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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Eleições no Reino Unido: ser ou não ser?

"A crise do capitalismo inglês ainda terá novos desdobramentos em prazo não muito longo"

As recentes eleições no Reino Unido mostram a enorme crise política que afeta os regimes dos países imperialistas. O Partido conservador, que dominou o parlamento inglês por mais de uma década, foi derrotado de forma avassaladora em eleições convocadas pelo próprio primeiro-ministro deste partido. Foi um enorme e tardio repúdio a um governo que causou grandes danos ao país ao forçar a saída do Reino Unido da Europa e ao implantar um austericídio que paralisou a economia inglesa. O partido Conservador se transvestiu de extrema direita, adotou todas as políticas desta tendência durante a pandemia, e no pós-pandemia não adotou nenhuma medida de incentivo à economia para a volta à normalidade. 

Foi o governo inglês, sob o comando do Partido Conservador, que durante este período se tornou o virtual causador da guerra na Ucrânia, ao impedir que o governo desse país desse continuidade às conversações de paz com o governo russo. Entre todos estes crimes, talvez o mais indigno tenha sido o cerco à embaixada do Equador, impedindo o asilo de Assange no país latino americano. Além disso, fez acordo com o governo traidor do Equador para que esse cassasse o asilo concedido a Julian Assange e, com isso, pudesse determinar a prisão ilegal do criador do WikiLeaks durante mais de cinco anos. Adotou políticas xenófobas em relação aos requerentes de asilo e destruiu os serviços públicos básicos, como o Serviço Nacional de Saúde (NHS). Finalmente, tem sido um fiel e dedicado aliado do governo do demente Biden em todas as suas políticas criminosas, seja no genocídio em Gaza, seja no apoio à guerra na Ucrânia e como o único governo que apoiou os EUA no bombardeio retaliatório do Iêmen. 

Não estão, no entanto, os trabalhadores ingleses livres de um governo inimigo de seus interesses, apesar de agora ser dirigido pelo Partido Trabalhista. A atual direção do Partido Trabalhista foi a responsável pelo trabalho sujo de perseguir e eliminar a direção anterior do partido de Jeremy Corbyn, que tinha uma característica de esquerda, e preparar sua transformação em partido também defensor das políticas criminosas do imperialismo.

O Partido Trabalhista teve a maior vitória eleitoral parlamentar de todos os tempos, tendo mais do que dobrado sua representação na Câmara Baixa. O partido mudou sua fisionomia política, o que, junto com a rejeição das políticas mais exóticas do governo conservador, garantiu que se tornasse o partido do governo, com uma das maiores maiorias da história britânica. Os dirigentes conservadores foram todos derrotados: o ministro da Defesa, o secretário de Educação, a líder da Câmara dos Comuns e até a ex-primeira-ministra Liz Truss perderam suas cadeiras no parlamento. Ao todo, oito ministros do governo de Rishi Sunak foram derrotados, uma dizimação recorde da liderança conservadora até então governante do país.

No entanto, a vitória do Partido Trabalhista parece ser mais o produto de uma vasta rejeição dos eleitores aos conservadores do que um apoio real aos trabalhistas e suas prioridades políticas. O resultado não reflete, de forma alguma, um grande aumento na votação geral do Partido Trabalhista. Pelo contrário, o Partido Trabalhista obteve 40% em 2017, quando os conservadores ganharam a reeleição na primeira votação pós-Brexit. Agora, numa eleição que não mobilizou a totalidade do eleitorado, o Partido Trabalhista obteve menos de 35% dos votos. Ocorre que a Inglaterra adota o sistema eleitoral distrital e como resultado a dispersão do voto por centenas de distritos eleitorais e à natureza fragmentada do voto não-trabalhista, resultou em uma das eleições mais desiguais da história eleitoral do Reino Unido.

