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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

Os quadrinhos de Lovelove6

A mulher nos quadrinhos brasileiros

Uma das finalistas da feira de quadrinhos Des.gráfica 2017 foi a HQ “Gastrite nervosa”, da Lovelove6, a mesma autora de “A garota siririca”; em ambos os trabalhos, o tema se concentra nas questões das mulheres. Dessa forma, seria Lovelove6 uma militante feminista, fazendo, de “Gastrite nervosa”, quadrinhos engajados? Tal procedimento interfere na qualidade artística da HQ? Trata-se de, nos campos da arte, estabelecer “cotas” para mulheres? Cabe indagar, portanto, como essas questões se articulam na linguagem da história em quadrinhos.

Antes de tudo, “Gastrite nervosa” se revela um trabalho fantástico, tanto na arte, esteticamente, quanto no engajamento político, eticamente; sem se perder em análises do feminismo ou buscando enquadrar a autora em agendas ideológicas, basta salientar o que se vê na trama, ou seja, um sufoco, pois “Gastrite nervosa” soa, paradoxalmente, quando não se pode falar. Isso posto, encaminha-se outra questão, ou seja, saber o quanto as mulheres se encontram submetidas a angústias semelhantes, em regimes ideológicos fortemente marcados por valores masculinos. Assim, não se cuida exclusivamente da protagonista da HQ, uma trabalhadora quem entrega o próprio corpo para sushis eróticos, mas do que isso simboliza, seja enquanto exposição da realidade social, seja como metáfora da condição feminina.

Em linhas gerais, feminismo não significa simplesmente o contrário do machismo, a relação entre os dois conceitos parece outra; o machismo surge, como ideologia, também para justificar o fascismo, tendendo antes à falta de inteligência e exacerbação da brutalidade do que às sutilezas argumentativas do despotismo esclarecido. O feminismo, em meio a isso, torna-se uma forma de luta, antes de tudo, contra a morte simbólica da mulher, que passa, entre os machistas, a se definir somente em relação a eles, perdendo, portanto, sua identidade; assim inserida, nos discursos machistas não há diversidade entre as mulheres, porquanto, neles, elas são esposas ou prostitutas. Isso se confirma em “Gastrite nervosa” quando a protagonista vende seu corpo para um fetiche bastante específico, tornando-se, a seu modo, também prostituta; logo na capa da HQ, ela se expõe nua, completamente reificada, a servir de bandeja para sushi erótico.

Para prosseguir, do texto de “Gastrite nervosa”, destacam-se duas passagens: (1) a cena do respingo de molho shoyu no rosto da protagonista, durante a refeição de um cliente; (2) a repetição da mesma posição, com algumas variações, em que ela se encontra nua e deitada de costas. Na cena do respingo, por desatenção do cliente, algumas gotas de shoyu caem no rosto da moça transformada em prato; em seguida, surpreendentemente, ele se desculpa, levemente encabulado. O que isso significaria? Com certeza, não significa respeito por parte daquele homem quando, diante de tamanho desprezo pelo corpo reificado da mulher, pouco vale se desculpar por alguns respingos de molho. Seria, então, metáfora de ejaculação precoce? Talvez sim… isso procede; nessa metáfora, o desrespeito se mostra ainda mais grave, tornando-se eufemismo para a cultura do rapto e da violência.

Quanto à outra passagem, vale lembrar, em literatura, da figura de linguagem chamada anáfora, quer dizer, a repetição da mesma palavra ao longo do texto; quando, em vez de palavras, repetem-se imagens, trata-se de anáforas visuais, às quais Lovelove6 recorre constantemente. Em literatura, as anáforas promovem a concentração do sentido mediante a insistência na repetição de palavras e, até mesmo, de frases inteiras; quando se repetem imagens, o efeito de sentido é o mesmo. Assim, no caso de “Gastrite Nervosa”, a repetição da mesma cena intensifica a somatização do trauma, também repetido constantemente; mesmo nas variações das muitas cenas em que a protagonista se encontra deitada de costas, semelhantemente a quando aparece servindo de prato, mudam as circunstâncias, mas a agressão revela-se a mesma.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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