A morte de Alexei Navalny na última sexta-feira (16) veio em momento oportuno para o imperialismo. No dia de seu falecimento, as Forças Armadas ucranianas sofriam derrota decisiva em Advivca ao mesmo tempo, em que representantes de diversos países imperialistas — e seus vassalos — dirigiam-se a Munique, na Alemanha, para a Conferência de Segurança de Munique. Navalny, que estava há muito afastado das manchetes dos grandes jornais imperialistas, voltou a ser destaque com direito à participação de sua esposa, Iuliya Navalnaya, na conferência, onde políticos importantes fizeram fila para oferecer-lhe condolências.
O famoso opositor do atual presidente russo, Vladimir Putin, esteve pela última vez sob os holofotes da imprensa internacional em agosto de 2020, quando foi vítima de uma suposta tentativa de envenenamento por parte do governo russo. Após o fracasso em assassiná-lo, Navalny foi levado à Alemanha, onde seu caso foi tratado ao longo de constante campanha contra o governo russo, seus “agentes” e o poderoso veneno Novischok, como se Putin fosse tolo a ponto de usar uma substância sabidamente desenvolvida na Rússia para assassinar seus opositores. A história muito mal verificada pelos porta-vozes do imperialismo — o governo russo e o hospital que tratou Navanlny em Omsk manteve sua posição de que não houve tentativa de envenenamento — terminou com o retorno voluntário de Navalny ao seu país em janeiro de 2021
Se imaginava que seria recebido como um herói, foi julgado, condenado e preso pela justiça russa sob acusações de fraude e “extremismo”. Seus apoiadores eram muito minoritários, restritos a grandes centros urbanos, como São Petersburgo e Moscou. Sem vistas de potencial de desestabilizar o governo de Putin, o herói da democracia russa foi esquecido na prisão para onde foi levado, apenas para ser lembrado, agora, com sua morte.
E como foi lembrado. Foi talvez o principal destaque da Conferência de Segurança de Munique. O primeiro a se pronunciar foi, naturalmente, Volodimir Zelenski, o presidente ucraniano. “Obviamente ele [Navalny] foi morto por Putin. Como tantos outros milhares que foram torturados”, declarou Zelenski, acrescentando que o presidente russo deveria “perder tudo e ser responsabilizado por suas ações”.
Sua esposa, que convenientemente estava na conferência, declarou que ao receber a notícia do falecimento de seu marido, não sabia se voltava para ficar com seus familiares ou se fazia um pronunciamento. “Mas então pensei, ‘O que Alexei faria?’ e tenho certeza que ele estaria aqui”, acrescentou Iuliya Navalnaya.
O ex-embaixador dos Estados Unidos para a Rússia, também presente na conferência, teve uma reação mais emocionada. “Você deve estar de brincadeira”, disse Michael McFaul aos jornalistas que o informaram do acontecido. McFaul desculpou-se pela reação e disse que Navalny era seu amigo, algo totalmente esperado de um político com propósitos tão evidentemente pró-imperialistas na Rússia.
A vice-presidente norte-americana, Kamala Harris, cravou: “a Rússia é responsável”. O secretário de Relações Exteriores britânico, David Cameron, reforçou a posição de Harris e da maioria dos representantes de governo em Munique e declarou que “Putin deveria ser responsabilizado pelo que aconteceu”. “Ninguém deveria duvidar da natureza perversa de seu regime”, acrescentou.
O presidente norte-americano, Joe Biden, não estava presente em Munique, mas deu uma declaração mais tarde, no mesmo dia. Quando perguntado por jornalistas em coletiva de imprensa se faria valer seu comentário de três anos atrás de que Putin enfrentaria consequências “devastadoras” se Navalny morresse na prisão, Biden respondeu: “isso foi três anos atrás. Enquanto isso, eles enfrentaram muitas consequências”, referindo-se às sanções econômicas aplicadas sobre a Rússia.
Segundo reportagem da Associated Press, ainda se pronunciaram o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak; o chanceler alemão, Olaf Scholz; o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg; o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau; o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez; e o presidente francês, Emmanuel Macron, que declarou em suas redes sociais que “na Rússia de hoje, espíritos livres são enviados para o gulag e condenados à morte”, em referência aos campos de concentração da era stalinista da União Soviética.
Curiosamente, a repercussão na Rússia parece ter sido menor que no cenário internacional. A própria resposta de Biden, chefe de Estado do país mais importante do bloco imperialista, da a entender que nada será feito, finalmente as sanções econômicas mais severas possíveis já foram aplicadas à Rússia e uma escalada implicaria uma ação militar, inviável nesse momento de crise mundial e debilidade imperialista.
Navalny parece ser útil para o imperialismo apenas quando sua vida está em risco, como no envenenamento, ou quando é vítima de um acidente fatal. Sua força política não tem o poder de desestabilizar o governo russo, mas será usada para mobilizar a opinião pública internacional em favor de mais apoio militar à Ucrânia, em oposição à Rússia autoritária assassina de prisioneiros políticos. O governo russo sustenta a tese de um problema de saúde, dado que o prisioneiro aparentava estar bem no dia anterior ao falecimento quando participou de uma audiência.
Diante dessa morte oportuna, teriam sido os russos os responsáveis pelo assassinato? É difícil enxergar um ganho político para Putin nas atuais circunstâncias. Uma coisa é certa: as únicas lágrimas potencialmente verdadeiras de Munique devem ter sido as da esposa de Navalny. Como diria o falecido Henry Kissinger: “pode ser perigoso ser inimigo dos Estados Unidos, mas ser seu amigo é fatal”.