Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Israel: a tecnologia a serviço da guerra

O uso de tecnologia por Israel em ações de espionagem, inteligência e guerra  já é algo  habitual e tem sido extremamente  útil no contexto do genocídio em Gaz

A explosão repentina e coordenada de milhares de “pagers” – dispositivo eletrônico de comunicação pessoal – matou e feriu milhares de pessoas relacionadas com o Hesbollah no Libano  em   dezessete de setembro.

Tratou-se de um ataque hacker de Israel que , não se sabe bem como, acionou um mecanismo eletrônico que possibilitou as explosões. Há suspeitas de que os pagers poderiam conter explosivos, dada a violência e amplitude das explosões. A ação de Israel atingiu dois objetivos: atingir fisicamente os membros do Hesbollah e destruir sua rede de comunicações para facilitar uma ação militar contra ele.

O uso de tecnologia por Israel em ações de espionagem, inteligência e guerra  já é algo  habitual e tem sido extremamente  útil no contexto do genocídio em Gaza. O que já é assustador nas operações de guerra é ainda pior quando se verifica que Israel usa tecnologia contra  as pessoas comuns em todo mundo, seja para fins de espionagem, seja para obter informações em um largo espectro de atividades.

A infiltração de Israel nas redes virtuais privadas

A sigla VPN ficou recentemente conhecida por um grande contingente de pessoas que, de repente, se viram privadas do  acesso à rede social X devido à decisão do STF de bani-la do país. Ela quer dizer virtual private network  ou rede virtual privada em português. Estas redes são utilizadas no mundo inteiro por empresas ou pessoas que desejam se comunicar com proteção absoluta da sua privacidade  para evitar serem hackeadas, isto é, ter suas comunicações acessadas por estranhos, possíveis inimigos ou concorrentes.

Como é uma rede vinculada diretamente  a um servidor remoto operado pelo serviço de VPN, é possível acessar os dados como se estivesse localizado em outro pais, diferente do país em que está situado o computador que acessa a VPN.  Por essa razão, o uso da VPN permite que se possa acessar a rede X, que só foi banida no Brasil.

Estima-se que 1,6 bilhão de pessoas dependem de redes VPN para realizar as tarefas mais confidenciais online. No entanto, a maioria delas não sabe que podem estar sendo espionadas e hackeadas pela inteligência israelense.   Uma parte importante dessas redes (incluindo três das seis VPNs mais usadas) é administrada pela Kape Technologies, uma empresa que tem grandes vinculações com a inteligência israelense. O controle de redes VPN pode aumentar a influência de Israel sobre as informações e a segurança online, criando backdoors (portas de acesso secreto à rede) para a inteligência israelense realizar uma vasta operação de chantagem sobre usuários em todo o mundo.

A Anatomia de uma empresa criminosa

A Kape Technologies tem uma grande presença no universo das redes virtuais online.  Possui muitas das principais redes VPN do mundo, incluindo ExpressVPN, CyberGhost, Private Internet Access, ZenMate, Intego Antivirus e uma série de sites de tecnologia que promovem seus produtos.

Embora tenha sua sede em Londres com mais de 1.000 funcionários em todo o mundo, a Kape Technologies é uma empresa criada pela inteligência israelense. Seu proprietário é Teddy Sagi, um magnata nascido em Tel Aviv  mas cuja ficha criminal registra a passagem pela prisão devido a crimes financeiros. Ele possui uma fortuna calculada em US $ 6,4 bilhões, tornando-o um dos dez israelenses mais ricos.

Sagi tem uma longa trajetória de relação estreita com os militares israelenses. Aliás, esta relação também pode estar na origem de sua fortuna.  Em 2019, ele doou US$ 3 milhões para financiar centenas de bolsas acadêmicas para soldados israelenses , dos quais muitos deles passaram a trabalhar  em suas empresas.

Já no curso do genocídio em  Gaza, Sagi doou publicamente mais de 250.000 dólares para uma instituição do exército israelense . Quando visitou o Chipre em 2021, sofreu uma tentativa de assassinato que Israel responsabilizou o Irã .  Sua empresa Kape Technologies é conhecida pela presença de agentes da inteligência israelense. O cofundador e ex-diretor da empresa, Koby Menachemi, começou sua carreira como desenvolvedor da Unidade 8200, conhecida agência de espionagem israelense. Por outro lado, Liron Peer, o atual contador-chefe da empresa, atuou por três anos na mesma unidade de espionagem. O sucessor de Menachim como diretor de Kape, Ido Erlichman, é um veterano da Unidade 217, chamada Unidade Duvdevan, um comando de elite que conduz operações de inteligência e assassinatos seletivos contra a população árabe local.