Em 1997, quando Tony Blair enterrou 18 anos de governo do Partido Conservador, 45% do eleitorado apoiou o Partido Trabalhista, dando ao novo governo uma maioria de 179 cadeiras. Quase trinta anos depois, o líder trabalhista Sir Keir Starmer será o novo primeiro-ministro, com uma maioria quase idêntica à de Blair — mas com apenas 35% de apoio popular.

A vitória dos trabalhistas foi a consequência do pior governo da história da Inglaterra , que provocou a implosão do partido conservador. O partido de extrema direita, o Partido Reformista, liderado por Nigel Farage, roubou o voto do partido conservador em vários distritos que, afinal , elegeram deputados trabalhistas. E a vitória trabalhista foi facilitada pela estratégia de mudar tudo para não mudar nada, impulsionada por Sir Keir Starmer. Ele resumiu seu programa político a mudanças administrativas, como reduzir os tempos de espera do Serviço Nacional de Saúde , por exemplo, ou aumentar ligeiramente o salário mínimo. 

Essa postura exageradamente branda contrasta com uma importante vitória parlamentar: Corbyn, que concorreu como independente depois de ser expulso por Starmer em 2020, foi reeleito, derrotando um candidato trabalhista. Esse fato vai provavelmente complicar as coisas para Starmer, criando uma possibilidade de confronto político permanente nos debates do parlamento. Apesar da liderança de Starmer ter um grande apoio na bancada do partido, o governo é construído sobre bases instáveis, não oferecendo nenhuma perspectiva real de redução dos infortúnios que vive hoje a classe trabalhadora inglesa. Isso sem falar na ameaça do Partido Reformista de Farage, que pode crescer também em função da quase certa frustração do eleitorado britânico.

Na verdade, os eleitores do Reino Unido acabam de eleger outro Tony Blair. Os trabalhistas (ex-sociais-democratas e agora nem isso) apresentam um programa eleitoral muito semelhante ao dos conservadores. Não há uma única menção crítica à OTAN, à nacionalização de serviços básicos que em mãos privadas foram um verdadeiro desastre, nem qualquer questionamento da coroa ou da política imperialista do Reino. Além disso, sua posição sobre o genocídio de Israel teve péssima repercussão, seja na enorme comunidade árabe do país, seja nos trabalhadores ingleses. As gigantescas mobilizações nas ruas não tiveram o apoio do trabalhismo, que aparece muito ligado ao sionismo.

O novo governo tem muito boas relações com a City de Londres e se distancia do campo popular e da solidariedade para com o povo palestino. Não é à toa que o último líder do Partido Trabalhista e candidato a primeiro-ministro, Jeremy Corbyn, expulso pelas suas ideias “de esquerda”, foi vitorioso no seu distrito eleitoral como independente, enfrentando trabalhistas e conservadores. 

A personalidade política de Starmer é de uma pessoa ligada diretamente ao imperialismo, apontada pelo site Grayzone como ligado ao Mi6. Outra denúncia do site é que Starmer teria boas relações com Jimmy Savile que foi denunciado após sua morte como predador sexual e que Starmer teria sido responsável por destruir os processos contra Savile. Apesar destas relações “na sombra’, ele se apresenta como de centro-esquerda tendo defendido na campanha , além de investimentos no Serviço Nacional de Saúde, abolição do pagamento de mensalidades nas Universidades, aumento de impostos para os mais ricos e combate à evasão fiscal. Prometeu também por fim às medidas de austeridade dos conservadores e aumentar gastos sociais. Como é um típico político burguês, não se deve levar muito a sérios estas promessas. Além disso, é um defensor da guerra da Ucrânia e do genocídio em Gaza.

E a economia, estúpido?

