Em 2019, o governo federal, dirigido por Bolsonaro, criou o programa que permitia escolas convencionais a migrarem para o modelo “cívico-militar”. Calcada na ideia de que as escolas convencionais não ofereciam condições disciplinares ou de segurança para os estudantes, o projeto do governo federal durou de 2020, até 2023, quando foi descontinuado pelo governo Lula. A falta de dados comprovando a melhora dos indicadores educacionais, além do elevado custo, foram os principais motivos dados para o fim do programa. No estado de São Paulo, o governo do Bolsonarista Tarcísio de Freitas, visa manter o mesmo programa através de lei estadual.
O Projeto de Lei Complementar nº 9 /2024, aprovado no dia 21 de maio, é basicamente o mesmo projeto instituído pelo governo federal, mas agora em escala estadual. Aprovado em sessão extraordinária da câmara estadual, os trabalhadores paulistas pouco puderam discutir os efeitos que o projeto (agora aprovado) representa.
Publicado no dia 08 de março, o projeto de lei complementar tramitou em regime de urgência e em pouco mais de dois meses de seu início já se encontra aprovado. O núcleo operacional do projeto, segundo a exposição dos motivos presente em seu texto, é da cooperação entre a secretaria de educação estadual e a secretaria de segurança pública, onde a primeira seria responsável pela ementa escolar, enquanto a última seria responsável pela disciplina e “valores” pautados no projeto.
Esses “valores”, que são descritos no texto como “amor à pátria e aos símbolos nacionais”, assim como o “civismo”, são formas alegóricas de descrever uma verdadeira operação ideológica contra as crianças e jovens paulistanos. Se tomarmos como exemplo os colégios militares em existência, os casos relatados de abusos , além do alinhamento ideológico com tudo que é antinacional, sobraria apenas a bandeira verde e amarela e o hino nacional como representantes do “nacionalismo” dos militares (policiais ou não) brasileiros.
Não por acaso, na sessão de aprovação do projeto de lei complementar, estudantes e até mesmo deputados estaduais foram agredidos pela mesma polícia militar que será responsável por cuidar das crianças paulistanas nas escolas cívico-militares. O bolsonarismo “moderado” de Tarcísio, como a imprensa brasileira taxou, apresenta-se igual ao bolsonarismo “radical” do ex-presidente. A UBES — União Brasileira de Estudantes Secundaristas — que estava presente durante a votação, além de ter seus militantes agredidos por simplesmente protestarem contra o projeto, teve sua conta no Instagram censurada pelo “democrático” poder judiciário.
Ora, se as escolas cívico-militares não garantem a segurança dos estudantes, nem uma disciplina que seja favorável ao aprendizado, restam então os altos índices educacionais dos colégios militares, como aponta o texto em sua justificativa para a aprovação do projeto. No entanto, o que pouco se divulga é que os motivos que levam a escalada dos índices estão relacionados ao investimento público na educação, o que não se confunde com a gestão militar. Diminui-se o número de estudantes por sala, amplia-se o quadro de professores, a escola adquire novos materiais; além disso, o universo de estudantes atendidos pelos colégios militares tradicionais são, em sua maioria, filhos de militares, que compõem os setores de renda média no país. Ou seja, tirando a disciplina militar, poderia estar descrevendo qualquer aumento de investimento na educação. No entanto, o projeto em larga escala não preve esse aumento.
A tentativa do governador Tarcísio de instituir as escolas cívico-militares ao nível estadual falhará. Não porque o projeto não será aprovado — afinal, já o foi —, ou porque a secretaria de educação se recusará a implementá-lo. Simplesmente, os custos para este projeto não condizem com os interesses expressos no orçamento do Estado, pois cada estudante de escolas cívico-militares custa 3 vezes mais que um estudante comum para o erário, segundo dados do Ministério da Educação. Nesse sentido, o projeto de militarização das escolas públicas não poderá — com a atual distribuição orçamentária — cobrir sequer 10% das instituições de ensino do estado.
O resultado desse projeto será a criação de enclaves militares em áreas (segundo o texto) de alto índice de violência no estado de São Paulo. Essas novas escolas servirão, por tanto, como uma forma de penetrar o bolsonarismo profundamente nas áreas mais empobrecidas do estado, analogamente às igrejas neopentecostais. O projeto de escolas cívico-militares em São Paulo, assim como foi tentado ao nível nacional, passa longe de resolver os profundos dilemas da educação brasileira, mas serve perfeitamente como projeto ideológico de “fascistização” da população.
Sem um projeto educacional alternativo, o debate se restringe a manter a horrível educação pública estadual como está, ou fascistizar o ensino. Com o avanço da extrema direita e sua sanha raivosamente anticomunista e subserviente aos países capitalistas desenvolvidos, os setores de esquerda se acomodaram em uma crítica que ataca a quantidade dos investimentos em educação, contratação de professores e técnicos e investimento em infraestrutura; mas que não se permite passar para um debate qualitativo sobre qual escola queremos, qual projeto educacional desejamos, qual cidadão queremos formar. Os custos políticos dessa inação resultam em soluções como a apresentada pelo governador do estado de São Paulo.