O Diário da Causa Operária entrevistou um índio Pataxó que vive na Terra Indígena Comexatibá, no município de Prado, Extremo Sul da Bahia para relatar a situação de terror e violência organizada pelos latifundiários e policiais militares, que resultou no assassinato de uma criança Pataxó, Gustavo Silva da Conceição, de apenas 14 anos em setembro de 2022.
O relato é grave e mostra a atuação dos policiais militares que estavam envolvidos no assassinato de Gustavo Pataxó, que foram colocados em liberdade, e o envolvimento dos polícias da Força Tarefa criado pelo governo do Estado e Ministério dos Povos Indígenas, na repressão e comunicação com latifundiários.
A região possui grande envolvimento e organização das milicias do grupo fascista “Invasão Zero” e do chamado “Casarão Brasil”, onde são organizadas reuniões entre latifundiários e ações criminosas.
Diante desses ataques, a denúncia exclusiva chega ao DCO para divulgar esses ataques e a também a luta pela demarcação do povo Pataxó.
Veja a entrevista abaixo:
DCO: Na noite da última quarta-feira (28), um índio Pataxó da aldeia Cassiana, na Terra Indígena de Barra Velha, em Porto Seguro, Bahia, sofreu uma tentativa de homicídio quando caçava dentro da área de retomada próximo a Fazenda Brasília, latifúndio que funciona como base dos pistoleiros que atacam os índios Pataxó que lutam por demarcação de suas terras. O que está acontecendo contra os Pataxó da Terra Indígena de Barra Velha e terra indígena Comexatibá?
PATAXÓ: A princípio, a sensação é de impunidade com o que está acontecendo no nosso território e em nossa região no estado da Bahia. É como se nós, povos indígenas, estivéssemos pisando em um campo minado onde o poder público é usado para exterminar um povo. Nós estamos falando aí do aparato do estado da Bahia, a polícia militar que vem fazendo todos esses atos de violência com o nosso povo.
Foi criada uma força-tarefa logo no início do assassinato de Gustavo (assassinado por policiais militares dentro de uma retomada), de apenas 14 anos, no ano 2022. E essa força tarefa era composta por policiais militares, que hoje entraram em defesa dos outros policiais que estavam aqui atacando e contra-atacando a nossa comunidade. É o nosso povo, na região onde culminou na morte de Gustavo Pataxó.
De lá para cá, eu vou revelar uma coisa pra vocês aqui. Acho que você já deve ter conhecimento desde quando vocês foram na aldeia Quero Ver onde teve aquela ação daqueles parentes (índios contratados pelos latifundiários para despejar índios que fizeram uma retomada) que estavam lá em defesa dos fazendeiros. Então, ainda continua a defesa desses parentes (índios) aí, a favor dos fazendeiros, porque no julgamento dos PM’s que assassinaram Gustavo, onde foi para soltar os outros policiais militares que estavam presos. No julgamento, teve na defesa três indígenas a favor dos policiais que foram cooptados pelos latifundiários.
DCO: Então além do movimento de contratar índios para realizar despejos em áreas de retomada em favor de fazendeiros, ainda houve utilização de índios para defender os policiais militares que assassinaram o pequeno Gustavo Pataxó?
PATAXÓ: Essas pessoas que saíram em defesa daqueles policiais militares. Hoje a Funai não gosta que a gente fale, outros líderes não gostam que a gente fale, só por que são indígena? Não é, mas é indígena que está sendo usado pelo outro lado, para poder exterminar também o nosso povo. E hoje esses índios estão maioria infiltrado dentro das aldeias, né? Tem outros que estão a trabalho dos fazendeiros, a serviço de fazendeiros dentro das aldeias e tudo mais. Então nós estamos no campo minado, entendeu? Dentro do nosso próprio território, porque eles conseguem comprar, conseguem manipular outros indígenas para poder ficar contra o seu povo e para poder não ver a luta do seu território ser avançado.
Várias e diversas fazendas com pistoleiro fortemente armado fazendo a guarda de dia e de noite da fazenda e da propriedade com aquela sensação de que nós, povos indígenas, estamos no nosso território e não podemos andar, não podemos circular. Os alunos transitam na estrada para estudar em outra aldeia, em outra comunidade, tem que passar por isso e outros vários constrangimentos. Para que eles estão com essa base de pistoleiros naquela fazenda? Será que é para atacar o nosso povo? Para planejar são contra o nosso povo? Fica a dúvida.
Estão acontecendo diversas ações dentro do nosso território particular de fundiário. Inclusive, drone que sobrevoa a noite a nossa casa, a nossa residência, a nossa aldeia. E a gente fica tentando entender por quê, com que finalidade eles estão colocando esse drone para sobrevoar.
DCO: E a Força Tarefa criada após o assassinato de Gustavo Pataxó, como ela tem atuado?
PATAXÓ: Então, dentro daquela força-tarefa que foi criada está a policial Kelly Ravani. Ela também é testemunha dos policiais que assassinaram Gustavo, além desses três indígenas, e tem outros policiais que saíram em testemunha desses policiais da CAEMA que tiveram aqui para assassinar Gustavo Pataxó. Ela está dentro do grupo, está dentro da força-tarefa, está dentro do sistema ali, você está entendendo? Então, como podemos confiar na justiça e na polícia militar do estado da Bahia se tem várias pessoas envolvidos, vários policiais dentro da Força Tarefa que estavam testemunhando em favor dos PM`s da CAEMA desse caso?
