Na tarde deste sábado, dia 25 de maio, terá início o curso da Universidade Marxista sobre a obra A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, do revolucionário russo Vladimir Lênin. O curso será mais uma homenagem do Partido da Causa Operária (PCO) aos 100 anos da morte de Lênin e será ministrado por João Jorge Caproni Pimenta.
No segundo capítulo da obra em questão, Lênin explica que não existe uma “democracia pura” enquanto existirem classes sociais, pois toda democracia é, na verdade, uma democracia de classe. A “democracia pura” não passaria de uma ilusão propagada pelos liberais para enganar os trabalhadores.
O russo passa, então, a destacar a distinção entre democracia burguesa e democracia proletária. A democracia burguesa, que surgiu para se opor ao feudalismo, é criticada por Lênin como sendo estreita, mutilada, falsa e hipócrita. Ele argumenta que, embora a democracia burguesa representasse um progresso em relação ao feudalismo, sob o capitalismo, ela continua sendo um “paraíso para os ricos” e uma armadilha para os explorados. Essa visão é baseada na análise marxista de que todas as formas de Estado são instrumentos de dominação de uma classe sobre outra.
Para Lênin, portanto, Kautsky utiliza o marxismo apenas para defender aquilo que é aceitável para a burguesia, como a crítica ao feudalismo e o reconhecimento do papel progressista do capitalismo e da democracia capitalista. Kautsky rejeitaria os aspectos revolucionários do marxismo, especialmente a violência revolucionária necessária para a supressão da burguesia. Lênin considera essa atitude como uma traição e conclui que Kautsky, independentemente de suas convicções pessoais, age objetivamente como um lacaio dos capitalistas.
Leia, na íntegra, o segundo capítulo de A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky abaixo. Você também pode se inscrever no mais novo curso da Universidade Marxista por meio deste link.
Democracia Burguesa e Democracia Proletária
A questão tão descaradamente confundida por Kautsky apresenta-se na realidade assim.
A não ser para zombar do senso comum e da história, é claro que não se pode falar de “democracia pura” enquanto existirem classes diferentes, pode-se falar apenas de democracia de classe. (Digamos entre parênteses que “democracia pura” é não só uma frase de ignorante, que revela a incompreensão tanto da luta de classes como da essência do Estado, mas também uma frase triplamente vazia, pois na sociedade comunista a democracia, modificando-se e tornando-se um hábito, extinguir-se-á, mas nunca será democracia “pura”.)
A “democracia pura” é uma frase mentirosa de liberal que procura enganar os operários. A história conhece a democracia burguesa, que vem substituir o feudalismo, e a democracia proletária, que vem substituir a burguesa.
Se Kautsky consagra até dezenas de páginas a “demonstrar” a verdade de que a democracia burguesa é progressiva em comparação com a Idade Média e de que o proletariado deve obrigatoriamente utilizá-la na sua luta contra a burguesia, isto é precisamente charlatanice de liberal, destinada a enganar os operários. Trata-se de um truísmo não só na culta Alemanha como também na Rússia inculta. Kautsky atira simplesmente areia “sábia” aos olhos dos operários, falando-lhes com ar importante tanto de Weitling, como dos jesuítas no Paraguai e de muitas outras coisas para eludir a essência burguesa da democracia contemporânea, isto é, capitalista.
Kautsky toma do marxismo aquilo que é aceitável para os liberais, para a burguesia (a crítica da Idade Média, o papel histórico progressista do capitalismo em geral e da democracia capitalista em particular) e rejeita, silencia e esbate no marxismo aquilo que é inaceitável para a burguesia (a violência revolucionária do proletariado contra a burguesia para a suprimir). Eis porque, por força da sua posição objetiva e seja qual for a sua convicção subjetiva, Kautsky se revela inevitavelmente um lacaio da burguesia.
A democracia burguesa, sendo um grande progresso histórico em comparação com a Idade Média, continua a ser sempre — e não pode deixar de continuar a ser sob o capitalismo — estreita, amputada, falsa, hipócrita, paraíso para os ricos, uma armadilha e um engano para os explorados, para os pobres. É esta verdade, que constitui uma parte integrante essencial da doutrina marxista, que o “marxista” Kautsky não compreendeu. Nesta questão — fundamental — Kautsky oferece “amabilidades” à burguesia, em vez de uma crítica científica das condições que fazem de qualquer democracia burguesa uma democracia para os ricos.
Comecemos por recordar ao doutíssimo senhor Kautsky as declarações teóricas de Marx e Engels que o nosso letrado vergonhosamente “esqueceu” (para agradar à burguesia), e depois explicaremos as coisas de maneira mais popular.
