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Coluna

Eleições antecipadas na Alemanha: rumo ao IV Reich?

De acordo com as últimas pesquisas, a AfD poderá obter até 20% dos votos, quase duplicando o seu apoio, e passar do quinto para o segundo lugar, à frente do SPD

A coligação governamental “semáforo” (Verde, amarelo e vermelho) formada pelo SPD, os Verdes e os Liberais (FDP) foi alvo de moção de censura do parlamento sendo derrubada um ano antes das eleições federais. As eleições foram antecipadas para fevereiro de 2025, devendo ocorrer em uma conjuntura de crise do imperialismo alemão, até agora o país e a economia líder da Europa.

O país vive uma fortíssima recessão econômica, que afetou gravemente o setor industrial alemão, de enorme instabilidade internacional com o regresso de Trump à Casa Branca e de extrema polarização social com a ascensão sem precedentes do partido nazista AfD.

O governo paga o preço, imposto pelo imperialismo norte americano, dos prejuízos decorrentes da Guerra na Ucrânia, que fizeram o país perder os importantes mercados da Rússia e China e o acesso à energia barata do gás russo. Os diferentes setores da burguesia alemã divergem sobre a estratégia que lhes permita enfrentar o conflito EUA versus China e Rússia e tentar controlar à profunda crise que o capitalismo alemão atravessa.

Nas eleições regionais da Saxónia e da Turíngia ocorridas este ano, a democracia Cristã (CDU) e os nazistas da Alternativa para a Alemanha ( AfD) obtiveram 62,5% dos votos, enquanto a coalizão governista conseguiu apenas 13,3%. A estes resultados desastrosos, aos quais se somaram os das eleições no estado de Brandemburgo, uma parte decisiva do capital alemão chegou à conclusão de que a coligação semáforo estava morta e tinha de ser substituída o mais rapidamente possível.

O FDP, ligado ao capital financeiro alemão, apresentou um programa próprio para enfrentar a crise, provocando deliberadamente tensões no seio da coligação e colocando o SPD em má situação. Logo ficou evidente que a única saída era antecipar as eleições.

Um governo submisso ao imperialismo

O governo de coalizão foi uma tentativa de gerir a crise da covid em benefício do setor dominante do capital alemão e, ao mesmo tempo, fazer algumas concessões aos trabalhadores na forma de políticas “sociais”. A nova situação criada pela guerra na Ucrânia, com agravamento da crise do capital alemão tornou inviável qualquer tentativa de reforma.

A própria coligação refletiu esta situação contraditória, com a política dos Verdes abertamente pró-OTAN, e favorável ao governo nazista de Zelenski , e um SPD dividido. O partido se apoia na burocracia sindical, de um lado e de outro na burguesia ligada por negócios lucrativos com a Rússia e a China, cujos lucros foram diretamente afetados pelo aumento dos custos da energia e pela política de sanções imposta pelos EUA.

O governo é diretamente responsável pela verdadeira catástrofe social atual. Há um colapso dos serviços públicos, demissões em massa e uma queda violenta do poder de compra dos salários em função da aceleração da inflação. O resultado das políticas do governo foi criar um ambiente favorável para o crescimento da AfD, que faz falsas promessas de melhorias para grandes setores da classe trabalhadora, especialmente no Leste.

Atualmente, na Alemanha, quase 14 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza, mais um milhão do que em 2019 e mais 2,7 milhões do que em 2006. Contraditoriamente, o governo que se diz preocupado com a questão social reduziu pela metade a despesa líquida com gastos sociais. Enquanto em 2019 foram mais de 32 bilhões de euros, em 2021 e 2022 foram 15,35 bilhões e 14,94 bilhões de euros, respectivamente.

