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Paulo Marçaioli

Formado em direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP e dono do blog Esperando Paulo

Coluna

Os contos de Lygia Fagundes Telles

"Não são poucos aqueles que consideram Lygia Fagundes Teles como uma das maiores escritoras brasileiras do século XX"

Resenha Livro – “Venha ver o pôr-do-sol e outros contos” – Lygia Fagundes Telles – Ed. Ática

“Quero te dizer que nós as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões”. (“As Meninas” – Lygia Fagundes Telles).

No próximo dia 03 de abril fará dois anos da morte da escritora paulista Lygia Fagundes Telles, falecida quando tinha 103 anos de vida.

A longevidade da autora de “Ciranda de Pedra” também se revela no vasto número de romances, contos e crônicas jornalísticas por ela escritos até o fim da vida. Basta dizer que no ano de 2016, quando tinha 92 anos de idade, foi a primeira mulher brasileira indicada ao prêmio Nobel de literatura.

Lygia Fagundes da Silva Telles nasceu no dia 19 de abril de 1918 em São Paulo/SP. Passou, porém, a maior parte da sua infância em diferentes cidades do interior paulista, em função do trabalho de seu pai, Durval de Azevedo Fagundes, este último procurador, promotor público, advogado distrital, comissário de polícia e juiz.

Sua mãe, conhecida como Zazita, era uma pianista habilidosa que não pôde prosseguir na carreira artística, dada a época em que às mulheres eram reservados apenas os trabalhos e cuidados domésticos.

Em 1936 os pais de Lygia separaram-se, fazendo com que a escritora e sua mãe retornassem à São Paulo para uma vida de classe média empobrecida. O tema da separação conjugal é significativo, posto que vivenciada na prática por mãe e filha.

No caso de Lygia, sua separação foi um ato de coragem, considerando que naquele tempo, ou mais exatamente no ano de 1960, o divórcio não era admitido no ordenamento jurídico brasileiro. O fato tornou-se um escândalo ainda maior pelo fato de Lygia ter se casado com Gofredo Teles Júnior, renomado professor catedrático da Faculdade de Direito do Largo de Francisco, deputado constituinte de 1946 e principal redator da “Carta aos Brasileiros” (1977), considerado o primeiro manifesto público em defesa da democracia nos tempos da Ditadura Civil Militar brasileira.

Lygia foi aluna de Gofredo Teles Júnior nas Arcadas. Quando ingressou na Academia de Direito de São Paulo, era uma das seis mulheres numa turma de cerca de cem alunos.

Da mesma forma, a autora iniciou sua trajetória artística numa época em que poucas mulheres eram admitidas no mundo literário.

O primeiro livro de contos de Lygia Fagundes Telles foi publicado no ano de 1938 quando tinha vinte anos de idade. Porém, de acordo com a escritora, conhecida por um agudo senso autocrítico, sua estreia literária só se daria no ano de 1951, quando lançou o romance “Ciranda de Pedras” e tornou-se conhecida nacionalmente.

É provável que esse livro ainda hoje seja o mais lembrado pelo público, especialmente pelo fato de ter sido objeto de duas adaptações para telenovelas.

Contudo, as coletâneas de contos correspondem ao grosso da produção literária da escritora paulistana.

Através das técnicas do fluxo de consciência e do monólogo interior, Lygia retrata histórias essencialmente situadas em ambiente urbano, com temas universais (não regionalistas).

Suas histórias falam de amor, romance, paixão, medo e morte.

Nos contos, vemos verdades subterrâneas de criaturas ambiguamente disfarçadas no comportamento social. É o caso do conto “O Noivo”, uma história fantástica em que o narrador é despertado e surpreendido com a notícia de que aquele era o dia do seu casamento.

Contraditoriamente, o noivo não lembra nem remotamente desse casamento, nem tão pouco de quem seria a sua futura esposa.

“Lembrava-se de tudo, de tudo menos do casamento. Só essa faixa da memória continuava apagada, só nesse terreno a névoa se fechava indevassável, nomes, caras, tudo era escuridão. A começar pela noiva feita de nada, diluída no éter. As coisas se passavam como nas histórias encantadas, onde o príncipe mandava vir a donzela de um reino distante sem tê-la visto nunca, o amor construído em torno de um anel de cabelo, de um lenço, de um retrato. “E eu nem isso tenho. Ou tenho?”.

Essas verdades subterrâneas se revelam em pequenos detalhes. No caso do conto que dá título ao livro “Venha ver o pôr-do-sol”, serve de exemplo os leques de rugas ao redor dos olhos de Ricardo, nos momentos em que revela raiva por ter sido preterido por sua ex namorada Raquel.

São expressões faciais, comportamentos contraditórios, silêncios eloquentes, comentários acessórios apenas aparentemente não relacionados com aquilo que os personagens pensam e sentem.

Neste sentido, pode-se dizer que a escritora mostra os fatos ao invés de contá-los: ou, em outros termos, os fatos e as histórias são contados por si mesmos.

É o caso do conto “Natal na Barca” em que o protagonista passa a festa natalina numa viagem de barco ao redor de alguns desconhecidos, dentre eles uma mulher que carregava um filho pequeno.

Ao escutar as falas dessa mulher, e seu depoimento sobre a morte trágico de outro filho pequeno, falecido num acidente doméstico, a escritora desnuda não só fatos, mas as cogitações profundas que passam no íntimo dos personagens. Muitas histórias são ditas através de pequenos detalhes captados pela escritora:

“Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter participado deles realmente. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos de sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda vai pairar uma sobra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos e aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez sorrir.”

A intensidade dos sentimentos humanos, retratada através de frases curtas, com economia de palavras; trata-se de uma escritora capaz de captar a complexidade da alma humana através de pequenas histórias em forma de contos.

Neste quadro, não são poucos aqueles que consideram Lygia Fagundes Teles como uma das maiores escritoras brasileiras do século XX.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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