Quem analisa a trajetória de Fernando Haddad fica sem entender como ele acabou por se tornar o líder do neoliberalismo do governo Lula. Iniciou sua militância no movimento estudantil, foi presidente do Centro Acadêmico XI de agosto, participou da campanha das diretas. Como acadêmico, suas produções teóricas abordaram o socialismo soviético e a teoria marxista.
Em 2001 foi convidado para a chefia de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico do município de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy. Em 2003 assumiu a Assessoria Especial do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ainda em 2003, foi convidado por Guido Mantega para integrar sua equipe no Ministério do Planejamento em Brasília.
Em 2004 assumiu o cargo de Secretário-Executivo do Ministro da Educação Tarso Genro. Em 2005, Fernando Haddad foi escolhido para Ministro da Educação no Governo de Lula. Em 2012, Fernando Haddad foi eleito para a prefeitura de São Paulo, pelo PT, no segundo turno, quando concorreu com José Serra. No dia 14 de setembro de 2018, o PT anunciou oficialmente que Fernando Haddad seria o candidato do partido para as eleições presidenciais de 2018. Em 2023, com a eleição de Luiz Inácio da Silva para presidente do Brasil, Fernando Haddad foi nomeado Ministro da Fazenda. É, portanto, um privilegiado ocupante de altos cargos governamentais, a maioria dos quais não foi eleito para isso.
Nesta trajetória o que talvez tenha marcado sua adesão ao neoliberalismo foi sua gestão da prefeitura de São Paulo em que se consagrou por ter conseguido grande redução da dívida com o governo federal, mantendo gastos com pessoal em 40% da receita (o limite da lei de responsabilidade fiscal é 60%) e reduzido o nível de investimentos da prefeitura em 29%. A agência de classificação de risco Fitch deu em novembro de 2015 o grau de investimento para a cidade, selo que assegura aos investidores um menor risco de calote. A administração municipal recebeu nota de crédito AA+, em escala nacional, e BBB-, em escala global. Tanta premiação mostra que Haddad seguiu todas as determinações neoliberais na sua administração de SP.
A prova de fogo de Haddad foi o enfrentamento com o movimento de passe livre que exigiu a revogação do aumento de 0,30 determinado pela prefeitura e que Haddad não aceitou negociar. Esse perfil do administrador Haddad, numa prefeitura petista, mostrou suas opções pelo equilíbrio das contas públicas em detrimento de gastos em benefício dos trabalhadores da cidade.
As Maldades de Haddad
O pacote fiscal anunciado por Haddad em rede de TV no dia 27/11 mostra novamente este perfil de Haddad. O discurso, formatado como uma operação de relações-públicas, anunciou as pretendidas bondades do governo de implantar a isenção, a partir de 2026, do imposto de renda para quem ganha até R$5.000,00 por mês. Em seguida foi anunciada também a taxação em 10% de lucros e dividendos superiores a R$50.000,00 por mês para compensar essa ampliação da isenção do IRPF. O anúncio antecipado do aumento da isenção do IRPF logo foi bombardeado pelos membros do centrão da Câmara, que assumiram em off a intenção de bloqueá-lo. Não se entende qual o objetivo do governo com esse anúncio precipitado. Geralmente a alteração da tabela do IRPF é uma medida administrativa do governo Federal e não há precedente seja de seu anúncio, seja de sua rejeição antecipados.
Já a cobrança de alíquota de 10% para quem ganha acima de 50 mil reais não é bem assim, segundo “explicação” dos técnicos do Ministério da Fazenda. Na verdade, a alíquota começa zerada para quem ganha exatos R$ 600 mil anuais (50.000 por mês) e vai subindo gradualmente. Não há uma cobrança por faixas, mas sim uma fórmula de cálculo, pela qual a Fazenda estima que o imposto mínimo será de 5% para quem ganha R$ 800 mil. Quem ganha R$ 1 milhão, por sua vez, estaria sujeito a uma alíquota de 8%. Acima de R$ 1,2 milhão, vale a cobrança anunciada dos 10%. Ou seja, ela vale apenas para quem ganha 100.000, o dobro da renda anunciada! Além disso, nem todo mundo será alvo do imposto mínimo. Quem tem renda acima de R$ 600 mil, mas tem carteira assinada ou retém o IR na fonte, provavelmente não será alcançado, pois já paga tributos em proporção maior do que a cobrança mínima.