Ao mesmo tempo, o orçamento da Bundeswehr, o exército alemão, foi aumentado em 100 bilhões de euros, atingindo pela primeira vez 2% do PIB. . A burguesia tenta criar na Alemanha um complexo militar -industrial. O Bundeswehr tornou-se um dos exércitos mais bem financiados do mundo. Durante estes três anos, a indústria de armamento alemã registou lucros recordes. Até agora, em 2024, a Rheinmetall, o maior produtor de munições da Europa, aumentou as suas encomendas em 48%, atingindo um novo recorde de 52 bilhões de euros. O governo “social” dos sociais-democratas se tornou o mais militarista desde o Terceiro Reich!

O governo inundou de dinheiro público o grande capital com incentivos fiscais e subsídios, e atacou o sistema público de saúde com cortes orçamentários e privatizações. Não satisfeito com essas políticas o SPD e os Verdes defendem alterar o limite da dívida, introduzido pelo próprio SPD na Constituição, quando governava ao lado de Merkel. Nada pode disfarçar o verdadeiro caráter deste governo como fiel representante do grande capital financeiro e industrial e que vira as costas à classe trabalhadora.

A volta do nazismo

A Alemanha está vivendo uma onda direitista com o grande crescimento da popularidade da CDU e sobretudo a ascensão meteórica dos nazistas da AfD. De acordo com as últimas pesquisas, a AfD poderá obter até 20% dos votos, quase duplicando o seu apoio, e passar do quinto para o segundo lugar, à frente do SPD! A CDU também se sairia bem e poderia ganhar as eleições com mais de 32% de apoio, mas longe dos 40% que Merkel ganhou em 2013.
O partido nazista acaba de ganhar um apoio internacional de peso. O bilionário e confidente de Trump, Elon Musk, está tentando influenciar o resultado. Bilionário diz que legenda de ultradireita seria a “última centelha de esperança” para a Alemanha. Poucos dias após endossar o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) e a menos dois meses da próxima eleição federal alemã, o bilionário Elon Musk voltou a defender a legenda em um artigo de opinião publicado 28/12 no jornal alemão Welt am Sonntag.

No artigo, Musk alega que a legenda de ultradireita seria a “última centelha de esperança”. “A Alemanha se acomodou na mediocridade. É hora de mudanças ousadas e a AfD é o único partido que abre esse caminho”, escreveu. Musk já havia deixado claro suas simpatias pela AfD no passado, ao interagir com políticos da sigla na rede X e questionar a vigilância policial sobre o partido. Em novembro, Musk também já havia chamado o atual chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz, de “tolo”. Há uma semana, ele endossou a legenda, que aparece com cerca de 20% das intenções de voto em pesquisas e com chances de formar a segunda maior bancada de deputados no Parlamento alemão (Bundestag).A julgar pelo papel que teve na eleição de Trump nos EUA, o apoio de Musk pode elevar ainda mais as projeções eleitorais do partido.

Ao mesmo tempo, todos os partidos que compõem o governo sofrem um verdadeiro massacre. O SPD poderá perder até 10 pontos, o pior resultado da sua história, com menos de 15%, os Verdes perderiam entre três e quatro pontos e o FDP perderia até metade dos seus votos, ficando fora do parlamento.

Uma coligação entre a CDU e a AfD é negada veementemente pela CDU, embora signifique uma maioria governamental mais forte em termos percentuais. Mas não existe realmente uma “barreira” erguida pela CDU contra a extrema-direita. Pelo contrário, nos últimos anos tem-se assistido a uma aproximação constante à AfD, principalmente na questão da imigração. Isso pode ser comprovado pela colaboração e elogio à dirigente fascista italiana Meloni pela chefe da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, que é membro da CDU.

O “não” categórico do líder da CDU a uma coligação com a AfD é antes uma resposta à sua posição militarista na Ucrânia e à pressão do imperialismo norte-americano. Friedrich Merz, atual líder do CDU, é um representante ainda mais agressivo dos interesses imperialistas alemães e dos interesses ligados ao capital norte-americano e por isso favorável a um confronto mais direto com a Rússia. Daí o seu apoio reiterado ao fornecimento do sistema de mísseis TAURUS a Kiev. A AfD, no entanto, está ligada aos setores da burguesia que fizeram grandes negócios com a Rússia e a China, e que rejeitam uma política que está conduzindo a Alemanha ao desastre, tornando-a um mero peão do imperialismo estado-unidense.