Não só o Estado antigo e feudal, mas também “o moderno Estado representativo é um instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital” (Engels, na sua obra sobre o Estado). “Ora, como o Estado é, de fato, apenas uma instituição transitória, da qual a gente se serve na luta, na revolução para reprimir pela força os adversários, é puro absurdo falar de um Estado popular livre: enquanto o proletariado ainda usa o Estado, usa-o não no interesse da liberdade, mas da repressão dos seus adversários, e logo que se pode falar de liberdade o Estado deixa de existir como tal” (Engels na carta a Bebel de 28.III.1875). “O Estado não é mais do que uma máquina para a opressão de uma classe por outra e de modo nenhum menos na república democrática do que na monarquia” (Engels no prefácio à Guerra Civil de Marx). O sufrágio universal é “o barômetro da maturidade da classe operária. Mais não pode ser nem será nunca, no Estado de hoje” (Engels na sua obra sobre o Estado). O senhor Kautsky mastiga da forma mais fastidiosa a primeira parte desta tese, aceitável para a burguesia. Mas o renegado Kautsky passa em silêncio a segunda, que sublinhámos e que não é aceitável para a burguesia!). “A Comuna devia ser não um corpo parlamentar, mas um corpo de trabalho, executivo e legislativo ao mesmo tempo . . . Em vez de decidir de três em três anos ou de seis em seis que membro da classe dominante havia de representar e reprimir (ver- und zertreten) o povo no Parlamento, o sufrágio universal devia servir ao povo constituído em Comunas como o voto individual serve a todos os outros patrões para escolherem operários, capatazes e contabilistas no seu negócio” (Marx na obra sobre a Comuna de Paris, A Guerra Civil em França).
Cada uma destas teses, que o doutíssimo senhor Kautsky conhece perfeitamente, é para ele uma bofetada e descobre toda a sua traição. Em toda a brochura de Kautsky não há a mínima compreensão destas verdades. Todo o conteúdo da sua brochura é um escárnio do marxismo!
Tomai as leis fundamentais dos Estados contemporâneos, tomai a sua administração, tomai a liberdade de reunião ou de imprensa, tomai a “igualdade dos cidadãos perante a lei”, e vereis a cada passo a hipocrisia da democracia burguesa, bem conhecida de qualquer operário honesto e consciente. Não há Estado, nem mesmo o mais democrático, onde não haja escapatórias ou reservas nas constituições que assegurem à burguesia a possibilidade de lançar as tropas contra os operários, declarar o estado de guerra, etc, “em caso de violação da ordem”, de fato em caso de “violação” pela classe explorada da sua situação de escrava e de tentativas de não se comportar como escrava. Kautsky embeleza desavergonhadamente a democracia burguesa, nada dizendo, por exemplo, daquilo que fazem os burgueses mais democráticos e republicanos na América ou na Suíça contra os operários em greve.
Oh! o sábio e douto Kautsky silencia isto! Ele não compreende, este douto político, que silenciar isto é uma infâmia. Prefere contar aos operários contos para crianças, como por exemplo o de que a democracia significa “proteção da minoria”. É incrível, mas é assim! No ano de 1918 do nascimento de Cristo, no quinto ano da carnificina imperialista mundial e de estrangulamento das minorias internacionalistas (isto é, daquelas que não traíram vilmente o socialismo, como o fizeram os Renaudel e os Longuet, os Scheidemann e os Kautsky, os Henderson e os Webb, etc), em todas as “democracias” do mundo, o douto senhor Kautsky canta com uma voz doce, muito doce, a “proteção da minoria”. Quem o desejar, pode lê-lo na página 15 da brochura de Kautsky. E na página 16, esse douto … indivíduo falar-vos-á dos whigs e dos tories do século XVIII na Inglaterra!
Oh, sapiência! Oh, refinado servilismo perante a burguesia! Oh, maneira civilizada de rastejar perante os capitalistas e de lhes lamber as botas! Se eu fosse Krupp ou Scheidemann ou Clemenceau ou Renaudel, pagaria milhões ao senhor Kautsky, compensá-lo-ia com beijos de Judas, elogiá-lo-ia perante os operários, recomendaria a “unidade do socialismo” com pessoas tão “respeitáveis” como Kautsky. Escrever brochuras contra a ditadura do proletariado, falar dos whigs e dos tones do século XVIII na Inglaterra, afirmar que democracia significa “proteção da minoria” e silenciar os programas contra os internacionalistas na “democrática” república da América, não são serviços de lacaio à burguesia?
