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Coluna

Fredric Jameson e a crítica cultural materialista

Acadêmico marxista norte-americano, falecido essa semana, foi um dos criadores dos Estudos Culturais

Faleceu no dia 22 de setembro, aos 90 anos, o crítico e professor norte-americano Fredric Jameson. Seu trabalho teórico cobre especialmente as últimas décadas do século XX, período que ele categorizou no livro, de 1991, Pós-modernismo, ou a lógica cultural do capitalismo tardio.

Conheci seu pensamento porque ele faz parte da base teórica dos Estudos Culturais, linha de pesquisa do Departamento de Inglês, da FFLCH-USP, onde fiz meu doutorado entre os anos de 2016 e 2021.

Ao lado de teóricos como Terry Eagleton, Raymond Williams, David Harvey, Parry Anderson e outros, Jameson representa uma linha teórica marxista de língua inglesa que cobre os últimos 50 ou 60 anos.

Meus anos no doutorado coincidem também com a chegada do bolsonarismo ao poder e minha aproximação com o PCO. Isso se deveu porque as redes sociais me levaram à Análise Política da Semana e, desse encontro semanal com o Rui Costa Pimenta, ao mundo das lives, como as do canal 247.

Minha busca por novas informações estava na base marxista que eu ainda não tinha para entender as exigências teóricas do meu próprio trabalho. Hoje, reconheço que a Análise Política da Semana e o pensamento materialista e dialético de Rui Costa Pimenta foram importantes atalhos para eu desenvolver a minha tese.

Na academia, na estruturação científica da pesquisa, seguimos o que nossos orientadores nos solicitam. O pensamento materialista e dialético de Jameson é inquestionável e bastante erudito. Ele era um teórico que conseguia refutar pensadores e mostrar erros epistemológicos, como o próprio Karl Marx fez em seu tempo.

Seu trabalho teórico está focado na análise das manifestações culturais, como o cinema, como criações políticas conscientes ou inconscientes (aqui entra Freud) que desvelam os truques da ideologia capitalista. Elas são como sintomas para se compreender um determinado ponto no tempo da conjuntura capitalista, ou seja, como a base, a infraestrutura econômica, interferindo na subjetividade do artista e fazendo-o imaginar sua arte, acaba por expor suas próprias contradições.

Um de seus artigos foi muito importante para o meu trabalho. Trata-se de Classe e alegoria na cultura de massa contemporânea: Um Dia de Cão como filme político. Esse texto começa assim:

“Um dos leitmotive a que o repertório ideológico do liberalismo recorre, e um dos argumentos antimarxistas mais eficazes desenvolvidos pela retórica do liberalismo e do anticomunismo, é a noção do desaparecimento das classes. Em geral, esse argumento é transmitido sob a forma de observação empírica, mas pode assumir uma enorme variedade de formas, as mais relevantes para nossa análise são o recurso ao argumento do desenvolvimento único da vida social nos Estados Unidos (o chamado excepcionalismo americano) e a noção de um rompimento qualitativo, um salto gigantesco dos velhos modelos industriais para o que atualmente veio a ser denominado sociedade “pós-industrial”.

Escolhi esse trecho específico porque ele é espetacular em suas poucas linhas. Isso se deve ao fato de que foi escrito em 1977. Naqueles anos, Jameson já tecia uma crítica – e tinha espaço para tanto – aos círculos acadêmicos que defendiam teses pseudo progressistas de que a luta de classes havia sido superada. 

O texto segue com uma análise de um filme lançado naquele ano, Um dia de cão, de Sidney Lumet, com Al Pacino, sobre um assaltante de banco que precisa de dinheiro para pagar a cirurgia de mudança de sexo de seu namorado.

O texto de Jameson é o mais antigo, ao menos que eu conheço, a fazer uma crítica ao identitarismo ou cultura woke, que obviamente não tinha esse nome na época. Essa lucidez com o próprio momento histórico só é possível com o domínio do pensamento materialista, histórico e dialético como ciência. Esse é seu grande legado: ele criou uma forma de crítica cultural totalmente nova na academia.

Agora, em 2024, fica fácil compreender suas palavras com exatidão. Nosso próprio momento histórico mostra como sua crítica de 50 anos atrás estava certa. O argumento liberal acadêmico gerou o que vemos aí:  a sociedade “pós-industrial” norte-americana criou a China, a cultura identitária criou genocidas como Kamala Harris e a luta de classes “superada” está virando rapidamente a III Guerra Mundial.

Falando um pouco da minha perspectiva acadêmica e política, não é possível deixar de perceber que o rigor científico de Jameson só é possível pelo método de análise escolhido e o recorte histórico preciso. Sua ciência materialista é política, como é científica a política do PCO. Ambos se juntam em uma única e singela frase: “eu avisei”.

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a deste Diário

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