A contagem oficial determinou que a distribuição dos deputados ficou assim: o Partido Trabalhista 411 ; Conservadores 121; Liberais Democratas 72; Partido Nacional Escocês 9; Sinn Féin 7; Reformista do Reino Unido 5; Partido Unionista Democrático 5; Partido Verde 4; Xadrez Cymru 4; Partido Social-Democrata e Trabalhista 2; Aliança 1; Partido Unionista do Ulster 1; Voz Unionista Tradicional 1; O Orador 1; Partido dos Trabalhadores da Grã-Bretanha 0; Independentes 6. A maioria no Parlamento é obtida com 326 deputados., de um total de 650.

Em qualquer caso, o próximo Governo, segundo o portal de investigação Bloomberg “será encurralado por uma dívida elevada, taxas de juro elevadas e baixo crescimento”. O Instituto de Estudos Fiscais (IFS) acredita que, para cumprir o orçamento, o novo Governo terá de escolher entre opções muito complicadas como a redução dos cortes “dolorosos” na despesa com serviços públicos ou o aumento dos impostos, que já estão próximos a máximos de quase 80 anos. Paul Johnson, chefe do IFS, salienta que “o dinheiro está escasso. Os serviços públicos são precários, os impostos estão em níveis historicamente elevados e o governo vai ser cobrado pelas suas promessas claras de reduzir a dívida.”

  O Reino Unido, que está entre as 10 maiores economias do mundo, tem sido um dos países mais afetados pela crise econômica, em função da política econômica adotada pelo governo conservador, e estruturalmente resultante das exigências do imperialismo norte-americano de impedir que a Europa continuasse mantendo proveitosas relações econômicas com a Rússia, o que levou a uma grande crise energética com o atentado terrorista dos EUA contra os gasodutos de Nord Stream 1 e o impedimento do Nord Stream 2.

O governo conservador liderou a iniciativa europeia de impor medidas de rompimento das relações econômicas com a Rússia, o que provocou uma espécie de “efeito bumerangue” contra a sua economia. O país entrou em recessão técnica no final de 2023, após dois trimestres consecutivos com resultados negativos. Embora no período de fevereiro a abril de 2024 o Produto Interno Bruto (PIB) tenha crescido 0,7% em relação aos três meses anteriores, a produção industrial caiu 0,9% após um aumento de 0,2% em março.

Os dados oficiais refletem que o setor da construção civil contraiu 1,4% em Abril, a terceira queda mensal consecutiva, e caiu 2,2% entre Fevereiro e Abril deste ano. Um estudo do Instituto Nacional de Investigação Econômica e Social (NIESR) garante que a décima parte das famílias britânicas mais pobres sofreu uma redução de 18%, quase um quinto do seu rendimento desde 2019.

O enorme declínio do poder de compra das famílias mais pobres da classe trabalhadora, após a década anterior de austeridade, é devastador e está provocando uma explosão de pobreza absoluta. Há milhões de famílias que simplesmente não conseguem sobreviver. De acordo com o NIESR, esta é uma perda de cerca de £4.500, mesmo depois de ter em conta pagamentos adicionais de apoio em dinheiro do Governo.

A estagnação prolongada e a queda dos salários, os cortes drásticos nos gastos sociais , juntamente com o aumento mais recente dos preços da energia, dos alimentos e de outras mercadorias, atingiram mais duramente os membros da classe operária.

Da mesma forma, os assalariados de baixa renda gastam uma proporção muito maior do seu rendimento em necessidades básicas. Sem espaço para cortar despesas, as famílias da classe operária têm cada vez menos dinheiro para comprar bens de primeira necessidade. São dados que parecem se originar de um país do “sul global” e não de uma das dez maiores economias do mundo. 

A ação do imperialismo na Europa encontrou no governo conservador inglês seu mais importante aliado. O resultado aí está. O programa limitado do Partido Trabalhista, que deve manter uma aliança íntima com o imperialismo, não vai tocar nem de leve nos problemas agudos da classe operária inglesa e também dos segmentos da classe média. A crise do capitalismo inglês ainda terá novos desdobramentos em prazo não muito longo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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