Neste domingo, dia 14 de janeiro, em seu perfil da rede social X, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que as “iminentes tragédias” no Rio de Janeiro seriam fruto dos “efeitos de racismo ambiental e climático”. A declaração se referia as consequências das chuvas que, desde o dia 13 até o momento da declaração da ministra vitimaram 11 pessoas.
Ao que parece, os identitários descobriram que São Pedro é racista. A afirmação descolada da realidade, chegando ao cômico, seria prontamente ignorada se não partisse de uma ministra de Estado.
Como outros desserviços dos identitários, a fala repercutiu nas redes sociais, servindo para desmoralizar o governo Lula. Esse foi o caso do advogado do ex-presidente golpista Jair Bolsonaro (PL), Fabio Wajngarten, que debochou: “Alguém me explica o que é ‘racismo ambiental e climático’? É da mesma série do racismo dos estádios em final de campeonato?”.
O que ocasionou as mortes foi a chuva, e a chuva é um fenômeno natural. Não se pode atribuir nenhuma intenção ou discriminação por isso, a não se que Anielle Franco e demais identitários acreditem haver alguma entidade sobrenatural que controle a chuva, e que ela seria racista.
Entretanto, se Anielle se refere ao fato de que os danos ocasionados pelas chuvas poderiam ser controlados, ou minimizados pelos humanos, e não são, a causa também não é o racismo, mas os bancos. Neste ponto, chegamos ao cerne da questão: são os bancos que sugam quase todos os recursos dos cofres públicos, deixando basicamente nada para o atendimento das necessidades da população.
O trabalho humano em infraestrutura é a única forma de impedir os danos causado por fenômenos naturais. Ocorre que, para os capitalistas, é mais lucrativo especular com os recursos que investir em infraestrutura, resultando que os estados reféns destes não fogem a essa política.
A antropóloga e pesquisadora da Divisão de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Myanna Lahsen, explicou ao veículo Poder 360, o que seria o racismo ambiental.
“Significa que quem está mais exposto aos riscos de fenômenos naturais são pessoas pobres que moram em locais mais vulneráveis e sem infraestrutura para se proteger contra os elementos como enchentes e deslizamentos.” Afirma Lahsen.
“As tendências para esses eventos aumentaram com as mudanças climáticas. Junta isso à desigualdade pré-existente e quem paga a conta com a vida e as perdas são as pessoas que menos aguentam”. Completa Lahsen.
O fato, na verdade, é que as cidades brasileiras não têm uma infraestrutura mínima. Bons exemplos são os serviços de saneamento básico, 16% não tem acesso à água tratada e 47% não tem acesso à rede de esgoto. Ao menos 2,9% da população brasileira não tem acesso à rede elétrica, e em São Paulo, a cidade mais rica do País, tem ocorrido os desmoralizantes “apagões”.
A privatização desses setores entregou um dos piores serviços possíveis, a custos inimagináveis. Acarretando que 45% dos consumidores já atrasaram contas de energia, água ou gás em razão dos altos custos.
O cerne do problema é a falta de desenvolvimento das cidades em razão da ausência de investimento em infraestrutura. Nossas cidades estão extremamente sucateadas, chegando ao extremo em algumas localidades conterem áreas de alto custo, que não tem partes da infraestrutura de saneamento básico, como rede de esgoto.
Diante desse quadro, as redes de drenagem urbana das águas pluviais são basicamente inexistentes, insuficientes ou meramente adereço não funcional. Em nenhuma cidade brasileira, há um processo de controle e gerenciamento das águas da chuva totalmente funcional ou que abranja a totalidade de seu território.
Não é incomum encontramos lâminas de água e até alargamento em bairros nobres, o que dirá em periferias.
A única discussão séria que podemos fazer acerca desse tema é sobre qual o destino do orçamento publico. Em vez de um racismo de seres imaginários que controlariam a chuva, é preciso questionar por que persiste uma política que destina 51% do orçamento público federal para pagamento e amortização da “dívida pública”, enquanto nossas cidades não têm infraestrutura mínima. Ignorar essa discussão, como fazem os identitários, serve apenas aos interesses dos capitalistas que lucram com a manutenção dessa situação.