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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Coluna

‘Mistérios de São Paulo’, o romance esquecido de Afonso Schmidt

O escritor socialista e proletário da geração do modernismo completou 60 anos de morte no último dia 3 de abril

                   “Nessa história quase não aparecem nomes. Como na vida dos infelizes. Como na luta que se trava no escuro para acender as lâmpadas da terra.” (Afonso Schmidt)

Recentemente entrei num sebo e, despretensiosamente, olhando lombadas nas estantes naquela esperança de encontrar algum pequeno tesouro, me deparo com um antigo exemplar do livro Mistérios de São Paulo, de Afonso Schmidt, editora Clube do Livro, de 1955. O título era desconhecido para mim, mas o tema despertou curiosidade. Boa oportunidade para ler o grande escritor moderno brasileiro.

Quase 70 anos depois, chegando em casa, uso a Internet para pesquisar um pouco mais sobre o romance. Qual não é minha surpresa quando descubro que a obra, de tão obscura, não aparece em muitos sites de pesquisa sobre o autor, incluindo aí a Wikipedia. Interessei-me ainda mais.

Porém, o que realmente me faz escrever este artigo não foi apenas o interessante livro, sobre o qual falarei mais adiante. Ao pesquisar sobre o livro, eis que descubro que no dia 3 de abril completaram-se exatamente 60 anos da morte do grande escritor modernista.

Alguém viu alguma referência sobre isso em nossa imprensa nacional? Se viram, me avise. Mas numa pesquisa rápida não encontrei nada, a data passou em branco. O desprezo pelos personagens e pelas coisas nacionais oscila entre o simples esquecimento e o escárnio. Se é para lembrar, ou melhor, se não dá para fingir que esqueceu, melhor apontar o arsenal de calúnias e metralhar o pobre do brasileiro que decidiu, em vida, realizar alguma obra realmente importante.

No caso de Afonso Schmidt, nossa pseudo intelectualidade decidiu optar pelo primeiro caso: é melhor nem lembrar que existiu.

Não conheço bem a obra de Schmidt, para tanto, indico o artigo publicado no Dossiê Causa Operária, nº 13, da segunda quinzena de maio de 2023, com o título Um escritor da geração de 22, proletário e socialista.

Nascido em 1890, em Cubatão-SP, ele foi modernista. Mas sua atuação se confunde menos com os nomes da intelectualidade modernista do que com os jornais e publicações do movimento operário. Não que ele tenha se abstido das discussões estéticas das vanguardas, menos ainda que sua obra tenha se limitado a textos jornalísticos e panfletários.

Escreveu poesia, romances, contos. Fez tudo isso enquanto dedicava sua vida à militância política. Ligou-se primeiro aos anarquistas, contribuindo, na década de 10, para os jornais A Lanterna, A Plebe e A Vanguarda e A Voz do Povo. Em 1920, é um dos fundadores do Grupo Zumbi, um dos primeiros grupos da nova geração literária, antecedendo à Semana de 22. O grupo era abertamente comunista e levantava o nome de Zumbi, um líder revolucionário nacional que naquele momento ainda não tinha o destaque de hoje.

Entre os muitos romances, novelas e livros de contos, Schmidt se destaca pelos romances históricos Colônia Cecília: Uma Aventura Anarquista na América, de 1942, contando a história da colônia fundada por anarquistas italianos no interior do Paraná em 1890; e A Marcha: romance da abolição, de 1941, destacando os episódios mais revolucionários da luta pela abolição e, por isso, ignorados pela historiografia oficial.

Pelos poucos exemplos acima é possível entender por que Afonso Schmidt foi um escritor socialista, proletário e moderno.

E foi exatamente essa impressão que causou o livro Mistérios de São Paulo.

O romance é dividido em três partes.

Na primeira, ele retrata de maneira impecável como um trabalhador, humilhado e derrotado pela vida, acaba se envolvendo sem querer com a criminalidade. Nessa parte, o romance é rápido, a linguagem é moderna, os personagens falam a língua do povo, da rua, do submundo, dos trabalhadores.

A segunda parte é o retrato de uma família burguesa paulistana. As artimanhas do burguês que ficou rico trapaceando. Ao descrever o ambiente e a psicologia da família burguesa, Schmidt parece adotar o ritmo dos romances do século XIX, as descrições mais lentas, detalhadas e luxuosas, em contradição com a decadência de uma burguesia atrasada moral e culturalmente.

Na terceira parte, o do desfecho do mistério desenvolvido no livro, Schmidt adota a narrativa de um romance policial, cheio de reviravoltas e com final surpreendente.

Para o autor, a forma não é um mero experimentalismo pedante, mas é de fato, como deve ser, um instrumento para transmitir um conteúdo adequado. Schmidt domina com destreza esse instrumento.

Do mais, o romance já valeria à pena pelo próprio conteúdo. É um retrato da São Paulo dos anos 50 que já despontava como a grande metrópole industrial do Brasil. Trata-se de uma denúncia social muito aguda: a situação da classe trabalhadora, a função da polícia, a tortura, a situação degradante das prisões, o parasitismo da burguesia que conta com a hipocrisia da instituição religiosa.

Se os 60 anos da morte do grande escritor passou esquecido, pareceu-me uma singela forma de homenagem falar justamente sobre seu romance esquecido.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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