Às vezes, indagando o que seria uma HQ brasileira, vem à mente a famosa “Turma do Pererê”, do Ziraldo. Ora, mesmo sem definições precisas dos temas brasileiros, o folclore nacional, evidentemente, revela-se brasileiro, por isso, a “Turma do Pererê” se torna um bom caminho dessa discussão, mas também podemos iniciar com “Aventuras na ilha do tesouro”, de Pedro Cobiaco, lançada em 2015.
No romance “Macunaíma”, de Mário de Andrade, obra centrada, entre outros temas, no folclore brasileiro, o leitor se depara, frequentemente, com a classificação de rapsódia. O termo pertence à música erudita, utilizado para caracterizar obras compostas a partir de músicas folclóricas ou populares, por exemplo, a “Rapsódia húngara”, de Johannes Brahms, ou a “Rapsódia em blues”, de George Gershwin. Em vista disso, uma vez escrito com numerosas menções à cultura popular brasileira, o romance de Mário de Andrade se aproxima das rapsódias em música; semelhantemente, as “Aventuras na ilha do tesouro” admitem ser consideradas rapsódias, pois nelas se tematizam mitos brasileiros nos feitos do Capitão, fragmentados em 8 seções, chamadas, pelo autor, 8 canções. Além disso, há, entretecidas às tramas, as peripécias de Paulo, a personagem apresentada como autor da história.
No papel de narrador, Paulo conta o destino do Capitão, faz reflexões sobre a própria vida, os processos de composição artística e suas influências, em especial, as aventuras de Corto Maltese, de Hugo Pratt; em termos psicológicos, a HQ lembra, na análise proposta por Gustav Jung, os movimentos do self. Em linhas gerais, o self se relaciona aos processos psíquicos nos quais, por meio de símbolos, o inconsciente coletivo nos convida ao desenvolvimento humano; enquanto símbolos também religiosos – na canção 3, durante os ritos de candomblé, isso é evidente –, os mitos invocados por Cobiaco cumprem essa função, seja no universo do Capitão, seja no de Paulo. A HQ, porém, não se reduz a ritos de iniciação psíquicos ou mítico-religiosos; há, em “Aventuras na ilha do tesouro”, discurso político nos combates às mazelas da indústria cultural quando o Capitão, a seu modo, mostra-se um guerrilheiro. Por fim, resta exaltar a aventura cromática, de que o leitor somente fruirá com a novela gráfica em mãos.