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Juca Simonard

Editor da revista Na Zona do Agrião e redator do Dossiê Causa Operária

Coluna

Telê Santana, o mestre

"Telê transformava jogadores comuns em craques. Brucutus em ótimos defensores. Pés-murchos em canhões certeiros. Laterais em meias. Zagueiros em volantes. Telê fazia mágica."

Telê Santana foi um dos maiores treinadores da história. O mestre, em 2019, foi colocado na 35ª posição na lista de 50 maiores treinadores de futebol de todos os tempos, publicada pela revista francesa France Football. O fato mostra a importância do treinador para o Brasil: foi o único brasileiro a figurar na lista.

Em geral, essas listas não devem ser levadas a sério, pois — assim como premiações de Melhor do Mundo da Fifa e Ballon d’Or — os organizadores fazem para manter os brasileiros excluídos. Apenas quando alguém se destaca muito, e é impossível fraudar, os brasileiros são prestigiados.

Por isso, é bem mais difícil deixar um jogador genial fora dessas listas. Por exemplo, quando o cerco ao futebol brasileiro era um pouco menor, 20 anos atrás, Ronaldo, Romário, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká foram premiados como melhor jogador do mundo. Hoje em dia é mais complexo: Neymar é amplamente sabotado.

O cerco maior ao futebol brasileiro começou após a crise capitalista mundial de 2008, com a necessidade dos monopólios utilizarem a especulação em torno do futebol para seus interesses econômicos. A lista na qual figura Telê é de 2019 — portanto, já após o cerco. Mesmo assim é uma falsificação. Mário Lobo Zagallo, que mudou a história do futebol, não está nela, nem mesmo Luiz Felipe Scolari (o Felipão), Vanderlei Luxemburgo, João Saldanha, Vicente Feola, Flávio Costa e outros inúmeros treinadores brasileiros que estão entre os melhores de todos os tempos. Mas Telê está.

Por quê? Porque o estilo de jogo artístico dos times que treinou impediu qualquer tentativa de retirá-lo da lista. Os times que ele treinou apresentavam verdadeiros espetáculos em campo. Até hoje, mesmo sem ter vencido a Copa do Mundo de 1982, diz-se que essa Seleção Brasileira foi uma das melhores de todos os tempos — pelo menos, uma das que apresentou o futebol mais bonito na história das copas. Por isso, só de figurar na lista manipulada pelos europeus, e ainda como representante de um típico futebol-arte, Telê Santana conquistou mais uma vitória para o Brasil. Tentam, por todos os meios, esconder o futebol brasileiro, o melhor do mundo, mas Telê impediu a manobra. Isso que importa.

Sua força é tamanha que, mesmo perdendo duas Copas do Mundo, em 1982 e 1986, que lhe renderam a fama de “pé-frio”, foi eleito por jornalistas, jogadores e ex-atletas o maior treinador da história da Seleção Brasileira em pesquisa realizada pela revista Placar na década de 1990.

O jogador

Se o que, de fato, consagrou Telê treinador foi o São Paulo bicampeão mundial em 1992 e 1993, a personagem deste artigo é ídolo de outro tricolor, o carioca: Fluminense Football Club, onde estreou como jogador profissional, valendo-lhe o apelido “Fio de Esperança”, e como treinador.

Mineiro de Itabirito, Telê Santana da Silva nasceu em 26 de julho de 1931. Nos juniores, começou jogando no time da cidade, Itabirense Esporte Clube, cuja sede era próxima de sua casa. Foi ainda chamado para o América de São João del-Rei, indo em seguida para o Fluminense, instalando-se no Rio de Janeiro, então capital do país. Na base, ainda chegou a jogar pelo Botafogo, mas voltaria para o tricolor carioca, de onde subiria para o futebol profissional em 1951.

A decisão de contratá-lo para o time oficial do Fluminense se deu graças ao então Diretor de Futebol do Fluminense — João Coelho Netto, o Preguinho, o ídolo da Seleção Brasileira e do clube carioca.

