Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina recuou 5,1% no primeiro trimestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2023. Em relação ao trimestre anterior, o último do ano passado, o recuo foi de 2,6%. É a segunda queda consecutiva da economia argentina, caracterizando a chamada recessão técnica. O Indec também divulgou dados sobre o desempenho do mercado de trabalho, relativo ao mesmo período. A taxa de desemprego chegou a 7,7% no primeiro trimestre, aumento de 2 pontos percentuais, em relação aos 5,7% verificados no fim do ano passado. Essa elevação representa cerca de 300.000 novas pessoas desempregadas desde o último trimestre do ano passado.
Mesmo com a brutal recessão da Argentina, com queda dramática do poder aquisitivo de trabalhadores e aposentados, e quebradeira de empresas, a inflação não cede de forma expressiva. O acumulado da inflação até maio está em 276%. Além disso, cresceu muito o número de famintos no país. Segundo o jornal Ámbito Financeiro, 57,4% dos argentinos estão vivendo abaixo da linha de pobreza, o que representa 26 milhões de hermanos nessa condição. A taxa de indigência, que é o segmento da população cuja renda familiar não compra uma cesta básica, está próxima de 18%, tendo praticamente dobrado nos primeiros seis meses de governo Milei. A Argentina é 5º maior exportador de carne do mundo, mas o consumo interno do produto por habitante, atingiu o menor nível dos últimos 30 anos.
Ao mesmo tempo em que segmentos crescentes da população engrossam um verdadeiro exército de famintos, o presidente da República, que vive em um universo paralelo, se vangloria de estar obtendo superávit primário das contas públicas. Em março o governo argentino registrou um superávit trimestral de 275 bilhões de pesos no mês. Isso equivale a 1,6 bilhão de reais no trimestre. Para terem uma ideia do significado de um resultado como esse, por trimestre o Brasil gasta com a dívida pública, numa conta simples, quase R$ 200 bilhões. Milei obteve um superávit primário modesto no primeiro trimestre do ano à custa de demissões, não repasse de recursos para as províncias, e do sacrifício de milhões de famintos. O governo não estava nem mesmo repassando os recursos para os restaurantes populares, até ser denunciado pela imprensa independente (jornalista Ari Lijalad em um artigo de El Destape).
Além disso, o governo congelou as obras públicas, reduziu subsídios de energia e transporte para os consumidores e permitiu que a inflação corroesse salários e pensões públicas. Ou seja, o “superávit” é absolutamente artificial e decorre exclusivamente do fato de que o governo não está pagando suas contas, incluindo o repasse constitucional aos estados. Mal comparando, é como se um trabalhador conseguisse economizar R$1.000,00 todo mês, às custas do não pagamento do aluguel e da luz, e com os filhos passando fome. Obviamente um esquema desses é explosivo social, econômica e politicamente.
É muito sintomático que o Fundo Monetário Internacional (FMI), venha elogiando o governo argentino por estar fazendo um ajuste acima do combinado com o Fundo, ou seja, pelo governo vir “superando” as metas do arrocho. É um retrato preciso da realidade argentina nesse momento: enquanto o povo vai às ruas protestar contra a política econômica antinacional, e sofre uma brutal violência da polícia, o FMI elogia o governo por ter feito mais do que o arrocho exigido. A Argentina tem uma dívida de US$44 bilhões com o FMI, contraída por Mauricio Macri, em 2018 (o partido de Macri, o PRO, Proposta Republicana, apoia Milei). Por outro lado, o país tem apenas US$22 bilhões em reservas, o estrangulamento financeiro externo é o Calcanhar de Aquiles da economia.
O governo tem anunciado medidas para liberar importações, supostamente para reduzir a inflação. A política é abrir a economia para a chegada de importações, através principalmente da retirada de alíquotas incidentes sobre os produtos. Tem também tomado medidas para retirar restrições ao mercado de câmbio, para impor, em um segundo momento, um sistema de “livre concorrência”. Abrir a economia retirando as alíquotas de importações, e restrições cambiais, são medidas conhecidas na América Latina há muito tempo, inclusive, com muito destaque, na Argentina. Se, por um lado, não há garantia de que a inflação irá ceder com as medidas, por outro, é certo que irão levar à falência uma parte das pequenas e médias empresas nacionais. Essas empresas não conseguirão concorrer com grandes multinacionais, que dispõem de elevada escala de produção, crédito mais barato e outros diferenciais.
Retirar as restrições cambiais é uma conhecida prescrição do FMI que é passada (para os países subdesenvolvidos, claro) desde, no mínimo, a década de 1980. A economia brasileira já foi monitorada pelo FMI e esta era uma receita do fundo para o Brasil: eliminar as restrições cambiais. Na realidade essa é uma receita do Fundo, passada para todas as economias subdesenvolvidas, em todos os quadrantes do Planeta. Essa foi a receita para a Grécia, Chile, Equador, Brasil, Bolívia. Os planos “salvadores do FMI” são um tremendo ato de “copia e cola”. O fato é que, se o Estado não intervir no mercado de câmbio (mercado de moedas), controlando a taxa de câmbio, através, por exemplo, de compra e venda de dólares, pode haver movimentos especulativos contra o país. Por exemplo, fuga de capitais, como já ocorre tantas vezes na América Latina.
A Argentina, mesmo, viveu isso recentemente. Em 2018, Mauricio Macri teve que recorrer ao FMI em função de uma crise cambial, com fuga de capitais e desvalorização da moeda nacional. O FMI é sinônimo de péssimas lembranças para o povo argentino. A palavra vem sempre associada a catástrofes financeiras. Não se sabe ainda se a retirada das restrições cambiais seria uma preparação para dolarização da economia, ou se esta seria apenas mais uma fantasia da campanha política de Milei, dentre muitas.
A dolarização da economia do país vizinho seria uma completa loucura. Essa opção não existe em nenhuma economia importante do Planeta. Atualmente, na América Latina, três países têm economias dolarizadas: Equador, El Salvador e Panamá. O PIB somado destes três países, equivale a 22% do PIB da Argentina. Os três países, somados, possuem população equivalente a 6,2% da população da Argentina (45,2 milhões). Fora da América Latina, dois países tem o dólar como moeda: Zimbábue (África) e Estados Federados da Micronésia (Oceania), que, na prática, é uma colônia dos EUA, com 112.000 habitantes.
A Argentina é a terceira economia da América Latina, atrás apenas do Brasil e do México. Propor renunciar à moeda nacional, instrumento fundamental de macroeconomia, em favor da moeda do país mais imperialista do mundo, é o caminho mais curto para o inferno. A tendência global é exatamente na direção contrária. Os países do Brics, por exemplo, estão gradativamente construindo as condições para realizarem transações entre si, com suas próprias moedas e não mais com dólar. Fica cada vez mais evidente a importância dos membros do chamado Sul global, terem independência das moedas dos países ricos, e dos bancos dos países imperialistas, Banco Mundial, FMI e outros.
Alheio aos problemas nacionais, e sempre mentindo na maior cara-de-pau sobre os dados econômicos, Milei envergonhava os argentinos na Europa, durante a semana passada. Quase ao mesmo tempo em que eram divulgados os dados brutais da recessão argentina, declarava em Praga, na República Checa, que, juntamente com seu gabinete, estaria “reescrevendo grande parte da teoria econômica”. Segundo ele, “se terminarmos bem, provavelmente eu sou o Nobel de Economia junto com Demian” (seu chefe de gabinete). Resta saber quando se esgotará esse showzinho miserável do pior presidente que a Argentina já conheceu.