A origem hacker

A Kape Technologies começou como Crossrider, que era considerada uma empresa de hackers  até  2018. A Crossrider era uma plataforma que permitia que seus clientes monetizassem seus aplicativos, forçando a exibição de anúncios. Os navegadores dos usuários eram manipulados, exibindo compulsoriamente uma “home page” com um mecanismo de pesquisa próprio que era utilizado para gerar receita de publicidade para a empresa.

Quando mudou seu nome para Kape Technologies, concentrou-se no mercado das VPN. Em 2017, comprou sua primeira VPN, o CyberGhost, por US$ 10 milhões. Em seguida, entrou em uma onda de compras e adquiriu várias empresas conhecidas, incluindo ZenMate em 2018 por US$ 5,5 milhões, Private Internet Access em 2019 por US$ 126 milhões e ExpressVPN em 2021 por US$ 936 milhões, a aquisição de VPN mais cara do mundo até hoje. Também comprou vários sites de análise de VPN, como vpnMentor e Wizcase, plataformas que visam promover VPNs vinculadas à inteligência israelense.

Por trás da cena

O usuário de uma VPN, confia que sua mensagens são fortemente  criptografadas  e que seus dados estão  protegidos sem que a empresa provedora acesse  a grande quantidade de informações confidenciais fornecida. Essas redes profissionais cobram preços altos por causa dessa excelência de seus serviços.

No caso da Kape Technologies isto não é verdade. O diretor de tecnologia (CTO) da ExpressVPN de 2019 a 2023, Daniel Gericke, era um grande expoente de uma equipe de espiões que invadiu os dispositivos de seus usuários. Vários militantes, jornalistas e empresários tiveram seus dados roubados e repassados- ao governo dos Emirados Árabes Unidos, que usou os dados para rastrear dissidentes e torturá-los, de acordo com a Reuters.

Gericke também foi diretor da empresa de armas Lockheed Martin. A ExpressVPN o contratou mesmo após a revelação da Reuters e continuou a apoiá-lo, mesmo depois que o Departamento de Justiça dos EUA o multou em US$ 335.000 por seu papel na operação clandestina. Gericke deixou a ExpressVPN no verão passado, após quase quatro anos no comando da empresa.

Esquadrão da Morte de Israel

Outro exemplo é o de  Ido Erlichman. Ele foi  diretor da Kape entre 2016 e 2023, é um veterano de Duvdevan, descrito pela agência de notícias Electronic Intifada como o “esquadrão da morte” de Israel. Seus membros recebem treinamento especial para se disfarçarem de palestinos, a fim de se infiltrar nos movimentos solidários e realizar execuções extrajudiciais. Tanto o processo de seleção quanto o treinamento são excepcionalmente rigorosos, e os comandos de Duvdevan geralmente passam meses ou até anos disfarçados antes de serem designados para um ataque. A vida e o trabalho dos agentes de Duvdevan foram explorados e promovidos na série Fauda, da Netflix.

A Unidade 8200 de  Israel: inteligência criminosa

A Unidade é considerada como a Universidade de Harvard de Israel, em que muitos gastam fortunas em aulas extras para poderem ser bem-sucedidos nos exames de seleção, já que isso abrirá uma grande variedade de portas para eles na florescente indústria de alta tecnologia de Israel.A Unidade 8200 é uma peça central do aparato repressivo israelense. Criou uma gigantesca rede digital que é usada para monitorar e assediar constantemente a população palestina, cujas ligações, e-mails e todos os seus movimentos são gravados pela Unidade.

A Unidade 8200 usa os dados a que tem acesso para coletar dossiês gigantescos de informações sobre os palestinos sob seu controle, incluindo seu histórico médico, vida sexual e histórico de pesquisa, para que possam ser usados posteriormente até para pura  extorsão. A permissão para cruzar os postos de controle do exército israelense  só é concedida se atender  aos pedidos dos soldados israelenses para delatar sua família, amigos e vizinhos fornecer  informações íntimas, que possam ser  usadas como isca para chantagem.

Em 2014, 43 reservistas da Unidade 8200 informaram que a unidade não faz distinção entre palestinos comuns e militantes já que os palestinos como um todo são considerados inimigos do Estado. Eles também confessaram que os dados obtidos eram repassados a políticos locais, que os usaram a seu critério.

Pegasus: a obra-prima da Unidade 8200

Os agentes da Unidade 8200 produziram muitos dos aplicativos mais baixados do mundo, incluindo o serviço de mapeamento Waze e a plataforma de comunicações Viber. No entanto, o mais importante até o momento foi o aplicativo espião Pegasus.

