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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Coluna

Okja e a falsa crítica ao capitalismo

Não é possível comer um porco feito de ouro

Lançado em 2017, Okja é um filme dirigido por Bong Joon Ho, o diretor coreano que ganhou o Oscar de melhor filme por Parasita em 2020.

O enredo busca apresentar, no formato de aventura e ação, questões ambientais no capitalismo. A protagonista é a menina japonesa Mija (Ahn Seo-Hyun), criada pelo avô em uma fazenda no alto das montanhas do Japão. Um dia, o avô aceita uma nova espécie de porco gigante, fruto de experiências genéticas do conglomerado bilionário do ramo da agricultura chamado Mirando, como um experimento sobre novos produtos para alimentação humana.

Após 10 anos desde o contrato, há afeto entre a garota e seu bichinho de estimação Okja, agora, um animal gigante criado por efeitos especiais e que lembra mais um hipopótamo do que um porco. Com o fim da experiência, os capitalistas decidem tomá-lo de volta. Mas, a afeição de Mija põe em marcha a saga para salvá-lo. Ela é ajudada por um grupo de ecologistas liderados por Jay (Paul Lando).

Ainda no elenco, a atriz inglesa Tilda Swinton, que interpreta duas personagens ou, mais precisamente, duas representações do burguês ridículo nas gêmeas donas da Mirando, Lucy e Nancy. E o ator norte-americano Jake Gyllenhaal, como um histriônico apresentador de documentários de TV sobre a natureza, uma celebridade ecológica na folha de pagamento da empresa.

Esse filme é uma típica representação simplificadora de Hollywood sobre as contradições da capitalismo no atual momento histórico. Através de sua fantasia e de seus valores pseudo-progressistas, ele busca levar uma mensagem ecológica de salvação do mundo que nunca almeja a superação desse sistema econômico. Nesse sentido, é uma falsa crítica ao capitalismo.

Bong Joon Ho faz caricaturas de todo o universo atual da ecologia como produto. Além das proprietárias da Mirando – ou Monsanto – nenhum personagem adulto escapa: sejam os empregados de classe média medíocres, a celebridade televisiva inútil ou o avô camponês apenas interessado no dinheiro.

Mais do que isso, o próprio grupo de ecologistas é mostrado cheio de conflitos, como as posições autoritárias e violentas do líder ou jejuns que colocam a vida de seus integrantes em risco.

A única que se salva é a personagem de Mija. Jovem criada longe da “civilização”, ela tem noção exata do que é certo e errado e tem valores elevados como lealdade, senso de dever e empatia.

Nesse ponto, o filme tem um parentesco com ET, o extraterrestre, que Steven Spielberg dirigiu em 1979. Na história, vemos uma criança que precisa salvar seu amigo alienígena das mãos de um estado autoritário que quer matá-lo.

Em essência, o objetivo do diretor é fazer com que nos identifiquemos com Mija em oposição aos demais personagens, perdidos na civilização decadente liderada por capitalistas que manipulam tudo ao seu capricho.

A luta individual quase messiânica da menina expõe o problema das escolhas formais. O heroísmo individual é uma forma de escapismo narrativo. Não é possível fazer uma revolução com uma só pessoa. Cada personagem tem um fim, seja de punição ou de redenção como manda as regras do drama burguês, porém, a superação do capitalismo não faz parte da ideia de final feliz. Ao contrário, o final feliz é só a manutenção do mesmo em outros termos.

Mjja, como é de esperar, consegue seu intento. Ela volta para casa, agora sem a inocência de antes, para seu idílico modo de vida na floresta com seu avô e Okja. Nesse sentido, a solução possível é o regresso a uma vida simples, despossuída, em contato com a natureza e, portanto, mais feliz.

É uma mensagem de romantização do mundo natural, considerado perfeito. Esse apelo imaginário é, como sabemos, antidesenvolvimentista e antirrevolucionário porque resolve seu conflito de maneira individual como se Mija, ao se isolar, continuasse a salvo do caos ao qual ela foi apresentada.

Esse tipo de enredo acontece na vida real nas figuras de meninas como Greta Thunberg e Malala, usadas como símbolos de causas abstratas que servem somente para a manutenção da imagem de democracia dos países da Europa e dos Estados Unidos.

Atores como Tilda Swinton e o diretor sul-coreano dão à película sua aura de independente e, portanto, sério, de arte. Mas, no fundo, sua crítica ao sistema é um alerta para correções do próprio sistema.

Não por acaso, achei vários artigos acadêmicos que usam o filme para ilustrar uma prática chamada de “greenwashing”, quando empresas usam questões ambientais apenas como propaganda (e tem outra forma?). Se o filme se presta como exemplo para TCCs, fica claro seu caráter reformista. Contraditoriamente, ele mesmo um exemplo de “greenwashing”.

No mais, uma cena ao menos é excepcional: ao final, para salvar Okja, Mija decide comprá-lo com uma estátua de ouro de um porquinho que ela ganhou do avô. Nancy Mirando pega o objeto e morde para testar que é feito de ouro mesmo, antes de tomar uma decisão (foto). A ironia está no duplo sentido da imagem: não é possível comer um porco feito de ouro.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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