Mesmo antes de completar um mês como novo presidente argentino, Javier Milei hoje já não deixa dúvidas de que veio para impor uma verdadeira ditadura contra a população do país sul-americano. No próprio discurso de posse, Milei prometeu uma política “de choque” contra os trabalhadores argentinos e deixou claro que a situação iria “piorar”.
Milei não ficou apenas no discurso. Sua ministra de Segurança Pública, Patrícia Bullrich, já anunciou que quem protestasse contra o governo iria ter seus benefícios sociais suspensos. Há poucos dias, Milei enviou para o Congresso um projeto duríssimo de repressão, que nem a ditadura militar brasileira foi capaz de propor. Entre as medidas, está a proibição de que mais de duas pessoas se reúnam em local público sem que haja uma autorização prévia do Estado!
Não bastasse todo o caráter profundamente antidemocrático do governo Milei, que bem poderia, na verdade, ser chamado de fascista, uma vez que visa esmagar completamente o movimento operário, merece ainda destaque um outro aspecto da situação política argentina. Patrícia Bullrich foi a candidata do macrismo nas eleições presidenciais de 2023 – isto é, a candidata de confiança do imperialismo. É o imperialismo, portanto, e não Milei isoladamente que está promovendo uma ditadura contra o movimento operário e popular argentino.
E há mais. Recentemente, o jornal paranaense Gazeta do Povo elogiou as medidas econômicas de Milei, sem fazer qualquer crítica às suas medidas repressivas. Merece destaque, também, que o Estado de S. Paulo, um dos mais tradicionais porta-vozes da burguesia brasileira, procurou disseminar uma calúnia contra Lula envolvendo a candidatura do candidato peronista argentino Sérgio Massa, mostrando, indiretamente, que a classe dominante brasileira também estava “fechada com Milei”.
O apoio do imperialismo à política de Milei faz com que sua ditadura não seja um acontecimento isolado, mas sim uma orientação do imperialismo para a América Latina. A recente cassação dos direitos democráticos de Evo Morales, proibindo o ex-presidente boliviano de se candidatar nas próximas eleições, é a confirmação de que há uma nova ofensiva reacionária em curso.
Vale destacar, ainda, que, mesmo após a vitória de figuras como Juan Arce, na Bolívia, e Alberto Fernández, na Argentina, que representaram, de maneira muito branda, uma reação à primeira onda de golpes de Estado, que levou à derrubada do governo Dilma Rousseff, no Brasil, Fernando Lugo, no Paraguai, e à derrota da frente ampla uruguaia e do kirchnerismo argentino; o imperialismo organizou um golpe de Estado no Peru que hoje evolui também como uma ditadura de características fascistas.
Diante dessa nova onda, que, com toda a certeza, se espalhará sobre os demais países latino-americanos, fica a pergunta: a esquerda estará preparada para reagir?
É consenso que a esquerda não estava preparada para reagir à primeira onda – tanto que ela resultou em inúmeros golpes. O caso Milei, por sua vez, mostra que o filme está para se repetir. Durante o processo eleitoral argentino, este Diário, por repetidas vezes, alertou que, caso Milei vencesse as eleições, daria um golpe de Estado. Essa caracterização, que não foi compartilhada pela esquerda argentina, era decisiva para a luta contra a candidatura de Milei, pois implicava em uma frente de luta dos trabalhadores argentinos diante da ameaça. Essa frente não se constituiu, em grande parte porque a esquerda argentina, incapaz de ver o golpe à sua frente, tinha receio de que uma mobilização nacional contra Milei levasse ao fortalecimento do peronismo.
Trata-se da mesma política de partidos como o PSTU no Brasil que, diante do golpe de 2016, saiu às ruas pelo “Fora todos”, mostrando estar mais preocupado em roubar os espólios do PT, que estava sendo derrubado, do que propriamente impedir um golpe de Estado.