As dificuldades do governo Lula e o crescimento do bolsonarismo levam a esquerda pequeno-burguesa a levantar teses sobre o que deve ser feito para se superar essa crise. O grande problema é que elas nunca de fato concluem o que é necessário: quebrar a frente ampla, lutar contra a direita tradicional e a direita bolsonarista sob a base da mobilização dos trabalhadores. Os argumentos sempre fogem dessa questão básica, é o caso de Valério Arcary, ex-PSTU, que publicou o texto Governo Lula sob cerco no portal Esquerda Online.
Ele começa analisando o governo, cita questões importantes como o acordo do bolsonarismo com a burguesia. No entanto, erra ao focar demais nas eleições: “nesse momento, há um movimento coordenado que visa desgastar o governo para prejudicar candidaturas ligadas a Lula nas eleições municipais. A luta pela prefeitura de São Paulo ocupa um lugar central nesse plano. Na capital paulista, o objetivo da extrema direita e da direita é um só: impedir a vitória de Guilherme Boulos, do PSOL. A disputa pelas prefeituras prepara a batalha nacional em 2026”.
A direita quer afetar as eleições, mas isso é uma questão secundária. Seu objetivo é de fato manter o governo paralisado até 2026, não querem que Lula governe com a sua política, aceitam apenas a política do neoliberalismo. Além disso, Boulos não é o grande problema, ele é o mais perto de um tucano que o PT poderia lançar para a cidade de São Paulo. Em grande medida, as eleições de 2024 já são uma derrota para a esquerda no sentido de que não há candidatos próprios fortes em quase nenhuma grande cidade. O principal caso é São Paulo, onde o PT lançará o candidato das ONGs, e não um candidato dos trabalhadores.
Ele então cita a necessidade de uma mudança na política para que Lula não fique refém do centrão, o que é correto. Porém, apontando vagamente na direção correta, ao entrar na política específica, erra: “exemplo positivo vem da Colômbia. Lá o governo de esquerda, de Gustavo Petro, também está sendo acossado pela oposição de extrema direita e de direita, inclusive com ameaças de golpe. Porém, a resposta de Petro, para resistir aos ataques das elites e avançar no cumprimento das promessas de campanha, está sendo a mobilização social e a batalha política e ideológica, que é encabeçada pelo próprio presidente”.
O exemplo da Colômbia é positivo só no sentido de que ele chama uma mobilização, mas isso acontece porque o governo está muito fraco e até corre risco de ser derrubado. Petro é muito valorizado por setores da esquerda pequeno-burguesa, pois seu governo de princípio era muito ligado ao imperialismo, como Boric no Chile, mas teve de se afastar apelando para as massas dado o tamanho da crise. Mas na Colômbia, a extrema direita está a um passo de voltar ao governo, ou seja, é um exemplo negativo.
Enquanto isso, na América Latina, há exemplos reais de países onde a direita quase não tem poder. Cuba é o clássico, mas lá, a burguesia foi expropriada, então não é o melhor dos exemplos. Mas um exemplo gritante é sempre ignorado por esse setor da esquerda, bem ao lado da Colômbia que eles tanto citam, a Venezuela. Lá, Chavez foi eleito em 1999 e, desde então, a direita está longe de voltar ao governo. Um dos motivos é que o governo se apoia de fato na mobilização das massas, de forma muito mais profunda do que faz Petro na Colômbia.
A Venezuela é o país da América do Sul onde o imperialismo mais interviu para tentar derrubar o governo de esquerda e é o local onde a mudança de regime nunca aconteceu. Em todos os países, a direita assumiu em algum momento, com exceção da Venezuela, isso sim é exemplo de sucesso. Mas defender o governo Maduro é algo muito inadequado para a esquerda pequeno-burguesa, que tem medo de se chocar com a opinião da imprensa pró-imperialista.
A conclusão do artigo também mostra que a análise vaga de Arcary não levará os trabalhadores a lugar nenhuma: “trata-se da batalha política mais importante do ano. A união das esquerdas (PSOL, PT, PCdoB) para enfrentar o bolsonarismo e a direita nas eleições é fundamental. Junto com essa unidade, tem grande valor a apresentação de um programa voltado às necessidades mais sentidas pelo povo trabalhador e oprimido em cada município, destacando também a pauta ambiental em tempo de catástrofes climáticas. Precisamos construir candidaturas-movimento, que gerem engajamento e façam a disputa política e ideológica contra a extrema direita. Fortalecer as ideias de esquerda e anticapitalistas também muita importância. A batalha será árdua, mas a vitória é possível. À luta!“.
No fim, Arcary mostra que seu pequeno desvio no início era, na verdade, um grande erro. Ele acredita que a derrota da direita será eleitoral, algo que nunca aconteceu. A união da esquerda deve ser das organizações populares como um todo, não apenas dos partidos de esquerda, e deve se dar na luta. E no caso das eleições, também não adianta unir a esquerda e, nessa união, apoiar alguém da direita como Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, ou o próprio Boulos, em São Paulo, que é apenas formalmente de esquerda.
A proposta de Arcary também não é concreta. Fortalecer “ideias anticapitalistas” não mobiliza os trabalhadores. Há uma série de reivindicações extremamente populares, muitas delas apresentadas na própria campanha de Lula, que podem levar à mobilização dos trabalhadores. Revogação das reformas do golpe, estatização da Petrobrás e da Eletrobrás, aumento real de salário, defesa da Palestina etc.
Ter “candidaturas-movimento” é muito pouco em relação ao que deve ser feito. A luta contra a direita, bolsonarista ou tradicional, é uma luta política muito maior da qual as eleições são uma pequena parte, três meses num período de 2 anos. Basta ver o caso da eleição de Lula, a esquerda teve a maior vitória eleitoral possível, mesmo assim, o bolsonarismo segue forte. É preciso iniciar uma ampla mobilização das massas, como acontece na Venezuela, só assim a direita será derrotada e Lula poderá governar para os trabalhadores.