No artigo Ataque de Musk é apito para a matilha fascista brasileira e internacional, publicado pelo Brasil 247, Jeferson Miola, ao criticar o empresário Elon Musk por ter vazado mensagens que comprovam a atuação ilegal do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “replicaram freneticamente o tuíte de Musk e renovaram o repertório de ataques ao STF, às instituições, assim como as denúncias sobre a suposta ‘ditadura do sistema’ no Brasil”.
Antes de tudo, é preciso destacar o óbvio. Em um embate entre alguém que está denunciando uma ditadura no Brasil e um dos representantes dessa ditadura, Miola sai na defesa dos ditadores! É surreal.
Mas a coisa toda fica pior. Miola poderia dizer que está ao lado dos ditadores brasileiros porque o empresário sul-africano seria um inimigo pior. Poderia argumentar que, apesar de os tribunais brasileiros atuarem sob um regime de exceção, é melhor se submeter a eles porque eles seriam um aliado contra um inimigo pior. Também seria uma tese errada, mas, ao menos, seria mais honesto.
O que o jornalista faz aqui, no entanto, é negar a ditadura. Ao chamar o funcionamento do TSE e do STF de “suposta ditadura do sistema”, Miola está dizendo que os bolsonaristas não teriam razão alguma para criticar os tribunais brasileiros. Está, na verdade, debochando, como quem diz que acreditar em tal coisa fosse algo realmente fora do comum.
Em seu esforço para defender um inimigo político, que é o STF, capitulando vergonhosamente diante dele, Miola acaba por renunciar alguns dos princípios mais importantes da esquerda. Que o Estado brasileiro é uma ditadura, não é uma especulação, não é uma “teoria da conspiração”. O Estado brasileiro é um Estado burguês – por definição, uma ditadura dos poderosos contra a esmagadora maioria da população.
O que haveria de absurdo em acreditar que o Brasil vive sob ditadura? Por acaso centenas de greves não são frustradas todos os anos porque o Estado, agindo à margem da Constituição Federal, as torna ilegais? Por acaso milhares e milhares de pessoas não morrem nas cadeias todos os anos por cometer o “crime” de ser pobre e não ter condições de pagar um advogado que garanta que seus direitos são respeitados? Por acaso milhões de pessoas não passam fome simplesmente porque meia dúzia de banqueiros impedem que o Estado invista na geração de empregos?
Ridicularizar a ideia de que as instituições do Estado agem de forma ditatorial é abraçar o próprio Estado, é abraçar o inimigo.
Para entender que o STF e o TSE são inimigos do povo brasileiro e que eles de fato exercem uma ditadura, não é preciso recorrer a exemplos muito distantes. Há seis anos, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso sem que seus inimigos comprovassem a prática de qualquer crime. E por quê? Houve alguma “falha técnica”? Não, porque o Estado conspirou contra ele. Porque a 13ª Vara de Curitiba conspirou contra ele, porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região conspirou contra ele e porque o STF conspirou contra ele. Por fim, o TSE também conspirou contra ele ao impedir que se candidatasse naquele ano.
Há ou não há um “sistema” perverso que conspira contra os cidadãos? Esse sistema pode ou não pode ser definido como uma “ditadura”?
Para criticar o vazamento de Elon Musk, Jeferson Miola se apega ao fato de que o dono do X (antigo Twitter) é um bilionário. Mais que isso, é uma pessoa de direita, que assumidamente esteve envolvida no golpe militar na Bolívia em 2019. Mas e daí? Tornam suas acusações falsas? A esquerda não deveria protestar contra todas as vezes que as arbitrariedades do Estado forem reveladas?
É ponto pacífico que uma das coisas que contribuiu para que Lula, no caso supracitado, derrotasse o Estado e saísse da prisão, foi a Vaza Jato – o vazamento de conversas entre autoridades da operação Lava Jato. Mas quem as vazou? Até hoje, ninguém sabe.
Quem apresentou as mensagens à imprensa foi Glenn Greenwald, um jornalista liberal, mas que, de acordo com os critérios de Miola, provavelmente não deveria ser levado a sério, uma vez que ele defende a liberdade de expressão – o que, para Miola, certamente é algo que só “extremistas” defendem. Mas quem vazou as informações para Greenwald?
Até hoje, não foi esclarecido. De maneira muito suspeita, apareceu a versão de que um hacker chamado Walter Delgatti Neto, sobre quem ninguém sabe muita coisa, teria sido o responsável pelo vazamento. Pouco tempo depois, Delgatti apareceria junto a aliados de Bolsonaro, como a deputada federal Carla Zambelli.
Se acreditássemos que Delgatti realmente é o responsável por uma operação complexa como esse vazamento, também teríamos que nos insurgir contra a Vaza Jato. Afinal de contas, a fonte é um direitista que estaria alegando haver uma “suposta ditadura do sistema”.
Para se opor ao vazamento de Musk, a esquerda também teria que se opor à Vaza Jato. É preciso se definir. Ou a esquerda se dedica a lutar contra o Estado, que é um balcão de negócios dos poderosos contra a população, ou será um apêndice deste.