Por outro lado, as medidas de corte de gastos anunciadas que afetam a classe trabalhadora foram as seguintes:
- Inclusão da política de aumento real do salário-mínimo nas limitações do arcabouço fiscal. Dessa forma, o máximo de aumento do salário-mínimo acima da inflação será de 2,5%.
- Na verdade, calcula-se que o governo pagará só 1,75% a mais. Não será mais levado em conta o aumento do PIB neste cálculo. Na prática, o salário-mínimo poderá ser reajustado em patamares bem inferiores aos atuais. De acordo com o Ministério da Fazenda, o objetivo é economizar R$ 11,9 bilhões nos próximos dois anos.
2- O Benefício de Prestação Continuada (BPC) será submetido a uma operação de “pente fino” para a eliminação de possíveis casos de fraude. Medidas:
Focalizar em pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho;
Vedação de dedução de renda não prevista em lei;
Passam a contar para acesso: renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes;
Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID);
Biometria será obrigatória para novos benefícios e atualizações cadastrais;
Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício.
- Essas medidas visam reduzir o número de pedidos novos, e eliminar as concessões que não cumprem com esses critérios. O objetivo é obter uma economia de R$ 4 bilhões até 2026. São todas medidas de ataque ao público-alvo do benefício, para que ele renuncie a alguma renda a que tenham direito e/ou para que não consigam obter o benefício.
Para restringir o público-alvo, estão deixando de considerar as pessoas idosas que não conseguiram se aposentar como parte legítima do público alvo, para só considerar apenas os deficientes ou portadores de doenças que tenham o código CID. O próprio Lula chegou a agredir as pessoas que solicitam o BPC chamando-as de malandros. O enfoque é este: há fraude. O motivo é que o governo Lula não sabe que no Governo Bolsonaro prevaleceu a mesma atitude e o governo mandou parar a fila. A razão para ter uma explosão de pedidos a partir de 2023 é que as pessoas acreditaram que o governo Lula viria atender os interesses dos mais pobres. Mas a perversidade neoliberal deste governo é inacreditável.
Já foram cancelados 300 mil benefícios. As pessoas estão desesperadas e não entendem por que foram excluídas. Algumas que conseguiram cumprir com todas as exigências de recadastramento também tiveram o benefício cancelado.
Mas o pior absurdo é para onde os recursos “economizados” vão ser direcionados. Foi aprovada no Congresso uma lei, de relatoria do sionista defensor ardoroso de Israel Jacques Wagner que determina que os recursos economizados do BPC vão financiar a desoneração da folha de pagamentos do grande e médio capital. Não é à toa que o Sr. Jaques Wagner é o responsável por essa lei: assim como em Gaza os sionistas vão construir casas e prédios sobre os cadáveres dos palestinos, aqui no Brasil os capitalistas vão aumentar seus lucros com evasão fiscal com base no massacre de idosos e deficientes e possivelmente de vários cadáveres que serão produto dessa lei e dessa política “social” odiosas.
3 – Abono salarial: haverá uma restrição da faixa de renda para acessar o benefício. Ele estará disponível a quem recebe até 2.640 reais, ante 2.824 reais (dois salários-mínimos) do modelo vigente atualmente. Com o tempo ele será concedido apenas a quem ganha até um salário-mínimo e meio. Trata-se de um benefício que, segundo o Ministério da Fazenda, “perdeu a sua razão de ser”. As novas regras do abono salarial, implementadas pelo governo, visam reduzir os gastos públicos em cerca de R$ 1,5 bilhão por ano.
