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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Reforma Administrativa: o desmonte definitivo do Estado – Parte 2

Continuação da parte 1 do artigo publicado no Diário da Causa Operária de 13/02/2024

A Abrangência da Reforma

A abrangência da Reforma Administrativa, segundo a PEC 32/2020, não deixa pedra sobre pedra, pois se elimina a ideia de Pacto Federativo ao considerar que são atingidos pela Reforma servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário e das três esferas da federação: União, estados e municípios. O normal seria que as respectivas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais decidissem se aderem ou não à Reforma, e não uma definição válida para todos, implantando assim uma hegemonia da União.

Uma “cláusula de escape” é a que assegura que a Reforma só valerá para quem ingressar no setor público a partir da promulgação da Emenda Constitucional. Na verdade, as coisas não funcionariam dessa forma. As mudanças que seriam realizadas mudariam completamente a própria estrutura do Estado e esses funcionários que estão fora da reforma ou seriam coagidos a se integrarem ou seriam cooptados pela Reforma, apesar da falsa promessa de que os direitos e remuneração seriam garantidos. Na época a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa apresentou exatamente a proposta de que os funcionários já existentes também sejam atingidos pela Reforma. 

Um dos maiores escândalos desta Reforma é que a cúpula dos poderes parlamentar e judiciário, assim como das Forças Armadas, seriam preservadas dos efeitos da reforma. Sabe-se que é exatamente aí que se encontram os supersalários completamente imorais em termos éticos, mas também as benesses que transformam esses poderes em verdadeiras castas privilegiadas, completamente indiferentes à defesa dos interesses e necessidades da população. É isso é funcional, porque torna esses mesmos poderes facilmente cooptáveis pelas classes dominantes, sendo que elas estão de corpo presente na maioria dos parlamentos. As alegações do governo de que haveria “vício de iniciativa” poderia servir também contra a adoção da Reforma, de forma compulsória, para Estados e Municípios. 

Os Novos Vínculos Empregatícios 

Um outro grande conjunto de mudanças diz respeito aos vínculos empregatícios que os funcionários poderiam ter. A proposta do governo Bolsonaro criaria cinco vínculos jurídicos em substituição ao atual Regime Jurídico Único (RJU). São eles: 

  • por prazo determinado; 
  • por cargo de liderança e assessoramento; (antigos cargos comissionados) 
  • por tempo indeterminado (via concurso público);
  • por cargo típico de Estado (via concurso público);
  • de experiência (via concurso público). 

O vínculo de experiência seria uma espécie de alternativa ao atual estágio probatório, sendo mais uma etapa do concurso público. Somente os mais bem avaliados no fim do vínculo serão investidos no cargo. 

As chamadas Carreiras de Estado são compostas de servidores que exercem atividades exclusivamente públicas e que são finalísticas, indispensáveis para a existência ou representação do Estado. Compõem o “núcleo duro” do Estado. O governo Bolsonaro se comprometeu a apresentar uma proposta legislativa para delimitar taxativamente tais carreiras 

Para os servidores ocupantes de carreiras típicas de Estado, é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, incluída a acumulação de cargos públicos. A exceção está somente no exercício da docência e atividades regulamentadas na área de saúde. 

 Para os demais servidores, é autorizada a acumulação remunerada de cargos públicos, quando houver compatibilidade de horários e não houver conflito de interesse. 

Os cargos comissionados e funções gratificadas seriam gradativamente extintos para dar lugar aos novos cargos de liderança e assessoramento. Uma parte dos cargos de liderança e assessoramento seria ocupada mediante seleção simplificada. 

 Os cargos estratégicos dos níveis mais altos da administração, como o de secretários, bem como os de assessoramento, deverão ser de livre nomeação e exoneração. Para esses, a seleção simplificada não é requisito obrigatório. 

Dessa composição de tipos de cargos, ainda um esboço que seria melhor definido na segunda fase da Reforma, podemos derivar a estrutura de Estado que se pretende ter. Não existe espaço de autonomia para o funcionário, todos estão vinculados à sua estrutura, e forma-se uma cúpula destacada do resto, as chamadas carreiras de Estado, uma elite privilegiada, que deve ter altos salários, já que não pode acumular empregos. 

Essa elite provavelmente desenvolveria uma grande aproximação com a iniciativa privada, seja ideologicamente, mas também por formas de participação em projetos, ou outras formas de combinação muitas vezes consideradas “corrupção”. Os outros tipos de cargo reforçam a tendência à perda de compromisso com o serviço público, pois há sempre a possibilidade de acumulação de empregos. 

Não se extinguem os cargos comissionados e eles são tornados ainda mais vinculados politicamente a quem os contratou, portanto, sem nenhuma relação com o serviço público. O vínculo por experiência substitui mal o estágio probatório, dada a extensão de prazo para dois anos. Durante este período o funcionário presta lealdade total a quem o contratou, esgarçando ainda mais a identificação destes funcionários com o serviço público. 

Perda de Direitos 

Vão ser grandes a perda de direitos pelos novos funcionários, determinando uma redução significativa de remuneração, principalmente da “massa” do funcionalismo. 

