Com o fim da corrida presidencial russa, que logrou a vitória de Vladimir Putin com esmagadores 87% dos votos, o presidente eleito, numa coletiva de imprensa sobre o resultado da eleição de 2024, declarou que a Rússia poderia ser forçada a criar uma “zona tampão” nos territórios atualmente controlados pelo regime ucraniano.
Tal afirmação não é um raio em céu azul, ao contrário, a questão é discutida desde a guerra civil ucraniana de 2014 e é seriamente considerada, ao menos, a partir de 13 de junho de 2023, quando o presidente Vladimir Putin se reuniu com correspondentes de guerra que cobriam a operação militar especial russa. O presidente russo observou que, se o regime ucraniano continuar com os ataques contra o território russo (como de fato continuou), Moscou consideraria a possibilidade de formar uma “zona sanitária” na Ucrânia por motivos de segurança. Tal “zona sanitária” nada mais é que uma “zona tampão”, como voltou a repetir Putin em sua entrevista pós-vitória eleitoral.
No mesmo dia da coletiva de imprensa presidencial, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, demonstrou que a “zona tampão” era uma saída militar já amadurecida no seio político russo e esclareceu que a medida proposta pelo presidente seria necessária para impedir os contínuos ataques de artilharia e drones do regime de Kiev contra as áreas residenciais e instalações civis da Rússia. Disse Peskov aos repórteres:
“Elas [populações russas] só podem ser protegidas com a criação de um determinado corredor, uma determinada zona tampão, de modo que qualquer meio que o inimigo possa usar para atacar esteja fora de alcance.”
O que Peskov quer dizer aqui por “zona tampão” é uma área sob controle militar russo, que afaste em especial os armamentos pesados (como mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro e peças de artilharia) para que a Ucrânia seja incapaz de atingir o território russo de forma direta.
Os motivos de uma “zona tampão”
Desde 2014, as preocupações russas sobre a capacidade do regime de Kiev (pós-revolução colorida) em atingir o território russo, ou russos no leste ucraniano (no caso de Donetsk e Lugansk), motiva a criação de uma “zona desmilitarizada”. Tal discussão se tornou ainda mais relevante quando a Ucrânia recebeu armamentos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o que expandiu as capacidades militares do país.
Na prática, se estivermos falando de canhões, ou foguetes de artilharia, isso equivale a aproximadamente 40-50 quilômetros de alcance. Os sistemas de artilharia mais comuns usados pelos ucranianos são os obuseiros M777. Eles têm um alcance de 20 a 40 quilômetros, dependendo do tipo de projétil utilizado. Assim como os sistemas Grad, incluindo as versões atualizadas, ou o RM-70 Vampir tcheco, que também têm um alcance de até 40 km. Já o sofisticado projétil guiado Excalibur possui alcance de pouco mais de 40 quilômetros. Ou seja, os russos estão discutindo privar o inimigo da possibilidade de bombardeios maciços das cidades fronteiriças russas, como Belgorod, por exemplo.
No entanto, a zona tampão não impedirá que os ucranianos ataquem o território russo com VANTs e mísseis de longo alcance. A título de exemplo, uma conversa entre o alto oficialato alemão, interceptada pela inteligência russa, expôs os planos de Berlim para usar mísseis Taurus (com alcance de até 500 km) contra a infraestrutura russa.
Tal incapacidade da “zona tampão” em impedir ataques com armamentos desse tipo, somado ao fato da Ucrânia estar recebendo um leque cada vez mais amplo de tais armamentos da OTAN, motiva a Rússia em ampliar cada vez mais essa “zona tampão”. Nesse sentido, qualquer implementação de uma “zona tampão” na Ucrânia requer, também, a rendição (ou grave deterioração) dos armamentos ucranianos de maior alcance.
Diferentes versões da mesma ideia
Ainda em 2014, a Rússia apresentou aos demais participantes do “quarteto da Normandia” a proposta da criação de uma “zona tampão” dentro da estrutura dos Acordos de Minsk de 2014 e 2015 para garantir a segurança dos civis do Donbass em meio ao bombardeio indiscriminado da Ucrânia na região. Vale lembrar que, à época, a Ucrânia ainda não contava com os armamentos de longo alcance que possui atualmente.
No entanto, o regime de Kiev não cumpriu os acordos, enquanto os apoiadores imperialistas da Ucrânia admitiram mais tarde que usaram os Acordos de Minsk como uma pausa operacional para o aumento da força militar ucraniana.
Já em 2023, como foi dito anteriormente, o debate sobre uma “zona tampão” retorna ao conflito. No entanto, após o recebimento de armamentos do imperialismo, se amplia a área designada. Como aponta o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, a linha da “zona sanitária” na Ucrânia deve se estender ao longo das fronteiras de Lvov, dadas as decisões do imperialismo de fornecer a Kiev mísseis de longo alcance. “Essa linha deve passar ao longo das fronteiras de Lvov (Lemberg polonesa) para desempenhar um verdadeiro papel defensivo”, declarou Medvedev em sua conta no Telegram.
Já em 2024, temos o retorno da “zona tampão”, no entanto, como discutido anteriormente, sua efetividade já seria muito diminuída pelas capacidades operacionais ucranianas, impedindo apenas a utilização de armamentos ao nível tático-operacional e empurrando a Federação Russa para além do rio Dniepre e em direção a Kiev.



