Seria preferível que as línguas, principalmente quando as estudamos, fossem uniformes, não existindo nelas tantas exceções e irregularidades. As línguas, embora possam ser sistematizadas, devem ser consideradas enquanto sistemas dinâmicos, por consequência, irregularidades ou exceções fazem parte de sua constituição; dessa maneira, a desinência de gênero, em português, não pode ser reduzida a alternância entre os morfemas “-a” e “-o” no final das palavras. Por isso, vamos descrever, na coluna de hoje, os muitos casos em que isso não acontece.
Sendo a desinência de gênero distinta do sexo e seus significados, há palavras de apenas um gênero, conforme exposto em colunas anteriores; as palavras livro, lápis, papel etc. são do gênero masculino, enquanto as palavras mesa, cadeira, cama etc. são do gênero feminino, não havendo alternância de gênero em nenhuma delas
Embora a desinência de gênero somente possa ser determinada com segurança por meio do artigo, pois há palavras no masculino terminadas em “-a” – o mapa – e palavras femininas terminadas em “-o” – a libido –, há casos, quando há dois gêneros para o mesmo radical, em que há marcas de gênero definidas na terminação da palavra. Os casos são estes:
(1) palavras terminadas em “-o” para masculino e em “-a”, para feminino – menino/menina, gato/gata, ministro/ministra –;
(2) palavras terminadas em “-or” para masculino e em “-ora” para feminino – criador/criadora, professor/professora, tutor/tutora –;
(3) palavras terminadas em “-e” para masculino e em “-a” para feminino – hóspede/hóspeda, mestre/mestra, presidente/presidenta –. Nesse item, convém não generalizar, pois há palavras terminadas em “-e” não alternando para “-a” no feminino; em estudante ou cliente, o feminino é igual, mudando apenas o artigo – o estudante/a estudante, o cliente/a cliente –;
(4) palavras terminadas em “-ão” para o masculino e em “-ao”, “-ona” ou “-ã” para o feminino – leão/leoa, patrão/patroa, solteirão/solteirona, gatão/gatona, irmão/irmã, cortesão/cortesã –;
(5) palavras terminadas em “-es”, “-l” ou “-z” para o masculino e em “-a” para o feminino – burguês/burguesa, juiz/juíza, bacharel/bacharela –;
(6) há ainda terminações sempre femininas, tais quais “-isa”, “-esa” e “-essa” – poetisa, marquesa, condessa –.
Deve-se lembrar, ainda, de haver o gênero comum-de-dois e o gênero epiceno:
(7) o gênero comum-de-dois é o caso já estudado na observação anterior sobre o estudante/a estudante e o cliente/a cliente; são comuns-de-dois aqueles substantivos cuja alternância entre os gêneros masculino e o feminino se dá apenas no artigo, de modo a palavra permanecer a mesma nos dois gêneros – o rival/a rival, o democrata/a democrata, o selvagem/a selvagem –.
(8) os epicenos são os substantivos cujo gênero se marca na alternância entre os adjetivos macho e fêmea colocados depois do substantivo, sendo, geralmente, nomes de animais – cobra macho/cobra fêmea, borboleta macho/borboleta fêmea –.
(9) quando se estudou morfologia na coluna anterior de língua portuguesa, lembramos de haver o gênero marcado no radical, feito em boi/vaca, cavalo/égua, bode/cabra, os quais são chamados heterônimos.
(10) vale lembrar, também, de haver os substantivos sobrecomuns, quer dizer, os substantivos os quais, embora designando seres sexuados, não marcam distinção de gênero na palavra no radical nem na terminação; tais palavras possuem apenas um gênero comum tanto para o sexo feminino quanto para o sexo masculino – a criança, a vítima, o apóstolo, o carrasco –.
(11) há palavras em que a mudança do gênero modifica o sentido da palavra toda; na oposição a polícia/o polícia, no primeiro caso, temos o sentido de corporação policial e, no segundo, temos a designação de um membro da corporação.
Por fim, é correto dizer “a personagem” ou “o personagem”? Ambas estão corretas, pois há algumas palavras cujo gênero não está fixado em português.
(as ilustrações desta coluna são poemas visuais de Fernando Aguiar)