Em artigo publicado no Esquerda Diário, do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores, reproduzindo a posição da organização espanhola Corrente Revolucionária de Trabalhadores e Trabalhadoras (CRT) acerca das eleições para o parlamento europeu, somos reintroduzidos à tese do “nem nem” sobre a guerra da Ucrânia: “desde o início da reacionária invasão russa na Ucrânia, no marco de um clima profundamente reacionário, o conjunto do espectro político europeu se localizou no campo da OTAN e do militarismo imperialista, enquanto o restante – nostálgico do passado stalinista da URSS – se posiciona no campo de defesa do regime reacionário de Putin”.
Isto é, segundo o MRT, a esquerda deveria tanto se opor ao exército do imperialismo na Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), quanto a um dos principais países em contradição com o imperialismo, a Rússia. Afinal, defender a Rússia contra os nazistas ucranianos seria algo “nostálgico”, ainda que a ação da Rússia tenha sido justamente para impedir que a OTAN estabelecesse na região um perigosíssimo posto militar contra o país.
Em abstrato, não haveria o que discutir diante de um conflito entre o imperialismo em um país atrasado. Ainda mais para o MRT, que se reivindica trotskista, uma vez que, no Programa de Transição, Leon Trótski estabelece claramente que os revolucionários deveriam apoiar o país atrasado em conflitos dessa natureza. Do ponto de vista concreto, a posição do MRT é ainda mais ridícula porque a invasão da Ucrânia é o exato oposto de algo “reacionário”: é uma ação profundamente progressista, uma vez que encorajou povos de todo o mundo a também pegar em armas contra o imperialismo.
Essa posição, ainda que ridícula, não é novidade. Já foi propagada diversas vezes pelo próprio MRT e por outros agrupamentos. O que chama a atenção particularmente nesta matéria, no entanto, é a discussão sobre o militarismo.
Segundo o MRT, ” a reacionária invasão russa na Ucrânia tem servido de desculpa para o crescimento descomunal do militarismo da OTAN”. Ou seja, a expansão da OTAN não seria uma necessidade para o imperialismo. Seria algo artificial, algo irracional, que, sabe-se lá por quê, estaria acontecendo. Não seria uma reação à ação na Ucrânia, mas simplesmente um evento independente que teria utilizado a operação militar russa como “desculpa”.
Não é difícil entender por que o MRT chega a essa formulação. Se a ação russa é “reacionária”, ela não seria contra o imperialismo. E, portanto, a expansão da OTAN não seria uma reação, mas mera desculpa.
Acontece que isso só faz sentido na cabeça dos redatores do Esquerda Diário. A realidade é que a operação militar na Ucrânia escancarou a fragilidade do imperialismo. Os norte-americanos, japoneses e europeus estão perdendo a sua capacidade de dominar pela força. Vem daí a necessidade do “militarismo”. Isto é, trata-se de uma reação à crise política.
Não é uma escolha do imperialismo. Não é uma questão ideológica. Até porque o investimento na área militar não é algo tão simples para um país imperialista. O aumento nesses investimentos ocasiona, inevitavelmente, cortes em questões sociais, o que acaba por aumentar a crise com a própria população. Além disso, a necessidade de aumentar o efetivo militar também gera crises de outra natureza, como está sendo vista hoje entre os países europeus e os Estados Unidos em relação à ditadura da OTAN sobre os primeiros.
O “militarismo” ao qual o MRT se refere é, na verdade, uma necessidade. É o resultado direto da luta de classes. Ela expressa o fato de que, em todo o mundo, os povos estão se rebelando contra a dominação imperialista. Negar isso, coo faz o MRT, é negar não apenas o caráter progressista da operação militar russa. É também negar o caráter revolucionário da ação das massas palestinas contra “Israel” e negar o caráter nacionalista dos golpes militares na África.