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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Por trás da ‘retumbante’ vitória do MORENA no México

"Morena ganhou as eleições, mas temos de ser claros: este governo não garante nada. Não é possível confiar em uma frente política tão heterogênea"

No dia três de junho, as manchetes dos meios de comunicação internacionais reproduziam frases como “vitória retumbante”, “Obrador esmaga oposição” , “Morena faz maioria no governo e no Congresso”. A grande votação da primeira Mulher eleita presidenta no México, Claudia Sheinbaum, era interpretada como a vitória da esquerda no México. O tom da manchete do New York Times era de crítica típica da direita: “Os esquerdistas mexicanos ganharam muito. Os investidores estão preocupados”. Para o jornal, o mais importante era a queda da bolsa e a subida do dólar e não a vitória de uma candidata de “esquerdista” numa eleição presidencial da qual não participaram nem genocidas, nem criminosos vulgares como na próxima eleição norte-americana. Uma maioria parlamentar que possibilite o MORENA concretizar reformas progressistas é, na verdade, a maior preocupação desse porta-voz do imperialismo norte-americano.

A candidata a presidente, Claudia Sheinbaum, da Coalición Sigamos Haciendo Historia (Morena, PT y Verde Ecologista), obteve 33.226.602 votos, 59,35% do total. Xóchitl Gálvez, da Coalición Fuerza y Corazón pelo México (PRI-PAN-PRD) (direita), recebeu 15.620.726 votos, 27,9%. Finalmente, por Jorge Álvarez Máynez, do Movimiento Ciudadano, votaram 5.832.105 pessoas, 10,41% do total de eleitores.

Esses resultados quebram pelo menos dois recordes históricos: Sheinbaum não será apenas a primeira mulher a presidir o México, mas também a presidente mais votada da história recente do país, obtendo 6 pontos e 5 milhões de votos a mais do que os obtidos pelo próprio Andrés Manuel López Obrador em 2018. A candidata de esquerda Clara Brugada, natural do movimento social, também venceu na Cidade do México, Capital Federal, por uma margem confortável, obtendo um 51% dos votos, contra os 39% conquistados por Santiago Taboada, do PRI-PAN-PRD. 

Em termos regionais dos governos de 8 Estados, o Morena e seus aliados manterão os 5 que já lideravam, em alguns casos com maiorias esmagadoras, como em Chiapas, com 79% % dos votos, ou em Tabasco, o Estado de Andrés Manuel López Obrador, com 80%. Prevalece a coalizão de governo também em Yucatán, reduto histórico do PAN, e também o Estado de Jalisco, governado até agora pelo Movimiento Ciudadano. Com estes resultados, o Morena e seus aliados controlarão pelo menos 24 dos 32 estados. 

Também no parlamento, os partidos da Quarta Transformação (4T) já garantiram uma maioria qualificada de dois terços na Câmara dos Deputados, ultrapassando o patamar de 334 cadeiras necessárias. No Senado, 85 das 128 cadeiras são necessárias para alcançar o mesmo objetivo. O partido anunciou em 09/06/24 que havia obtido a maioria necessária para implementar as reformas defendidas pelo governo como a Quarta Transformação. 

A maioria qualificada em ambas as câmaras é necessária para que o governo realize as 20 reformas já propostas pelo Presidente Lopez Obrador (1) e que haviam sido rejeitadas no Congresso ou vetadas pela Justiça. Estas reformas incluem o sistema político e o judiciário, buscam proporcionar aumentos reais, nos salários e pretendem ampliar as medidas de proteção ambiental, bem como o reconhecimento dos povos indígenas e afro-mexicanos, tradicionalmente adiadas e discriminadas pelo Estado.

Resultados da Câmara – Número de Deputados por Partido/Coligação

  • Partido de Ação Nacional: 3
  • Movimiento Ciudaddano: 1
  • MORENA: 37
  • Coligação PRI PAN PRD: 39
  • Coligação PV PT MORENA: 219
  • Independentes: 1
  • Total: 300

Resultados do Senado – Número de Senadores por Partido/Coligação

  • Partido Verde: 1
  • MORENA: 10
  • Coligação PRI PAN PRD: 2
  • Coligação PV PT MORENA: 19
  • Total: 32

A esses números serão adicionados deputados e senadores 

pelo sistema proporcional cujo cálculo será feito pelo órgão eleitoral. 

