No domingo (31), aconteceram as eleições municipais da Turquia. Elas havia se transformado, da mesma forma que no Brasil, em disputas nacionais envolvendo o presidente, Recep Erdogan, e a oposição. A grande disputa se deu nas duas principais cidades, Istambul, uma gigantesca metrópole bicontinental, e a capital Ancara. O resultado não foi bom para Erdogan, que venceu as eleições presidenciais em 2023: seu partido perdeu em ambas as cidades. É uma derrota do presidente que governa o país há 21 anos e ela pode ter mais de um motivo.
O Partido da Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan, é o maior do país com a maior bancada no Parlamento. O PJD lançou Mura Kurum para a prefeitura de Istambul. A oposição lançou Ekrem Imamoğlu, do Partido Republicano do Povo. O mesmo partido que lançou o candidato Kemal Kılıçdaroğlu à presidência em 2023 e foi derrotado.
Aqui, é preciso lembrar que, em 2023 o imperialismo realizou uma gigantesca campanha contra Erdogan. O PRP, portanto, foi muito apoiado pelos governos imperialistas. Erdogan, naquele momento, venceu com uma margem de 2% no segundo turno. Mas, agora, no quesito local, não teve o mesmo êxito. Em Ancara, o candidato de Erdogan, Turgu Altino, recebeu 31.69% dos votos. Já o candidato da oposição recebeu 60,35%.
Em Istambul, Imamoğlu derrotou Murat Kurum por 12 pontos percentuais na corrida, conquistando 51% dos votos, segundo a Anadolu, agência estatal de notícias. Foi a maior margem de vitória para um prefeito de Istambul em quatro décadas.
O PRP também estava à frente em Izmir, a terceira maior cidade da Turquia, e em Antalya, onde os apoiadores do partido saíram às ruas. Os resultados até indicaram que algumas cidades tradicionais do PJD estavam em risco de serem conquistadas pelo PRP.
Até o fechamento desta edição, segundo o chefe do Conselho Superior de Eleições, Ahmet Yener, o PRP era líder em 35 cidades, enquanto o PJD conquistou apenas 24 cidades, com 99,9% das cédulas contadas. É uma posição muito ruim para quem está na presidência. Ele perdeu todas as principais cidades do país apenas um ano após ser eleito presidente. É uma demonstração muito grande de fraqueza, que será aproveitada pela oposição.
Com os resultados, Erdogan fez um discurso assumindo a derrota: “infelizmente, não conseguimos obter o resultado que queríamos, que esperávamos, nas eleições locais“, disse ele. “Em hipótese alguma desrespeitaremos a decisão de nosso povo… Que este capítulo eleitoral, que tem cansado nossa nação, nosso povo e nossa economia no último ano, esteja encerrado a partir de hoje é, por si só, uma vitória“.
O jornal turco Zaman já tentou interpretar o resultado de forma mais positiva. Ele observou que, apesar das perdas sofridas pelo PJD em comparação a 2019 nas principais cidades como Istambul, Ancara e Antália; ele conseguiu manter a imagem do partido que detém a maioria das prefeituras, com 15 grandes cidades, 24 cidades menores e 535 distritos, obtendo um total de 44,33% dos votos nessas eleições. Outro destaque foi a queda na participação, a Comissão Eleitoral Suprema relatou uma queda para 78,11%, após ter atingido 84,66% nas eleições de 2019.
Quem é Imamoğlu?
Após as eleições, a figura de Imamoğlu parece a única que pode competir com o atual presidente da Turquia. Ele foi eleito prefeito de Istambul – o centro econômico e a maior cidade da Turquia, com 16 milhões de habitantes – em 2019, encerrando 25 anos de governo do PJD. Ele não segue a linha islâmica de Erdogan, é um secular. Estudou administração de empresas na Universidade de Istambul, formando-se em 1994, o mesmo ano em que Erdogan se tornou prefeito, antes de entrar no negócio de construção de sua família.
Em 2022, Imamoğlu foi condenado a dois anos e sete meses de prisão e proibido de exercer atividades políticas sob acusações de insultar o Conselho Superior Eleitoral da Turquia. Ele recorreu do caso, mas o tribunal de apelações ainda não emitiu uma decisão.
As acusações surgiram da primeira vitória de Imamoğlu como prefeito. O PJD afirmou que houve irregularidades na eleição, ela de fato foi anulada e o povo foi novamente as urnas. Imamoğlu venceu pela segunda vez consecutiva e ainda taxou todo o processo de uma grande tolice. O que é estranho é que Imamoğlu já deveria ser naturalmente o candidato da oposição em 2023, mas isso não aconteceu.
Aqui se iniciam as especulações. O imperialismo apoiou o PRP em 2023, mas nessas eleições, a campanha não parece ter sido tão forte. Uma grande mudança também foi a situação em relação à Palestina, que não está sendo considerada em quase nenhuma análise.
Erdogan falou muito sobre a defesa da Palestina, mas a Turquia segue sendo um dos grandes parceiros econômicos de “Israel”. E isso acontece enquanto o governo não toma nenhuma medida concreta para defender os palestinos. Ou seja, é muito capaz que a falta de apoio à causa mais popular do Oriente Médio tenha feito Erdogan perder o apoio necessário para ter um melhor resultado nas eleições.
Mas ainda é preciso esperar e analisar as reações de cada força política para se tirar conclusões mais bem acabadas sobre o processo eleitoral turco.