Cara, eu costumo dizer para o pessoal que que aconteceu com Marielle Franco no Rio de Janeiro é muito parecido com o que está acontecendo aqui. Eles conseguiram mudar até juízes federais aqui na nossa região, de Teixeira de Freitas, foi mudado o juiz. Houve outros juízes que foram mudados, o Ministério Público não atua da forma que tinha que atuar mais, hoje a responsabilidade de Salvador. Várias manipulações aqui no extremo sul da Bahia estão sendo feitas com relação à questão do território indígena. Estão sendo tudo comprado e, sabe, é muito dinheiro envolvido e a situação está difícil aqui para a gente, porque a gente se sente encurralado, a gente se sente fragilizado. A gente vê que a justiça não está sendo feita. Cadê os mandantes do crime? Cadê os carros que eles vieram atacar a retomada? Onde foi parar esse carro?
DCO: E as investigações? Tem alguma?
PATAXÓ: Até hoje não se sabe a rota que esses policiais fizeram. Até hoje a Polícia Federal não deu um retorno ainda, e o que fizeram foi soltar os policiais que estavam presos. Foi soltar para poder ficar aí impune e cometer mais assassinatos e intimidar mais lideranças indígenas.
Então não vimos surtir efeito de nada. A justiça está aí, parcial, o Ministério Público, parcial, a Funai, parcial. Fala que está sendo investigado, mas a Polícia Federal, até da nossa região, já saiu. Ela estava aqui na região, a Polícia Federal agora já não está mais na região. Então, a gente vê uma sensação de impunidade mesmo, uma fragilidade e o risco que estamos correndo ao transitar, ao andar na cidade, ao andar na ruas, nas estradas. São vários riscos, não é? Nós sabemos que aqui na região, tanto de Comuruxatiba, Corumbau e Guarani são cercados por câmeras de vigilância. E cadê a Polícia Federal, que não puxou essas informações para investigar o caso, sabe? Então são várias situações em que eles estão deixando para lá, estão deixando passar.
DCO: Os latifundiários e policiais continuam ameaçando?
PATAXÓ: O fazendeiro aqui, o tal do Nem Gomes até hoje não foi exposto. Nenhuma foto dele foi exposta na rede social. Nenhuma foto dos policiais foi exposta. Nenhuma matéria. Hoje o fazendeiro vive impune. Vive aí, ameaçando novamente as aldeias, vive ameaçando de novo o nosso povo sabe, dizendo que os índios podem ser surpreendidos a qualquer momento com a ação de pistolagem deles. Então, está complicado a situação por aqui. Nós vemos o que está acontecendo hoje no país. É o poder da milícia que está crescendo desordenadamente e não vemos a justiça fazer nada. Então nós exigimos também que a Polícia Militar da Bahia use aquelas câmeras de segurança, aquelas câmeras de foto para a gente fazer denúncia, outras coisas mais.
DCO: A Polícia Militar continua perseguindo os índios da região?
PATAXÓ: Ah, meu amigo, é outra coisa. São os policiais, vários policiais, e houve vários casos, entendeu? Eles conseguem ter o contato dos mesmos caras que mataram Gustavo. Eles, por exemplo, fazem uma blitz, ou eles fazem uma operação em algum lugar e pega um índio. Aí eles começam a fazer vários questionamentos, entendeu? Só o exemplo: mais ou menos há dois meses, por aí, os policiais deram a prensa num índio da Aldeia Alegria Nova, que estava num bairro na cidade de Itamaraju. Quando identificaram que ele era da aldeia onde foi assassinado Gustavo Pataxó, bateram nele. E aí, perguntando onde estava a arma, onde se nós tínhamos arma, perguntando se quem foi que atirou nos companheiros dele e tal? E que isso não vai ficar assim. E eles conseguem ligar para os caras e os policiais que assassinaram o Gustavo.
São vários casos em que as operações da polícia são repassadas para outros policiais que estavam envolvidos na pistolagem e no assassinato de índios. Ameaçam, agridem, torturam para obter informações e ligam para os envolvidos. Essa prática é rotineira.
Então assim, eles têm tudo orquestrado. Se eles pegarem uma das lideranças aqui, eles vão assassinar, sabe? A polícia vai assassinar, então está uma situação muito difícil aqui porque os policiais estão soltos, conseguem ter uma visão de tudo. Os policiais militares que estão aqui estão em favor de todos os fazendeiros. Sabe, e as comunidades indígena e a federal hoje não entra na aldeia, não sabe o processo, não sabe nada, sabe, deixa tudo a Bangu. Inclusive, constantemente as lideranças ligam para o delegado da Polícia Federal, ligam para os agentes da polícia federal e não conseguem contato e nem serem atendidos.
E assim a sensação é de abandono mesmo. Para nós que estamos nas retomadas, todas as autoridades abandonam, todo mundo vira as costas, joga, entendeu. Diante da violência e do medo, até as próprias aldeias, parentes não vêm porque já está sabendo de várias informações de que os pistoleiros e policiais vão matar todo mundo, sabe de criança a adulto. E aí as outras aldeias também ficam com muito medo. Então, a situação aqui não está para brincadeira não, companheiros.
DCO: E qual seria a solução na sua opinião?
PATAXÓ: É preciso que a Funai, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Justiça e Ministério Público tenham agilidade no processo de demarcação do território e nos processos contra os policiais e latifundiários nos assassinatos e violência contra os índios Pataxó.
A situação aqui não se resolve com mais polícia ou reuniões, a única maneira é concluir o processo de demarcação, homologação e retirada dos fazendeiros do nosso território.