento.
Com a renegociação da dívida com o FMI em 2022, assumiu-se a palavra de ordem de lutar pela anulação dos acordos. É um movimento que tem antecedentes em campanhas populares continentais, entre as quais se destaca a de 1985, convocada por Fidel Castro em Havana para criar um “Clube dos Devedores” face à crise da dívida com o não pagamento do México em 1982. Desde então, foram construídas diversas organizações com o objetivo de enfrentar a dívida, seus iniciadores e beneficiários.
Neste sentido, destaca-se a criação da rede global Attac (https://www.attac.com/), que surgiu no final da década de 90, em simultâneo com o CADTM (https://www.cadtm.org/), impulsionadores da articulação global do Fórum Social Mundial que emergiu fortemente em 2001 em Porto Alegre.
Agora, considerando o perigo da tomada do poder pela extrema direita estilo Milei , está sendo convocada a “1ª Conferência Internacional Antifascista” a ser realizada em Porto Alegre em maio de 2025. É importante destacar que o combate é contra a dívida, o FMI, os organismos internacionais e as dinâmicas de liberalização da economia propostas pelos sujeitos da dominação do capitalismo contemporâneo, das corporações transnacionais, dos principais Estados do capitalismo global e das organizações internacionais, entre os quais se destacam o FMI, o Banco Mundial, a OMC. Estas instituições que são orquestradas pelo imperialismo norte-americano, devem ser combatidas e denunciadas nas suas iniciativas sempre contrárias aos interesses das classes trabalhadoras do continente.
As perspectivas da América Latina são sombrias, como mostram os relatórios da CEPAL. As dívidas públicas aumentam e os pagamentos de juros aos credores financeiros multiplicam-se quando o que é necessário é utilizar estes recursos financeiros para o crescimento econômico com justiça social, para a educação e a saúde, para melhorar o emprego, para melhorar os salários e combater as enormes desigualdades sofridas pelas nações do continente. A região é a mais endividada do mundo e exige que as suas dívidas sejam suspensas, reestruturadas, auditadas e as que são ilegítimas, a maior parte, sejam abolidas.