No Tricolor carioca, Telê jogou durante nove anos, disputando 557 partidas e marcando 165 gols, sendo o terceiro jogador que mais atuou pelo clube tricolor e seu quinto maior artilheiro. Era um jogador franzino e de estatura média, mas isso não o impediu de ser um dos melhores jogadores da década de 1950, época de ouro do futebol nacional. Pelo Fluminense, conquistou o Campeonato Carioca de 1951 e 1959, o Torneio Rio-São Paulo de 1957 e 1960 e a Copa Rio de 1952 — uma competição precursora do Mundial de Clubes.

Ganhou o apelido de “Fio de Esperança” do intelectual e jornalista Mário Filho, então diretor do Jornal dos Sports que organizou um concurso entre os torcedores. Como era magricela, Telê tinha os apelidos pejorativos de “Fiapo” e “Tarzan das Laranjeiras”. O dirigente tricolor Benício Ferreira, achando que o craque merecia um apelido mais honroso, sugeriu então o concurso e propôs a seu amigo Mário Filho. O jornalista então criou o concurso com o tema “Dê um slogan para Telê Santana e ganhe 5 mil cruzeiros”. Com mais de quatro mil sugestões, três propostas acabaram empatadas, sendo elas “El Todas”, “Big Ben” e “Fio de Esperança”. A última se popularizou entre os torcedores tricolores.

Em 1960, Telê foi transferido para o Guarani de Campinas. O então presidente do clube, o carioca Jaime Silva, era torcedor do Fluminense e atuou junto aos dirigentes tricolores para garantir a transferência para o interior de São Paulo. No final de carreira, voltou para o Rio, jogando no Madureira e no Vasco. Durante uma partida do Madureira contra o Fluminense, Telê marcou o único gol de sua equipe em uma derrota por 5 a 1 para o time do qual era ídolo. Foi um golaço, que encobriu o goleiro Castilho, de Seleção Brasileira. Telê foi aplaudido pela torcida tricolor e chorou ao final da partida por ter feito um gol em seu clube do coração. Ele se aposentou no Vasco em 1963.

O início vencedor como treinador

Seis anos depois, faria sua estreia como treinador justamente no comando do Fluminense. Em 1968, comandando os juvenis do tricolor, foi campeão carioca. No ano seguinte, foi transferido para o time profissional. No mesmo ano, foi campeão do Campeonato Carioca e da Taça Guanabara, montando a base do time campeão do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (precursor do Campeonato Brasileiro) no ano seguinte. Com essa mesma base, o Fluminense também foi campeão carioca em 1971.

No entanto, Telê não chegou a conquistar esses dois últimos títulos do Fluminense, pois já havia sido transferido para comandar o Atlético Mineiro, voltando ao estado onde nasceu. Na verdade, o Fluminense foi campeão brasileiro contra seu antigo treinador. A final do Robertão de 1970 foi disputada contra o Galo de Telê, que havia sido campeão mineiro naquele ano.

Seu trabalho no Atlético deu frutos. Ele chegou ao clube mineiro para acabar com a hegemonia do Cruzeiro, uma das melhores equipes do país, no estado. Em 1970, o Atlético foi campeão mineiro, impedindo o hexacampeonato do rival, que contava com craques como Dirceu Lopes, Tostão e Piazza. No estadual, o Galo venceu 20 partidas (sendo cinco e, depois, 15 consecutivamente), perdeu uma e empatou uma, justamente contra o Cruzeiro. Ainda, marcou 51 gols e sofreu apenas 12. O artilheiro da competição foi o goleador Dario, o Dadá Maravilha.