O que está por trás da ampla votação do Morena

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que os resultados eleitorais são uma forma enviesada de analisar a vontade popular, já que ela está totalmente imersa na ideologia liberal burguesa. No México, como em qualquer outro lugar, as eleições são previamente organizadas com base em uma série de acordos entre grupos de poder burgueses nacionais e internacionais. Nos Estados Unidos , por exemplo, as eleições são tão determinadas pelos setores dominantes da burguesia imperialista que no final só aparecem dois ou três nomes na cédula de votação. Para se ganhar a eleição é preciso obter um financiamento de enormes somas de dinheiro, compra de espaço na mídia, obtenção de informações privilegiadas e uma vasta operação logística, principalmente em países cujo território é muito grande como é o caso do México. Estas ferramentas estão fora do meio ambiente em que operam as organizações populares, e menos ainda daquelas que estão em conflito aberto com os setores burgueses.

Em geral, os trabalhadores são obrigados a optar por um dos blocos políticos organizados pela burguesia, o que faz que a disputa eleitoral não interfira diretamente na arena de enfrentamento da luta de classes. A questão que se colocou nestas eleições no México, do embate entre o bloco reformista liderado por Lopez Obrador e os setores burgueses mais conservadores é um exemplo deste cenário. Embora algumas propostas de reformas interessem à classe operária, como a questão da elevação dos níveis salariais, o apoio dado pela maioria do povo mexicano a estas propostas é uma condição necessária, mas não suficiente para que elas sejam implementadas. As mudanças estruturais que atendam aos interesses dos trabalhadores não são viáveis no quadro da dominação imperialista que é imposta ao México pelo seu vizinho, os EUA. Como diz o ditado: tão perto do diabo e tão longe de Deus. 

O imperialismo no México

Desde muito cedo o México conheceu a violência e a brutalidade do imperialismo norte-americano, que lhe roubou uma grande parte de seu território e que hoje são os estados mais ricos e produtivos dos EUA devido às suas riquezas naturais. A guerra aconteceu entre 1846 e 1848 e o México perdeu cerca de 40% do seu território.

O México suspendeu os pagamentos de juros da dívida externa com as potências estrangeiras da França, Reino Unido e Espanha, que uniram esforços para retomar os pagamentos invadindo militarmente o país. O conflito se deu entre 1862 e1867 e o México resistiu à invasão do exército francês de Napoleão III, apesar do apoio dado aos estrangeiros pela burguesia local.

O Estado mexicano é laico, há um sistema público de ensino onde os valores liberais e republicanos são exaltados. Dessa forma, o México não é tão sensível aos truques da direita como o tentado no final da campanha por Xóchitl Gálvez, candidato da oposição, que afirmou ser o candidato de Deus. 

A Revolução Mexicana, onde grandes exércitos populares liderados por Emiliano Zapata e Pancho Villa lutaram contra a ditadura oligárquica e consegui implantar algumas reformas importantes, como a estatização os recursos naturais, particularmente o petróleo e uma reforma agrária que, no entanto, não afetou o poder dos latifundiários e do capital. Um grupo de intelectuais e militares conservadores acabou controlando o poder e reivindicou para si o prestígio de ter liderado uma revolução social que acabou por trazer justiça e democracia para o país. Com isso, se implantou- a quimera do governo do Revolução Mexicana, que se tornou um governo com um discurso alinhado à social-democracia no plano internacional, mas que se destacou internamente por assassinar e reprimir ativistas sociais e a esquerda revolucionária do país.

Foi a partir desse governo que se criou o Partido Revolucionário Institucional , o PRI que dominou o país por décadas, com uma retórica liberal e nacionalista e com conotação social-democrata. Junto com Cuauhtémoc Cárdenas ali estava Andrés Manuel López Obrador, o AMLO.

Dessa forma, a maioria dos membros do partido MORENA (Movimento de Regeneração Nacional) têm origem no PRI e não na esquerda socialista ou comunista. Eles se baseiam na tradição do ex-presidente Lázaro Cárdenas del Río, que realizou as grandes transformações e por isso ganhou muito apoio popular e que foi muito útil para dar legitimidade a todas as medidas antipopulares que foram assumidas pelos governos do PRI após a exclusão de Lázaro Cárdenas, cujo programa de reformas foi abandonado. 

Uma parte dos quadros da MORENA vem de um setor da esquerda no México que já foi ativa em partidos ou organizações de ideologia socialista, mas que capitularam argumentando que a luta histórica contra o capitalismo não tinha mais viabilidade. Sheinbaum, a candidata recém-eleita, ao contrário de López Obrador, não vem do PRI, mas do PRD (Partido da Revolução Democrática), que se julgava a única esquerda possível no México, tecida a partir da aliança entre antigos membros do PRI e personagens da ideologia socialista em busca de uma base política. Sheinbaum fez parte de um movimento estudantil universitário que defendeu o ensino superior gratuito em 1986-1987, e se juntou à coalizão eleitoral da PRD com Cuauhtémoc Cárdenas (filho de Lázaro Cárdenas e ex-governador do PRI no estado de Michoacán) à frente. Por razões eleitorais, de apoio à campanha de Cuauhtémoc Cárdenas à Presidência em2000, voltou-se contra o movimento estudantil de 1999-2000.

