Mesmo órgãos de imprensa venais como O Globo precisam de esquerdistas de plantão. Assim, podem atacar e caluniar a esquerda com um verniz esquerdista, infiltrando-se, assim, no meio que lhe deveria ser hostil. É para isso, por exemplo, que a família Marinho mantém em seus quadros figuras como Elio Gaspari, cujos artigos são, com alguma frequência, reverberados pelo portal Brasil 247. Em um deles, por exemplo, é dito que “Elio Gaspari afirma que o Brasil vive neste domingo (1) ‘a festa da democracia’ com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após ‘quatro anos de tensões inúteis e administração errática’ de Jair Bolsonaro (PL)”.
Mas a verdadeira razão de ser dos colunistas metidos a esquerdistas e democráticos na imprensa burguesa não é o de defender os interesses da esquerda, naturalmente. É para os momentos em que a burguesia precisa desferir os seus ataques mais baixos contra os seus inimigos.
E é aí que entra Elio Gaspari. Em artigo publicado no dia 21 de fevereiro, intitulado A irresponsabilidade de Lula, o jornalista tenta mostrar que, apesar de o Brasil, “ao mandar Jair Bolsonaro para casa […] parecia ter se livrado de um encosto”, o governo Lula seria tão “negacionista” quanto o seu antecessor. Isto é, a “festa da democracia” que Gaspari se referia na posse de Lula, nunca significou a vitória eleitoral de um governo apoiado pelos trabalhadores. O governo Lula só mereceria o rótulo de “democrático” até o momento em que não desafiasse os interesses de Elio Gaspari – ou, melhor dizendo, de seus patrões.
O articulista finge que a divergência com Lula seria um problema meramente de apego à “história”:
“A fala de Adis Abeba teve a ver com a classificação do comportamento de Israel em Gaza como ‘genocídio’. Que as tropas de Benjamin Netanyahu cometem crimes de guerra, é certo. Genocídio é outra coisa, é um ato deliberado de exterminar um povo, esteja ele onde estiver.”
Lula, portanto, estaria equivocado porque atribuiu a “Israel” um crime que não teria cometido. É ridículo e cínico. Afinal, a grande preocupação do jornalista é com o significado de uma palavra – que, por sinal, foi corretamente empregado por Lula -, e não em impedir que uma catástrofe humanitária continue acontecendo. Benjamin Netaniahu é responsável pela morte de 30 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças. “Israel” é responsável por um total de seis milhões de refugiados, expulsos de suas terras ao longo de quase um século. Mas a grande preocupação de Elio Gaspari é com o termo que Lula usa!
Ainda que Lula tivesse empregado o termo de maneira errada, é absurdo o articulista levantar essa discussão. É absurdo chamar Lula de “irresponsável”, quando no próprio O Globo em que Gaspari escreve, há uma defesa incessante do genocídio em Gaza. É absurdo fazê-lo, quando o mesmo jornal mente todos os dias sobre o Hamas para justificar as ações de “Israel”.
O mesmo interesse cretino é defendido pelo jornal O Estado de S.Paulo em seu novo editorial, A guerra de Lula. O jornal, ao menos, não procura se fazer de “esquerdista” para “aconselhar” o presidente. O ataque é, portanto, mais direto:
“O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais – tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.”
Ao menos, é mais honesto. O Estadão aqui abre o jogo: não se trata da defesa dos “judeus” ou da “verdade histórica”. O problema da declaração de Lula é que é uma declaração que vai de encontro ao imperialismo. É uma declaração de alinhamento aos países que querem se livrar de sua ditadura.
Traduzindo, então, o que diz o Estadão: o erro de Lula foi não se curvar a Washington. Em vez de governar para o povo brasileiro, que o elegeu, melhor faria o presidente se fosse como seu antecessor e batesse continência para o presidente norte-americano.