No ano seguinte, com a mesma base do time campeão, na primeira edição do Campeonato Brasileiro, em 1971, o Galo de Telê foi campeão brasileiro e o atacante Dario (Dadá Maravilha) foi artilheiro da competição com 15 gols. O período ficou conhecido como “o ano de ouro do futebol mineiro”, pois além da conquista atleticana, o Cruzeiro tinha seu esquadrão de craques e o América de Belo Horizonte foi campeão invicto do estadual

No campeonato nacional, na primeira fase, o Atlético ficou na segunda colocação do Grupo B, empatado em pontos (23) com o líder Grêmio, e avançou para a segunda fase. Em seguida, três grupos foram formados e apenas o líder de cada um passaria ao triangular final. O Atlético ficou na primeira colocação do Grupo B, eliminando times como Santos, que ainda contava com Pelé, Vasco da Gama e Internacional. Na fase final, o Atlético disputaria o título contra o Botafogo, líder do Grupo C, e São Paulo, líder do Grupo A. O Galo bateu o forte Tricolor Paulista, de Gerson, por 1 a 0, e o Glorioso, de Jairzinho, pelo mesmo placar e conquistou o primeiro Campeonato Brasileiro.

No balanço geral, foram 27 partidas, 12 vitórias, 10 empates e cinco derrotas, e o melhor ataque do campeonato, com 39 gols.

Ganhando experiência

Em 1972, no entanto, o Galo foi eliminado na segunda fase, batendo na trave de passar para a fase final. Mesmo assim, Dario foi o artilheiro da competição, empatado com Pedro Rocha (São Paulo) com 17 gols. Também foi nessa edição, no time de Telê, que o clássico meio-campista Toninho Cerezo estreou como profissional.

Em 1973, saiu do Galo e treinou pela primeira vez o São Paulo. No entanto, a passagem foi curta. Ele entrou em conflito com os jogadores (algo que seria constante em sua carreira), entre eles o ídolo Toninho Guerreiro, um dos melhores atacantes da época, e Paraná, bicampeão paulista pelo Tricolor em 1970 e 1971 e jogador da Copa do Mundo de 1966. A Folha de S.Paulo, na época, publicou:

“Telê Santana cansou-se da falta de apoio dos jogadores e dos próprios membros da Comissão Técnica do São Paulo e ontem [4 de julho de 1973] pediu demissão do seu cargo. Telê chegou bem cedo ao São Paulo, entregou o seu pedido e não esperou nem aos repórteres para dar alguma satisfação. Para a sua saída, uma explicação fria e bem estudada do supervisor José Poy, responsável desde ontem pela direção técnica do time: ‘O Telê chegou muito cedo e entregou seu cargo, afirmando que era uma atitude irredutível. Ele não é mais técnico do São Paulo.’ [O jogador] Paraná, que havia criticado o trabalho de Telê, foi multado e afastado do time”.

Um mês depois, retornou ao Atlético, onde permaneceu no clube até setembro de 1975. Nessa volta, no entanto, não conseguiu fazer frente ao time do Cruzeiro, que voltou a conquistar seguidos campeonatos estaduais. No Campeonato Brasileiro, caiu seguidamente na Segunda Fase, mesmo após uma Primeira Fase sensacional em 1974.

No Rio Grande do Sul

Em 1976, Telê assumiu o comando do Botafogo, mas não fez uma boa campanha com o alvinegro. No segundo semestre do ano, assumiu o comando do Grêmio com o objetivo de derrotar o domínio do Internacional no Rio Grande do Sul.

Com uma geração excelente de jogadores, entre eles Falcão, Capergiani, Valdomiro, Marinho Perez, entre outros, o Colorado tinha uma das melhores equipes do país e conquistou o bicampeonato brasileiro em 1975 e 1976. Três anos depois, o Internacional conquistaria o tricampeonato. Era uma equipe realmente difícil de bater.

Em 1976, com o Grêmio em frangalhos, caiu na Terceira Fase do Campeonato Brasileiro, mas, no ano seguinte, conquistou o Gauchão após oito anos de domínio do Colorado, derrotando a máquina do Internacional. Para isso, Telê mesclou um time de jovens craques e veteranos, outra marca que acompanharia os times que treinou ao longo de sua carreira. O tricolor chegou à final contra o Internacional e venceu por 1 a 0 com gol de André Catimba.

Em 1978, ainda no comando do clube gaúcho, fez uma boa campanha no Campeonato Brasileiro, chegando às quartas-de-final. A reorganização realizada por Telê seria fundamental para, alguns anos depois, o clube gaúcho “renascer”, conquistando, na década de 80, o campeonato nacional, a Libertadores e o Mundial de clubes. Mesmo que esses títulos tenham sido conquistados sem Telê, foram as mudanças realizadas pelo treinador que permitiram essa mudança de chave.