Neste cenário, o parceiro mais provável da CDU voltará a ser o SPD ou, no caso de crescerem, os Verdes. No entanto, esta situação só irá aprofundar a crise em ambos os partidos, resultando num governo muito fraco e sob enorme pressão. Além disso, no meio de uma grave crise económica, uma AfD na oposição terá carta branca para crescer e fortalecer-se ainda mais. A crise da democracia burguesa e do parlamentarismo na principal nação da UE continuará a aprofundar-se com consequências imprevisíveis.

A crise do capitalismo alemão acelera a luta de classes

O fracasso deste governo fortalecerá os setores do grande capital que veem como única saída um duro ataque à classe trabalhadora. O mesmo que vemos nos EUA com a reeleição de Trump e sua guerra contra o que ele chama de “inimigo interno”. Não é por acaso que esta mudança ocorre numa altura em que os grandes gigantes industriais (Volkswagen, ThyssenKrupp, SAP, Bosch, etc.) anunciam milhares de demissões e o fechamento de fábricas. Uma crise de superprodução agravada pela perda da energia russa barata, decisiva para assegurar a sua competitividade internacional.

Cerca de 30% do PIB da Alemanha depende do sector industrial. A metalurgia, a química, a construção de máquinas e, sobretudo, a indústria automóvel estão, desde há décadas, na vanguarda do mercado mundial, como fonte de enormes lucros para o grande capital. Mas o que foi durante muito tempo um fundamento da estabilidade capitalista está agora se transformando no seu oposto.

A concorrência crescente da China, que está se tornando uma potência tecnológica líder, e a agressiva guerra comercial e o protecionismo dos EUA, vai atingir principalmente a Alemanha. A fuga de capitais alemães para os EUA aumentou de 5,9 bilhões de dólares em 2022 para 15,7 bilhões de dólares em 2023, afetando fortemente a indústria alemã. O exemplo da Volkswagen fala por si: no terceiro trimestre de 2024, os lucros caíram 64% e o grupo está perdendo cada vez mais influência para a concorrência chinesa, em particular no sector dos automóveis elétricos.

A Volkswagen, o porta-estandarte da indústria alemã, anunciou, pela primeira vez na sua história, o encerramento de fábricas no país. Isto é apenas a ponta do iceberg. O Instituto Kiel para a Economia Mundial prevê um declínio acentuado da economia alemã pelo segundo ano consecutivo, sendo que a produção industrial entre janeiro e junho de 2024 já caiu já 10%. A Alemanha está mergulhada numa profunda recessão. Uma crise que é a expressão do declínio geral do capitalismo alemão e europeu: desde 2000, a participação da UE na economia mundial diminuiu 28% e a da Alemanha 33%!

As consequências far-se-ão sentir na classe trabalhadora. Ao mesmo tempo que anunciava 30.000 despedimentos, um corte salarial de 10% e o encerramento de três fábricas da empresa, os membros do conselho de administração da Volkswagen receberam 40 milhões de euros em salários em 2023, sendo o CEO do grupo um dos mais bem pagos do mundo, com 10 milhões de euros.

Segundo a Ernst & Young, a remuneração dos quadros superiores das empresas dos índices bolsistas alemães Dax, MDax e SDax aumentará, em média, 11%, para 2,65 milhões de euros por ano, até 2023, e a dos gestores de empresas aumentará até 16%. Empresas como a Opel, a BASF, a Bosch, a SAP e a Miele anunciaram reduções massivas de postos de trabalho e a Bayer e a Schaeffler pretendem encerrar fábricas inteiras. É esta realidade que levou a que o 1% mais rico do país controle 35,3% da riqueza do país.