O MORENA (Movimento Nacional de Regeneração) nasceu como uma edição do PRD convocado diretamente por López Obrador, rompendo definitivamente com um grupo que assumiu os seus órgãos sociais, excluindo o seus principais ideólogos e fundadores. De lá para cá o MORENA cresceu 

MORENA tem crescido nos últimos anos, incorporando membros e grupos em suas fileiras políticos locais e regionais que tenham pertencido ao PRI, ao PAN ou ao PRD, sem ter uma ideologia de esquerda, com um pragmatismo eleitoral com ambições financeiras. Tentam monopolizar os cargos públicos e distribuir favores e procedimentos conforme sua conveniência política. Há, também, grupos ligados ao crime organizado e profundamente corruptos, e o MORENA agrupa todos com o objetivo de continuar ganhando eleições, galgando cargos em todas esferas de poder culminando com a presidência do república.

Muitos desses grupos são oligárquicos locais e são historicamente inimigos de grupos independentes de luta popular, ou seja, são inimigos históricos do sindicalismo independente, da luta popular estudantil, dos conselhos camponeses e indígenas etc.

O resultado das eleições exige que Sheinbaum e seu partido se coloquem diante da necessidade de retribuir os apoios obtidos. Até agora houve a conciliação com as burguesias nacional e imperialista, e a garantia de que não haverá guinada à esquerda em relação às políticas implementadas

O modelo capitalista mexicano

O México é um país cuja economia é típica de um capitalismo dependente e secundário exportador e com algumas áreas do país que ainda são exportadores primários, integrado como nenhum outro na economia dos Estados Unidos 

A burguesia mexicana é totalmente subordinada aos EUA e tem preferido historicamente estar vinculada ao comércio com este país ao invés de tentar criar um mercado interno ou formar um bloco comercial com a América Latina

É por isso que nem Trump nem Biden acharam necessário enfrentar o governo López Obrador, porque sabem que, na história da política mexicana, é uma exigência que o presidente do México se apresente discursivamente uma certa independência diante de Washington. O México sempre foi e continua a ser um aliado global dos Estados Unidos e a nível comercial faz parte do bloco norte-americano, o chamado acordo de Nafta. Dessa forma, nem López Obrador ou Sheinbaum se propõem a se unir aos Brics e muito menos se aproximar da China.

Nesse caso, pode-se esperar que, em alguns aspectos, a politica externa mexicana se aproxime de uma agenda multipolar, mas dentro das coordenadas estabelecidas.

A maioria dos problemas sofridos pela classe trabalhadora mexicana, são o resultado de questões estruturais que têm a ver com esse tipo de economia dependente e exportadora. Até mesmo o narcotráfico não é enfrentado pelas autoridades mexicanas, assim como a precariedade laboral, a pobreza, a depredação ambiental, bem como a formas específicas pelas quais os fatores macroeconômicos são negativamente combinados com situações locais. Estas questões só serão resolvidas se houver um confronto mais aberto e mais direto contra o governo dos EUA e a burguesia local.

Na política econômica, até agora, o 4 T não se comprometeu a aumentar impostos sobre grandes empresários, nem para privar o Banco (Central) do México de autonomia, nem para modificar a política para os trabalhadores assalariados, nem a camponeses pobres do país. Não é de se esperar que o governo eleito tome alguma iniciativa para quebrar o Acordo de Comércio Americano (USMCA-NAFTA), nem para que haja uma reforma agrária, nem para que tenham mudanças substanciais nas relações capital-trabalho. O programa de reformas do governo, mesmo assim, é confrontado pelo imperialismo que não quer nenhuma mudança, mesmo as superficiais. Diante da pressão, a candidata dita esquerdista se apressou em se entender com o FMI, a OCDE e o Banco Mundial, certamente para assegurar que nada será mudado.

Morena ganhou as eleições, mas temos de ser claros: este governo não garante nada. Não é possível confiar em uma frente política tão heterogênea. A única saída é a classe operária confiar em suas próprias forças, na sua luta para acabar com os flagelos do capitalismo dependente mexicano.

(1) Consulte as 20 reformas constitucionais propostas pelo MORENA no endereço: https://cnnespanol.cnn.com/2024/06/08/reformas-constitucionales-amlo-orix/

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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