No comando da Canarinho

Em 1979, deixou Porto Alegre e foi para o Palmeiras, comandando o gigante paulista, que vivia uma época complicada, sem investimentos para jogadores e sem títulos. Tirando leite de pedra, Telê reorganizou o elenco e montou um time competitivo, mesmo sem conquistar títulos — não havia o que fazer: o Palmeiras só voltaria a conquistar títulos importantes na década de 1990 com a Parmalat.

Ficou no Alviverde até 1980, quando foi chamando para comandar a Seleção Brasileira. A convocação de Telê Santana foi uma virada de chave para a Canarinho. Após a passagem de Cláudio Coutinho, preparador físico e homem de confiança da ditadura militar que comandou a Seleção Brasileira em 1978 e defendeu o futebol-força e tático em detrimento das características brasileiras, Telê assumiu a Seleção para retomar a arte brasileira.

Com jogador do nível de Sócrates, Falcão, Zico, Cerezo, Júnior, Éder e Leandro, a Seleção apresentou um futebol magnífico. A forma de jogar dos brasileiros voltou a encantar o mundo.

Era uma situação que expressava a situação política do país. A interferência da ditadura militar havia prejudicado a Seleção em 1966 e quase custado o título de 1970 — que fora conquistado no meio de um turbilhão gigantesco, com a troca do técnico às vésperas da Copa.

Os desmandos da ditadura, no entanto, se fizeram sentir na década de 1970, prejudicando o futebol nacional. A interferência dos militares, inclusive, prejudicaria a característica de jogo da Seleção, que abandonava o estilo artístico dando mais importância à questão física. Telê, no entanto, é chamado no período da chamada “abertura”, ou seja, quando o regime militar estava se enfraquecendo. A retomada do futebol-arte por Telê Santana, desta forma, era expressão da mobilização nacional contra os militares.

O futebol bonito voltava ao escrete nacional e o Brasil era o amplo favorito para a Copa de 1982. A Seleção dessa edição é considerada por muitos ainda hoje em dia como uma das melhores de todos os tempos. Mesmo assim, Telê era alvo de constantes críticas. Inovador para a época, Telê não jogava com dois pontas ofensivos abertos. Quem subia para apoiar o ataque eram os dois laterais — Zico e Sócrates também abriam nas alas. Ainda, ele preferia um jogo com troca de passes pelo meio-campo, o que dava uma dinâmica importante para o time brasileiro. Era um time extremamente ofensivo.

Por causa disso, a imprensa fez tempestade em copo d’água. O humorista Jô Soares chegou a criar o bordão “Bota ponta, Telê!”. Mais tarde, o treinador explicaria: “O time buscava ocupar o espaço ali na direita. Se eu tivesse um grande ponta, como o Garrincha, é lógico que ele iria jogar. Comigo sempre jogam os melhores.”

Mesmo com um grande futebol, a Seleção acabou sendo eliminada pela burocrática Itália na Segunda Fase, por 3 a 2. Apesar disso, a Canarinho fascinou os torcedores mundo afora.

No mundo árabe

Por isso, em 1983, após deixar a Seleção, foi contratado por altos valores pelo Al-Ahli da Arábia Saudita. A contratação fazia parte da operação saudita para começar a desenvolver o futebol em seu território. Telê, já considerado um grande técnico mundialmente, foi importante para o projeto dos árabes.

No comando do clube saudita, Telê foi campeão do Campeonato Saudita, de 1983–84, da Copa do Rei Árabe, de 1982–83, e da Copa do Golfo de 1985. Em 1984, a CBF buscou-o para que retornasse à Seleção, mas a diretoria do Al-Ahli não o liberou. Mas a insistência para ele retornar foi grande. Em maio de 1986, substituiu Evaristo de Macedo no comando da Seleção para os jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986. No final do ano, rescindiu o contrato com clube saudita para retornar oficialmente ao comando da Canarinho.