  1. Extinção do anuênio, que é o aumento do salário do servidor em 1% por ano. No governo federal já tinha sido extinto. Agora, não seria permitido também nas outras esferas. 
  2. Extinção da aposentadoria compulsória 
  3. Fica proibida a concessão de reajustes salariais retroativos. 
  4. Nenhum servidor poderá ter férias com mais de 30 dias de duração. 
  5. Servidores não poderão mais incorporar ao salário valores referentes ao exercício temporário de cargos e funções. 
  6. A Licença prêmio, que dava ao servidor três meses de licença a cada cinco anos de trabalho, já havia sido encerrada em âmbito federal. Será totalmente extinta. 
  7. Fica proibida a progressão ou promoção baseada somente no tempo de serviço. 
  8. Fica proibida a redução de jornada sem a consequente redução de salário, exceto por motivo de saúde. 
  9. É vedada a redução da jornada e da remuneração para os cargos típicos de Estado.

A questão da estabilidade

Os redatores da proposta de Reforma afirmaram que, para os atuais servidores, não haverá mudanças. De acordo com a Constituição, só é possível demiti-los em três hipóteses:

  • processo administrativo disciplinar (PAD); 
  • decisão judicial transitada em julgado; 
  • insuficiência de desempenho (prometia-se o encaminhamento de um projeto de lei sobre o tema antes da promulgação da reforma). 

Pode-se imaginar que a questão do desempenho seja uma das molas mestras da reforma, pois introduz no corpo dos funcionários a questão da competição, o que passará a destruir a unidade e solidariedade que caracterizam hoje as relações trabalhistas no interior da categoria. 

De qualquer maneira, a partir da PEC, haverá duas situações distintas: 

 Para ocupantes de carreira de Estado tudo já é definido nesta fase da Reforma. A demissão de tais funcionários se dará:

  • por processo administrativo disciplinar (PAD); 
  • por decisão judicial transitada em julgado ou por decisão colegiada; — por insuficiência de desempenho. 

 Os demais (para os que têm vínculo por tempo indeterminado) sempre haverá a possibilidade de demissão em outras hipóteses previstas em lei a ser aprovada pelo Congresso. 

Não está no corpo da proposta, mas o governo Bolsonaro garantia que nenhum servidor seria desligado por critérios arbitrários ou preferências político-partidárias, independentemente de seu vínculo. Além disso, informa que decisões relacionadas ao desligamento serão colegiadas, isto é, que não sejam tomadas somente por uma pessoa. Já se sabia que essa promessa não seria realmente cumprida, pois o comportamento do Governo Bolsonaro foi sempre de agir de acordo com suas preferências político-partidárias. E, na maioria dos casos de desligamento de funcionários, na cúpula de órgãos (veja-se o caso da Polícia Federal) tem sido sempre por critérios arbitrários. 

Total Autonomia do Governo para mudar a estrutura do Estado 

A PEC altera o artigo 84 da Constituição para conceder total autonomia para o chefe do Executivo alterar o desenho da administração pública, podendo inclusive extinguir órgãos e entidades, como ministérios, autarquias e fundações, sem a necessidade de projeto de lei. Dessa forma, o governo Bolsonaro poderia exercer seu poder autoritário com total liberdade, determinando a gestão da estrutura do Executivo Federal ao seu bel-prazer, desde que isso não implique em aumento de despesa, nem na interrupção ou não cumprimento dos serviços prestados. A criação de órgãos, ou entidades, ou a transformação que implique aumento de despesa continuará dependendo de aprovação pelo Legislativo. 

Dessa forma, fica clara o caráter autoritário desta reforma, pois o Chefe do Executivo teria total intervenção na estrutura do Governo e do Estado, podendo regular como queira a atividade de quaisquer órgãos. Essa proposição era inédita no Brasil, pois o máximo que um presidente poderia fazer antes seria alterar a estrutura dos Ministérios, fundindo-os ou até extinguindo estes órgãos, mesmo assim submetido à aprovação pelo Congresso. 

O substitutivo da Comissão Especial

A Comissão especial da Câmara aprovou o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), à proposta de Emenda à Constituição 32/20 no dia 23/09/2021. O resultado da votação foi de 28 votos a favor e 18 votos contra. O parecer de Arthur Maia incluiu mudanças na avaliação de desempenho de servidores, regras para convênios com empresas privadas e gestão de desempenho. A versão final do substitutivo manteve instrumentos de cooperação com empresas privadas e regras para contratações temporárias. Preservou também os benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias. O relatório também garantiu a estabilidade no emprego e os direitos adquiridos dos servidores contratados antes da reforma.

Para um conhecimento completo sobre as mudanças do substitutivo consulte: https://www.camara.leg.br/noticias/810414-reforma-administrativa-veja-as-diferencas-entre-a-proposta-do-governo-e-o-texto-aprovado-pela-comissao/

Considerações Finais 

Como já se observou, esta é a Reforma mais ditatorial e abusiva que foi proposta pelo Governo Bolsonaro, e como tal foi totalmente rejeitada pela sociedade civil, e não apenas os órgãos representativos dos Funcionários. O que foi aprovado na Comissão Especial acabou por desagradar tanto o governo Bolsonaro como a oposição.

Não tem cabimento a aprovação desta reforma em um Governo progressista como o Governo Lula. Ela significa, de um lado, a total submissão do Estado ao modelo neoliberal periférico, que tantos prejuízos tem trazido para a economia brasileira, pois carece de dinamismo e capacidade para deslanchar o crescimento e desenvolvimento do país. 

Por outro lado, ela é mais adequada a um governante que mostrou “ad nauseam” sua vocação autoritária e seu empenho em subordinar o Brasil aos interesses e ganância do imperialismo estadunidense.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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