O Pegasus é um software de espionagem classificado como um spyware, projetado para se infiltrar em dispositivos móveis (iOS e Android) e coletar informações de forma secreta. O Pegasus pode infectar um dispositivo através de ataques de “zero clique”, ou seja, sem que o usuário precise clicar em um link ou baixar um arquivo. Isso pode ocorrer por meio de vulnerabilidades no sistema operacional ou em aplicativos populares.

Uma vez instalado, o Pegasus pode acessar praticamente todas as informações do dispositivo, incluindo mensagens de texto, e-mails, histórico de chamadas, localização GPS, e até mesmo dados de aplicativos de mensagens criptografadas como WhatsApp e Signal23. O software permite que o invasor ative remotamente o microfone e a câmera do dispositivo, transformando-o em um espião de bolso. Isso possibilita a gravação de conversas e a captura de imagens sem o conhecimento do usuário.

Além de coletar dados, o Pegasus pode monitorar em tempo real as atividades do dispositivo, interceptando comunicações e rastreando a localização do usuário continuamente.

O Pegasus é usado para espionar milhares de pessoas em todo o mundo  como Jornalistas, defensores dos direitos humanos e inimigos do governo. Os veteranos da Unidade 8200 venderam o Pegasus para alguns dos governos mais reacionários do mundo. O primeiro-ministro indiano Narendra Modi, por exemplo, usou o aplicativo para obter informações comprometedoras sobre seus oponentes políticos.

Os compradores conhecidos do Pegasus incluem a CIA, bem como os governos dos Emirados Árabes Unidos, Panamá e Arábia Saudita. Este último o usou para vigiar o jornalista do Washington Post Jamal Khashoggi antes de ser morto por agentes sauditas na Turquia. Todas as vendas da Pegasus tiveram que ser aprovadas pelo governo israelense, que aparentemente teve acesso aos dados que os clientes estrangeiros da Pegasus acumularam.

Colaboração do Facebook com a Unidade 8200

A colaboração do Facebook com a Unidade 8200 é muito mais profunda. Um grande número de veteranos da Unidade 8200 passou a trabalhar em cargos seniores na Meta, empresa controladora do Facebook.

O mais importante é Emi Palmor, um veterano do exército israelense e ex-diretor-geral do Ministério da Justiça. Palmor é uma das 21 pessoas no Conselho de Supervisão da Meta, o órgão que controla a direção política do Facebook, Instagram e Threads, e censura o conteúdo. Um veterano da espionagem israelense influencia o conteúdo que bilhões de usuários veem (ou não veem), incluindo o ataque de Israel a Gaza, um tópico sobre o qual o Facebook silenciou vozes de solidariedade com a Palestina.

Os veteranos da Unidade 8200  criaram VPNs espiãs. Em 2013, o Facebook comprou o Onavo Protect e o promoveu para seus bilhões de usuários. Quem baixou não sabia que o Onavo, um aplicativo de VPN, estava sendo usado para monitorá-los e ajudar o Facebook a dominar o mercado. Depois que o escândalo se tornou público, o Facebook removeu o Onavo da loja de aplicativos e, a partir de 2019, o produto parou de funcionar.

Google e Microsoft

A mesma investigação encontrou pelo menos 99 ex-agentes da Unidade 8200 trabalhando no Google. Entre eles estavam o chefe de estratégia e operações do Google, Gavriel Goidel, seu chefe de informações, dados e gerenciamento, Jonathan Cohen, e o chefe global de autoatendimento do Google, Waze, Ori Daniel.Por sua vez, a Microsoft contratou pelo menos 166 veteranos da Unidade 8200 para sua força de trabalho, incluindo muitos que foram diretamente do exército para a empresa.

O imperialismo vigia todo mundo

A relação muito íntima entre  a inteligência israelense e a CIA faz com que qualquer informação vital sobre a população em Gaza ou qualquer outro lugar do mundo é logo compartilhada por estas agências. O Mossad, serviço secreto criminoso de Israel. recentemente esteve por trás de uma condenação de um brasileiro a vários anos de prisão por “terrorismo a favor do Hezbollah”.

É uma ilusão julgar que as informações que compartilhamos na Internet são absolutamente protegidas pelas empresas operadoras e prestadoras de serviços especializados, como as VPN. As redes sociais impedem que divulguemos denúncias contra Israel e EUA, e ao mesmo tempo, obtém todas informações que eventualmente disseminamos na rede.

É importante que o projeto, anunciado recentemente, de criação de redes sociais dos países dos BRICS seja levado adiante no mais curto prazo possível. Embora muitos dos seus integrantes sejam regimes autoritários, seus interesses próprios se chocam com os do imperialismo e  permitem uma proteção contra o inimigo comum, que pode estar  usando nossos dados e informações contra nós e nossos países oprimidos pelo imperialismo.

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