Seleção, Atlético, Flamengo e Fluminense

Na Copa, manteve o time base de 1982, mas agora com os jogadores mais experientes — algo que ele pretendia utilizar a seu favor para evitar os vacilos que eliminaram o Brasil no mundial anterior. Com jogadores mais velhos, o Brasil abandonou um pouco o espetáculo, sem perder, no entanto, sua grande ofensividade.

Provavelmente influenciado pela experiência que teve no rígido mundo árabe, dessa vez assumiu um caráter ainda mais rígido que o marcaria pelo resto da vida. Exigia uma alta disciplina de seus jogadores. Por esse motivo, às vésperas da Copa, cortou o craque Renato Gaúcho do escrete brasileiro. O atacante havia saído em noitada até tarde com outros jogadores da Seleção, chegando sem condições na concentração do time nacional. Após o corte, em solidariedade a Gaúcho, Leandro também pediu dispensa da equipe. Por sua rigidez, Telê acabou perdendo dois excelentes jogadores para a Copa do Mundo.

Além disso, tinha de lidar com lesões em diversos jogadores do elenco, entre eles Zico, considerado a referência da Seleção naquele período. Zico, voltando da lesão, mas sem ritmo de jogo após um ano fora dos gramados, ainda viajaria para o México para disputar o Mundial, mas participou apenas de uma partida.

O escrete nacional fez uma boa campanha, mas acabou sendo eliminado nas quartas-de-final pela França de Platini, justamente na partida em que Zico jogou. A partida estava empatada por 1 a 1, o craque da Seleção entrou e sofreu um pênalti. No entanto, na hora de cobrar para classificar o Brasil para as semifinais, Zico perdeu. A partida foi para a cobrança de pênaltis. O chute de Sócrates, que não costumava perder penalidades, acabou parando nas mãos do goleiro francês. Na terceira cobrança, os franceses acabaram perdendo, igualando os resultados. Mas na última batida brasileira, Júlio César acabou chutando na trave. A França, ao contrário, converteu, eliminando o Brasil.

Pela primeira vez, o Brasil era eliminado de uma copa em cobranças de pênalti. Telê, então, passou a ser considerado “pé-frio”, sendo esculachado pela imprensa nacional. O treinador ficou cerca de um ano sem treinar. Apenas em agosto de 1987 retornou ao comando de uma equipe: justamente o Atlético Mineiro, com o qual havia conquistado seu primeiro título nacional.

No campeonato mineiro de 1988, voltou a conquistar um título, sendo campeão estadual pela equipe. No entanto, no Campeonato Brasileiro não fez uma boa campanha e acabou sendo eliminado na primeira fase. Em outubro desse ano, deixou o Galo para assumir o comando do Flamengo.

No comando do Rubro-Negro fez uma excelente campanha no Campeonato Carioca de 1989, chegando à final. O time foi campeão da Taça Guanabara e disputou o título estadual contra o campeão da Taça Rio, o Botafogo. No entanto, acabou ficando com a segunda colocação após perder para o Alvinegro, que, assim, saiu de um período de 20 anos sem títulos. Em setembro deste ano, acabou deixando o Flamengo, novamente por desavenças com jogadores, justamente pelo seu estilo super disciplinador. Novamente, o jogador com quem se desentendeu foi Renato Gaúcho. Sobre a saída, a Folha de S.Paulo escreveu:

“O Flamengo enfrenta o Botafogo hoje à noite [20/9/1989], no Maracanã, sem o técnico Telê Santana, que entregou o cargo na manhã de ontem, depois de uma conversa com o vice-presidente do clube, George Helal. O motivo da saída de Telê foi a briga com Renato, substituído no segundo tempo do jogo contra o Corinthians. Além disso, o Flamengo vem tendo fraco desempenho no Campeonato Brasileiro, com dois empates e uma derrota. Telê disse que achou melhor entregar o cargo, depois de refletir durante 48 horas. A diretoria do Flamengo resolveu colocar como técnico para o jogo de hoje, o supervisor João Carlos. O contrato de Telê iria até o final do ano”.