- Enquanto o governo só cobra impostos sobre ricos que ganham acima de 50 mil reais por mês que ganham 2 salários-mínimos por mês deixam de ter direito a um miserável salário-mínimo. E o governo ainda anuncia que, no futuro, só aqueles que recebem um salário mínimo e meio terão direito ao benefício.
4 – O Bolsa Família é um programa de transferência de renda com efetivo impacto na redução da pobreza e efeitos intergeracionais em capital humano, com condicionalidades de saúde e educação. Medidas:
Restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento;
Inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente;
Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses;
Biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral;
Concessionárias de serviços públicos deverão disponibilizar informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de informações.
- As regras mais rígidas para concessão e possíveis cancelamentos devem possibilitar uma economia estimada de R$ 22,9 5 bilhões em 2 anos. Também sobre o Bolsa Família, assim como no BPC, cairá a mão pesada do estado brasileiro, a retirar benefícios que ele mesmo estabeleceu e que foi a base de muita propaganda para ganhar eleições.
Outras medidas objetivando restrição de gastos:
1 – O que é autorizado tem que estar orçado. Não pode ser autorizado um gasto sem que ele esteja previamente orçado. Então, vamos colocar o Proagro dentro do regime geral do orçamento da União.
- Será que o governo finalmente vai enfrentar o agronegócio?
2- O governo defenderá uma proibição de criar, ampliar ou prorrogar benefícios tributários sempre que as contas públicas registrarem um déficit — ou seja, estiverem negativas.
- Ou seja: bondades no varejo e maldades no atacado. Qual país no mundo tem as contas públicas sem déficit?
Pessoal: gatilho de reenquadramento vedará, a partir de 2027, aumento real acima de 0,6% se a despesa discricionária se reduzir de um ano para o outro.
- Mesmo com redução de despesas não poderá haver um significativo aumento de salários do funcionalismo. Isso vai dar greve…
3 – Será renovada a DRU até 2032.
- É absurdo essa DRU. Deveria chamar desvio de receitas da União para os banqueiros. Antes era prorrogada só de 4 em 4 anos, agora é de 8 em 8 anos?
4 – Concursos públicos- faseamento de provimentos e concursos em 2025 (meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia).
- Um absurdo total: a pessoa passa no concurso, mas é proibida de trabalhar para economizar recursos?
5 – Subsídios e subvenções – autorização para ajuste orçamentário em cerca de R$ 18 bilhões em subsídios e subvenções.
- O neoliberal odeia subsídios, mas certamente não vão cortar subsídios do agronegócio.
6 – Fundo Constitucional do Distrito Federal -submete reajustes dos recursos do Fundo ao IPCA;
7- Uma proposta será enviada ao congresso para acabar também com supersalários acima do teto constitucional de salários no funcionalismo público.
- Como é possível existirem supersalários acima do teto constitucional? Para que serve a Constituição? Até hoje não se sabe de nenhuma medida realmente eficaz para cortar esses supersalários. Sempre se prefere prejudicar os que recebem mínimos salários.
8 – Limita crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal. O valor Global das emendas parlamentares não poderá crescer mais do que 2,5% acima da inflação, que é justamente o limite do arcabouço fiscal.
Restringe emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo;
Veda crescimento real das emendas não impositivas, de modo que montante total das emendas crescerá sempre abaixo do arcabouço;
Destina 50% dos valores de emendas de Comissão para o SUS, observados critérios e diretrizes técnicas.
Bloqueia emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bi em 2025).
- O Governo já combinou com os russos, isto é, com o Congresso?
9 – Até 20% da complementação da União ao Fundeb poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
- O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério foi instituído para permitir o pagamento de salários razoáveis para os professores e secundariamente para outros gastos.
10 – Mudanças nas regras de aposentadoria e pensão dos militares:
Acaba com a morte fictícia;
Fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026;
Extingue a transferência de pensão;
Estabelece progressivamente idade mínima para reserva remunerada.
