Há pouco mais de quatro meses das eleições municipais no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta uma séria crise interna por conta das políticas de aliança erráticas adotadas pela Direção do partido. Um dos mais destacados parlamentares petistas, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), antecipa o problema enfrentado pela aliança entre seu partido e o PSB, que, em Curitiba, deve lançar o também deputado federal Luciano Ducci (PSB) para disputar a prefeitura da capital paranaense. “Ducci nunca foi nosso aliado”, disse Dirceu, que segundo o jornal golpista O Globo luta nas instâncias da agremiação para reverter a decisão de apoiá-lo (Insatisfeitos com alianças definidas pela direção nacional, petistas ensaiam apoio informal ao PSOL em quatro capitais, Luísa Marzullo, 10/6/2024).
Quando o debate começou a ser feito, o colunista Anísio Garcez Homem publicou um artigo na seção paranaense do sítio Brasil de Fato lembrando o passado recente da suposta candidatura dedicada à “construção de um projeto político alternativo ao bolsonarismo” para “frear o lavajatismo na política e vencer o ratismo no Paraná”, conforme as palavras do presidente estadual do PT e deputado estadual Arilson Chiorato:
“Luciano Ducci que, enquanto deputado federal, votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff, apoiou Temer e Bolsonaro e recentemente ajudou a derrubar o veto de Lula ao marco temporal que abre as portas para legitimar e aumentar a grilagem de terras indígenas. Isso, sem contar sua atuação em favor das elites econômicas enquanto foi prefeito de Curitiba” (Um verdadeiro debate ou deixando Ducci nas sombras?, 29/2/2024).
Temos o mesmo problema na cidade do Recife, onde o atual prefeito João Campos, também do PSB, é favorito à reeleição e anunciou que não terá o PT em sua chapa. O maior partido da esquerda brasileira, entretanto, reafirmou a posição de apoiá-lo, “mesmo se não emplacar um vice na chapa do mandatário”, informou o sítio da CNN Brasil (Por 2026, PT fica com João Campos mesmo se não emplacar vice no Recife, Henrique Sales Barros, 20/4/2024). “Nossa posição estratégica é olhar para a frente”, disse à mesma reportagem Cirilo Mota, presidente do PT na capital pernambucana, insinuando que a derrota seria um recuo da sigla com objetivo de uma vitória maior em 2026, quando, supostamente, pleiteará o governo do estado.
O ex-prefeito e atual deputado estadual João Paulo, no entanto, aponta o problema que a tática causa na base petista: “a base mais à esquerda não vota no João Campos. Acho que ele terá o apoio oficial, mas a tendência é a base migrar para o PSOL” (O Globo). O cenário descrito por João Paulo não é uma novidade na capital nordestina.
Em 2022, o partido apoiou o ex-deputado federal pelo PSB Danilo Cabral ao Palácio do Campo das Princesas (sede do governo de Pernambuco), provocando uma rebelião entre as bases petistas, que atropelaram a orientação da Direção do partido e se engajaram na campanha da ex-petista e atualmente no Solidariedade, Marília Arraes.
À época, a crise atingiu uma proporção que obrigou o partido a expulsar 11 quadros petistas, entre eles, a vereadora Fany das Manas, da cidade de Garanhuns, que fez campanha aberta pela candidatura de Arraes. Aproveitando-se da crise, o prefeito George Cavalcante de Orocó, também colocou-se na defesa de outra candidatura de nada menos do que o União Brasil.
À CNN Brasil, o então presidente do PT-PE e deputado estadual Doriel Barros, declarou que a expulsão se deu porque as lideranças “se desalinharam do direcionamento do partido para as majoritárias” ao se oporem à candidatura do PSB no estado. Para este ano, a perspectiva é de que o fenômeno se reproduza novamente, com outra candidatura mais identificada com a esquerda e os anseios da base petista, que segundo O Globo, seria liderada pelo PSOL, o principal defensor da Lava Jato na esquerda nacional, mas que ao contrário do falido PSB, ainda consegue manter um verniz esquerdista.
Segunda maior cidade do País, o Rio de Janeiro é outro lugar onde a falta de critérios e o oportunismo rasteiro provoca uma cisão. Na capital fluminense, o PT se encaminha para apoiar o direitista Eduardo Paes (PSD), levando quadros importantes como o deputado federal petista Lindbergh Farias a antecipar apoio a outra candidatura, do também deputado federal psolista Tarcísio Motta, que aproveitou para capitalizar a crise interna que vive o PT: “se nem a vice Eduardo quer dar para o PT, ele mostra que a candidatura não é de esquerda”.
Finalmente, em Salvador, o vice-governador Geraldo Júnior (MDB) é apoiado pelo governador Jerônimo Rodrigues (PT) para disputar a capital baiana contra o atual prefeito Bruno Reis (União Brasil). Embora apoiado também pelo senador petista Jaques Wagner e o ministro da Casa Civil Rui Costa, a candidatura do partido golpista enfrenta forte resistência da base petista, que a exemplo do que ocorre nas outras cidades, ameaça reproduzir o fenômeno “Danilo Cabral” em terras soteropolitanas. Ao Globo, o candidato do MDB reconhece a dificuldade enfrentada pela sua candidatura em relação à militância do maior partido da esquerda brasileira que, desde 2007, governa o estado nordestino – também lá, com o PSOL faturando em cima da crise interna do PT. Além da agremiação golpista a que pertence, pesa contra o candidato apoiado pela Direção petista o fato de Geraldo Júnior ser um notório bolsonarista, tendo inclusive gravado vídeo ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a quem chama de “amigo”.
A política capituladora do PT é um reflexo direto da situação adversa enfrentada pelo governo Lula. Com o Executivo emparedado, o PT aposta na tática burguesa de entrega de cargos para acalmar a oposição, o que dá certo para a direita, mas nunca funcionou e nem funcionará para a esquerda. A política adotada termina, no mínimo, com o governo sendo desmoralizado por emendas parlamentares e votações ruins.
Em outra frente do mesmo problema, o partido vai também diminuindo, com Prefeituras importantes entregues à direita, muitas das quais em localidades em que o partido teria uma grande chance de emplacar correligionários. Ao optar por não enfrentar o problema, terminam por fortalecer a direita, enfraquecendo a própria organização e, também, a mobilização popular criada para impor a presidência de Lula em 2022, aumentando, com isso, a força daqueles que querem derrubá-lo.