Ao sair do Flamengo, assumiu o Fluminense, ficando alguns meses, apenas até o final do ano. No início de 1990, substituiu Jair Pereira e assumiu o comando do Palmeiras em maio. No entanto, ele entregou o cargo em setembro, após derrota no Parque Antártica para o Bahia. Em outubro, assumiu o comando do São Paulo, time com o qual ele realizaria a melhor fase de sua carreira.

SPFC: a famosa ‘Era Telê’ e o melhor time do mundo

Ao chegar no Tricolor Paulista, o clube estava bagunçado e com resultados ruins, após uma campanha horrível no Campeonato Paulista, que rebaixou o clube para a segunda divisão do estadual. Novamente, Telê teria que ajeitar um time em frangalhos. E, de fato, foi Telê quem reestruturou o time, demonstrando seu estilo de grande dedicação. Além de morar no clube, ele pessoalmente retirava as pragas que prejudicavam o gramado, por exemplo. Ele ainda tinha um caráter explosivo contra aqueles que tentavam prejudicar seu trabalho, contra a imprensa especialmente.

Ele treinou exaustivamente o passe e apostou no talento de Raí, até então reserva, e em jovens talentosos como Cafu, Leonardo, Antônio Carlos e Elivelton. Assim, ele pegou um São Paulo com nível de meio de tabela no Campeonato Brasileiro e chegou ao vice-campeonato frente ao Corinthians.

No ano seguinte, já com um time entrosado, liderado em campo por Raí, o São Paulo conquistou o Campeonato Brasileiro. Destaca-se que, para isso, Telê soube adaptar seu estilo de jogo. Em Bragança, no segundo jogo da final contra o Bragantino, após vencer a primeira partida por 1 a 0 no Morumbi, Telê foi contra sua filosofia ofensiva e encheu o time de volantes, segurando um empate por 0 a 0 que deu o terceiro título brasileiro ao Tricolor Paulista.

No Campeonato Paulista, o São Paulo também sagrou-se campeão, após uma mudança no regulamento que permitiu que o clube, mesmo tendo sido rebaixado no ano anterior, pudesse disputar o título estadual. Em uma espécie de revanche pelo Brasileirão do ano anterior, o Tricolor venceu o Corinthians na final por 3 a 0, e segurando um empate por 0 a 0 na volta. Assim, Telê tornou-se o único técnico brasileiro a ter conquistado os quatro principais campeonatos estaduais do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Em 1992, com um time bastante ofensivo e jogando um dos ‘futebóis’ mais bonitos do mundo, o São Paulo conquistaria novamente o Paulistão e, pela primeira vez, o clube foi campeão continental, vencendo a Copa Libertadores contra o Newell’s Old Boys no Morumbi. Em seguida, o Tricolor foi campeão mundial pela primeira vez, ao vencer o campeão europeu Barcelona, que tinha o seu chamado “Dream Team”, treinado por Johan Cruyff e com jogadores como Guardiola, Nadal, Sérgio, Stoichkov, Kosmann e Zubizarreta — time precursor do tiki-taka espanhol. A vitória do Tricolor foi por 2 a 1, e Raí marcou os dois gols do clube paulista.

O Tricolor, em 1992, ainda conquistou dois títulos internacionais amistosos, o Troféu Ramon de Carranza e o Troféu Tereza Herrera — este último vencendo o mesmo Barcelona por 4 a 1. Após a final do Mundial, Cruyff comentou: “se é para ser atropelado, que seja por uma Ferrari…”

Após ser campeão do mundo, o São Paulo deu a volta olímpica pela capital paulista em um carro de bombeiros todo enfeitado. A revista Placar decretou à época que “o São Paulo hoje está muito à frente dos adversários”.

Em 1993, em seu ano mais vitorioso, conquistou quatro títulos. O São Paulo venceu a Libertadores contra o Universidad Católica, a Recopa Sul-Americana contra o Cruzeiro, a Supercopa Libertadores contra o Flamengo e, no final do ano, conquistou o bicampeonato mundial contra o Milan. Ou seja, foram quatro competições internacionais em um ano.