A alternativa dos trabalhadores

A alternativa dos capitalistas, como sempre, é desindustrializar e levar os seus investimentos para onde possam explorar ainda mais a classe trabalhadora. Uma alternativa dos trabalhadores deve ser criada pela luta. Primeiro os trabalhadores devem resistir por todos os meios às demissões em massa. É preciso também reduzir o tempo de trabalho mantendo todos os salários e compensações, para aumentar os empregos. À medida que as lutas avancem é preciso exigir transparência do governo e dos capitalistas. A reestatização das empresas privatizadas e a exigência de gastos do governo iguais para empresas e população são necessidades urgentes.

No entanto, a direção do sindicato IG Metall não reage desta forma, não apresenta um plano de luta contra a ofensiva capitalista.. Na Volkswagen, perante 30.000 possíveis despedimentos, os dirigentes sindicais propuseram supressão dos prêmios salariais durante dois anos. Por outras palavras, mais cortes para os trabalhadores. De fato, no meio desta situação, o IG Metall chegou a um acordo na negociação do contrato coletivo de trabalho do setor. E fá-lo numa altura em que se anuncia uma ofensiva sem precedentes em quase todas as grandes multinacionais alemãs.

Agora, mais do que nunca, é preciso levantar a questão de uma luta unificada, e não negociar empresa a empresa a dimensão dos cortes ou que fábrica fechar ou não. Esta tática de dividir para reinar, que já vimos tantas vezes, só beneficiará os patrões. Temos de desenvolver ações de força, passando de greves de aviso, completamente inofensivas, para greves sérias, militantes e democráticas, a partir da base e através de ações diretas, de 24, 48, 72 horas ou uma semana, e propondo a ocupação das fábricas para impedir o seu encerramento.

Não há dúvida: a esquerda precisa de uma alternativa política. O Die Linke (A Esquerda) , que emergiu fortemente à esquerda do SPD devido às políticas de cortes selvagens do governo de Schröder, encontra-se numa crise sem precedentes, e poderá ficar fora do parlamento. Uma crise resultante das suas políticas de colaboração governamental cada vez mais à direita, com posições abertamente sionistas e a favor da continuação do armamento de Netanyahu ou mesmo de apoio a ataques aos direitos democráticos, como a ilegalização de organizações de solidariedade palestinianas como a Samidoun.

Por outro lado, a aliança Sarah Wagenknecht (BSW), em vez de oferecer uma alternativa genuinamente de esquerda, anticapitalista e antirracista, curvou-se vergonhosamente às posições mais reacionárias e racistas da AfD, colocando o foco dos problemas da classe trabalhadora alemã nos imigrantes. Com tais posições, como é que a AfD não pode avançar?

De facto, o BSW abandonou mesmo as posições progressistas que existiam no Die Linke, defendendo abertamente o programa económico burguês da direita. Recusam as nacionalizações, queixam-se do peso de um salário mínimo “demasiado elevado” para a economia e elogiam o espírito inovador e o caráter progressista do empresariado alemão.

É evidente que muitos ativistas e antifascistas, perante a perigosa ascensão da extrema-direita e a ausência de uma alternativa eleitoral, votarão no Die Linke e talvez alguns, apesar do seu caráter reacionário, até no BSW, que surgiu como uma cisão do Die Linke.

No entanto, ambas as formações desistiram de um programa que ataque ao capitalismo, com a sua exploração implacável, as suas guerras imperialistas predatórias e a miséria social. Não há saída sob este sistema, e é por isso que é importante exigir um programa genuinamente socialista, um programa que ataque os banqueiros e os grandes capitalistas, não os imigrantes, que são trabalhadores impiedosamente explorados por esses pequenos empresários e empreendedores tão elogiados por Sarah Wagenknecht.

É necessária uma verdadeira alternativa revolucionária da classe trabalhadora que abandone uma perspectiva puramente parlamentar, tentando gerir a miséria capitalista, e que se ligue ao movimento sindical e aos movimentos sociais que lutam nas ruas, organizando a partir de baixo todos aqueles que querem fazer frente ao fascismo.
Um tal partido minaria a demagogia social da AfD entre todos aqueles que sentem a crise em primeira mão, mas olham para o futuro com desespero, e permitiria uma saída genuinamente de esquerda, anticapitalista, internacionalista e socialista da crise.

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