Previous slide
Next slide

Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

O tema da evasão da pátria nos quadrinhos portugueses

Ficar ou partir de Portugal, eis a questão

Nos quadrinhos portugueses, encontram-se duas mulheres que conseguem fugir dos valores do patriarcado e do cristianismo: (1) Alice, mediante soluções míticas, na HQ “Alice”, de Luís Louro; (2) Alzira, valendo-se do materialismo histórico, na HQ “O baile”, de Nuno Duarte e Joana Afonso. Ambas as personagens realizam um tema que, na década de 2010, tornara-se central na cultura portuguesa, isto é, a evasão da pátria. No começo do século XXI, vários países da Europa entraram em graves crises econômicas e Portugal foi um deles; consequentemente, muitos passaram a considerar a evasão da pátria como solução.  Nessas circunstâncias, há, nos quadrinhos portugueses, pelo menos duas formas de tematizar a questão: (1) a mítica, de ordem onírica, quando se parte para o mundo dos sonhos e da imaginação; (2) a prática, de ordem histórica, quando a saída aponta para lugares geográficos. Em seguida, apresenta-se um exemplo de cada.

A respeito da evasão mítica, recorre-se a “Alice”, de Luís Louro, em cuja trama alude-se frequentemente a “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll; entre as menções, um dos vizinhos lembra o coelho, sempre atrasado, e o gato de Alice é listrado e sorridente. Durante o dia, Alice conta histórias para as crianças da vila em que mora, enquanto, durante a noite, ela se prostitui, a lidar com clientes e proxenetas violentos; quando dorme, porém, ela sonha viver em realidades alternativas. Na história, uma das amigas de Alice, também prostituta, morre de aids; no entanto, Alice consegue escapar, ainda que miticamente.

Assim, em seus sonhos, o mar invade Lisboa; reconhecem-se, nos desenhos, vários lugares da cidade, principalmente a Praça do Comércio, próxima do Tejo, que remete para as navegações portuguesas do início da Idade Moderna. Dessa forma, evadindo-se em sonhos marítimos, Alice termina justamente na Praça do Comércio, a fitar o Tejo, em busca do mar e dos mesmos caminhos das caravelas, símbolos do auge do império português; a seu modo, Alice revive os versos de Fernando Pessoa e responde quanto sal do “mar salgado” são “lágrimas de Portugal”, conscientizando-se de que, feito as caravelas, ela pode partir, a despeito de caminhar em outras direções e com novos objetivos.

Quanto à evasão prática, remonta-se à HQ “O baile”, de Nuno Duarte e Joana Afonso; no enredo, o inspetor Rui Brás, da PIDE, recebe a missão de investigar estranhos acontecimentos em uma distante vila de pescadores. PIDE significa Polícia Internacional e de Defesa do Estado; a PIDE, durante a ditadura salazarista, agia como polícia política, prendendo e torturando sem o menor respeito com os direitos humanos. Rui Brás, todavia, embora da PIDE e herdeiro dos abusos de poder que isso acarreta, encontra-se cansado de tudo, logo, em vias de se revolucionar. O ano da trama é 1967; há poucos meses de uma visita do Papa a Portugal, Rui Brás precisa resolver e, se necessário, abafar o caso de pescadores mortos-vivos na aldeia distante.

Ainda na trama, a culpa da situação recai sobre Alzira, quem parece suspeita por ser cigana, quer dizer, por polemizar com os valores cristãos; o padre, entretanto, revela-se o verdadeiro culpado, a identificar a Igreja Católica com os fundamentos dos mal. Por fim, de volta à estrada, evadindo-se não mediante sonhos, mas através das rodovias, Rui Brás termina, junto com Alzira, diante da escolha entre retornar a Lisboa, permanecendo o mesmo, ou rumar, tornando-se outro, em direção a Madri.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Rolar para cima

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.