Na Libertadores, na primeira partida da final, o Tricolor venceu através da maior goleada em uma final de Libertadores, batendo o Universidade por 5 a 1 diante de um Morumbi lotado. O clube garantiu o bicampeonato, mesmo perdendo a segunda partida, no Chile, por 2 a 0.

Sensação mundial, o São Paulo relembrou a época de ouro do futebol brasileiro, quando os clubes nacionais eram convidados para disputar amistosos ao redor do mundo. No ano de 1993, foram impressionantes 97 partidas disputadas, sendo 16 apenas no mês de abril, isto é, em 30 dias…

Na disputa do Mundial, o Tricolor teve de enfrentar o vice-campeão europeu, o Milan, pois o campeão, Olympique de Marseille estava envolvido em um escândalo de apostas. Agora sem Raí, o São Paulo novamente não chegou como favorito. Em um jogo difícil, o Tricolor venceu com gols de Palhinha, Cerezo e Müller por 3 a 2. Desde o Santos de Pelé, era a primeira (e única) vez que um time brasileiro era bicampeão mundial consecutivamente.

Em 1994, o São Paulo ainda foi bicampeão da Recopa Sul-Americana ao vencer o campeão da Copa Conmebol de 1993, o Botafogo. Também conquistou a Conmebol desse ano, vencendo o Peñarol do Uruguai por 6 a 1 na primeira partida da final.

A Conmebol foi um acontecimento muito curioso, que revela bem a qualidade de Telê como técnico e a força daquele time do São Paulo. O técnico decidiu jogar o campeonato todo com uma espécie de time reserva, para poder disputar dois campeonatos simultaneamente, que ficou conhecido como “Expressinho”. O time campeão de um torneio internacional revelou jovens jogadores que depois se tornaram ídolos como Caio, Denílson e Rogério Ceni, que depois se tornaria um dos maiores ídolos do SPFC e um dos maiores goleiros da história. A experiência vitoriosa do Expressinho mostra a qualidade não apenas daquele time do São Paulo, mas do futebol brasileiro.

O Tricolor chegou novamente à final da Libertadores, seu terceira seguida, mas acabou perdendo para o Vélez Sarsfield da Argentina.

Não é exagero afirmar que Telê transformou o São Paulo “no maior espetáculo nacional e internacional entre 1991 e 1993”, como destacou Guilherme Diniz no perfil que escreveu sobre o treinador no portal Imortais do Futebol. O Tricolor contava, na época, com jogadores que marcaram época, como Müller, Leonardo, Cafu, Toninho Cerezo, Zetti, além, naturalmente, de Raí, o maestro do time. Diz Guilherme Diniz:

“O São Paulo não apenas jogava. Ele dava show. Jogava bonito. Jogava por títulos, por hegemonia. Jogava sempre com categoria, de cabeça erguida, em prol do futebol, do espetáculo. Telê transformava jogadores comuns em craques. Brucutus em ótimos defensores. Pés-murchos em canhões certeiros. Laterais em meias. Zagueiros em volantes. Telê fazia mágica. E entrou para a eternidade”.

O articulista ainda aponta, com toda razão, que o treinador era um “mago do futebol arte”.

Ademais, é importante destacar que Telê, além de ser responsável por recuperar o futebol arte na Seleção Brasileira, nos anos 80, também foi a expressão de uma reorganização do futebol nacional na década seguinte. Nós anos 90, após a crise acusada no futebol brasileiro pela ditadura e, em seguida, pelo avanço do neoliberalismo, o Brasil conseguiu se adaptar às mudanças internacionais e montou grandes equipes. O São Paulo de Telê foi a primeira delas.

O treinador ficou no São Paulo até janeiro de 1996, quando sofreu uma isquemia cerebral e teve de se aposentar. Em abril de 2006, após um mês internado devido a uma infecção intestinal, acabou falecendo em Belo Horizonte.

Como legado, deixou o futebol bonito das equipes que treinou, além de ser um dos maiores técnicos da história do futebol mundial.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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