- Se o governo Lula não conseguiu enfrentar as FFAA no plano político, vai conseguir enfrentar no plano econômico? É evidente que não, trata-se apenas de demagogia.
11- Lei Aldir Blanc: Repasse anual de até R$ 3 bi aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos entes no ano anterior.
- Até o setor cultural vai ser atingido pelo corte de gastos.
O pacote de medidas mostra uma determinação básica: submeter o conjunto dos gastos sociais e gastos relativos a funcionários públicos à lógica férrea do arcabouço fiscal. Isto fica claro nas restrições ao aumento real do salário-mínimo, no controle estrito do Bolsa Família e do BPC cujo intuito é excluir um grande contingente de beneficiados seja através do controle administrativo de acesso, seja nos critérios para concessão do benefício. Trata-se, portanto, de um grande arrocho fiscal, com ênfase central nos gastos sociais e salariais.
Outra característica é a fluidez das medidas, isto é, não há um limite pré-estabelecido para medidas já adotadas, que poderão ser retificadas, e das medidas a serem adotadas, que ainda não foram efetivadas. O próprio ministro deu um prazo de três meses para uma possível nova rodada de apertos.
Isso é preocupante, pois o fato de a quebra dos mínimos constitucionais de saúde educação não ter sido anunciada por Haddad não significa que a medida tenha sido abandonada. Na verdade, o governo fez um recuo tático, diante da grande e inesperada reação de um conjunto de setores, inclusive dentro do próprio governo, contra esta alteração constitucional. O fato de que toda a estratégia do pacote ser baseada no fortalecimento do arcabouço fiscal coloca claramente que a medida deverá ser retomada no futuro.
Por uma questão de matemática, os mínimos constitucionais para saúde e educação não cabem dentro do arcabouço. Como afirmou o ministro Haddad na famosa entrevista à jornalista Mônica Bergamo do jornal Folha de São Paulo: “Falo o seguinte: o mercado está entendendo que a soma das partes —a soma do salário-mínimo, saúde, educação, BPC— é maior do que o todo. Ou seja, vai chegar uma hora em que esse limite de 2,5% [de crescimento da despesa em relação ao da receita] não vai ser respeitado. Ainda que a receita responda, o arcabouço fiscal não vai funcionar se a despesa não estiver limitada.”
Esta “verdade matemática” não diz respeito às contas públicas em si, mas das contas vistas pela lente do arcabouço fiscal. A única forma que os trabalhadores podem efetivamente dormir tranquilos e não ficar temendo que venham lhe cortar suas fontes de vida que o trabalho deveria assegurar é remover Fernando Haddad da Fazenda e que ele leve consigo, talvez para suas memórias, esse monstrengo capitalista do arcabouço fiscal.
Porque, como vimos, Fernando Haddad é aquele tipo de “pessoa boa”, militante bem formado no marxismo universitário, petista de carteirinha, mas que, no governo, é insensível à miséria e péssimas condições de vida do brasileiro. É, com frieza do cálculo e precisão de suas “armas de destruição em massa” de fazer muitas maldades, prejudicar milhões de pessoas realmente boas, trabalhadoras, pagadoras de impostos e que só desejam que seu trabalho seja corretamente pago, que não seja roubado pelos banqueiros ou por algum governo neoliberal.
(*) Deus me Proteja
Canção de Chico César
Deus me proteja de mim
E da maldade de gente boa
Da bondade da pessoa ruim
Deus me governe e guarde
Ilumine e zele assim
Deus me proteja de mim
E da maldade de gente boa
Da bondade da pessoa ruim
Deus me governe e guarde
Ilumine e zele assim
Caminho se conhece andando
Então vez em quando é bom se perder
Perdido fica perguntando
Vai só procurando
E acha sem saber
Perigo é se encontrar perdido
Deixar sem ter sido
Não olhar, não ver
Bom mesmo é ter sexto sentido
Sair distraído espalhar bem-querer