O douto senhor Kautsky “esqueceu” — provavelmente esqueceu por acaso . . . — uma “ninharia”, a saber: o partido dominante de uma democracia burguesa só garante a proteção da minoria a outro partido burguês, enquanto o proletariado, em qualquer questão séria, profunda e fundamental, em vez de “proteção da minoria” apenas recebe o estado de guerra ou os pogromes. Quanto mais desenvolvida é a democracia tanto mais próxima se encontra do pogrome ou da guerra civil em qualquer caso de profunda divergência política perigosa para a burguesia. O douto senhor Kautsky podia ter observado esta “lei” da democracia burguesa no caso Dreyfus na França republicana, no linchamento de negros e de internacionalistas na democrática república da América, no exemplo da Irlanda e do Ulster na democrática Inglaterra, na perseguição dos bolcheviques e na organização de pogromes contra eles em abril de 1917 na democrática república da Rússia. Cito intencionalmente exemplos não só do tempo da guerra, mas também do tempo de antes da guerra, do tempo de paz. O melífluo senhor Kautsky prefere fechar os olhos perante estes fatos do século XX e contar aos operários em vez disso coisas espantosamente novas, notavelmente interessantes, inusitadamente instrutivas e incrivelmente importantes sobre os whigs e os tories no século XVIII.
Tomai o parlamento burguês. Será possível admitir que o douto Kautsky nunca tenha ouvido dizer que os parlamentos burgueses estão tanto mais submetidos à Bolsa e aos banqueiros quanto mais desenvolvida está a democracia? Daqui não decorre que não se deva utilizar o parlamentarismo burguês (e os bolcheviques utilizaram-no talvez com maior êxito que qualquer outro partido no mundo, pois em 1912-1914 conquistamos toda a cúria operária da IV Duma). Mas disto decorre que só um liberal pode esquecer, como Kautsky esquece, o caráter historicamente limitado e relativo do parlamentarismo burguês. No mais democrático Estado burguês, as massas oprimidas deparam a cada passo com a contradição flagrante entre a igualdade formal, que a “democracia” dos capitalistas proclama, e os milhares de limitações e subterfúgios reais que fazem dos proletários escravos assalariados. É precisamente esta contradição que abre os olhos às massas para a podridão, a falsidade e a hipocrisia do capitalismo. É precisamente esta contradição que os agitadores e propagandistas do socialismo denunciam constantemente perante as massas a fim de as preparar para a revolução! E quando começou a era das revoluções, Kautsky voltou-lhe as costas e pôs-se a celebrar os encantos da democracia burguesa moribunda.
A democracia proletária, de que o Poder Soviético é uma das formas, desenvolveu e alargou como nunca no mundo a democracia precisamente para a gigantesca maioria da população, para os explorados e os trabalhadores. Escrever todo um livro sobre a democracia, como fez Kautsky, falando em duas paginazinhas de ditadura e em dezenas de páginas de “democracia pura” e não notar isto é deturpar por completo as coisas como um liberal. Tomai a política externa. Em nenhum país burguês, nem mesmo o mais democrático, ela é feita abertamente. Em toda a parte se engana as massas, e nas democráticas França, Suíça, América, Inglaterra cem vezes mais ampla e refinadamente que nos outros países. O Poder Soviético arrancou revolucionariamente o véu de segredo que encobria a política externa. Kautsky não o notou, silencia isto, se bem que numa época de guerras de rapina e de tratados secretos sobre a “partilha das esferas de influência” (isto é, a partilha do mundo pelos bandidos capitalistas) isto tenha uma importância capital, porque disto depende a questão da paz, a questão da vida ou da morte de dezenas de milhões de pessoas.
Tomai a estrutura do Estado. Kautsky agarra-se às “ninharias”, mesmo ao fato de que as eleições são “indiretas” (na Constituição soviética), mas não vê o fundo do problema. Não nota a essência de classe do aparelho de Estado, da máquina de Estado. Na democracia burguesa, servindo-se de mil estratagemas — tanto mais engenhosos e eficazes quanto mais desenvolvida está a democracia “pura” —, os capitalistas afastam as massas da administração, da liberdade de reunião e de imprensa, etc. O Poder Soviético é o primeiro no mundo (falando rigorosamente, o segundo, porque a Comuna de Paris começou a fazer o mesmo) que chama as massas, precisamente as massas exploradas, à administração. Mil barreiras fecham às massas trabalhadoras a participação no parlamento burguês (que nunca resolve as questões mais importantes na democracia burguesa: estas são resolvidas pela Bolsa e pelos bancos), e os operários sabem e sentem, veem e percebem perfeitamente que o parlamento burguês é uma instituição alheia, um instrumento de opressão dos proletários pela burguesia, uma instituição de uma classe hostil, da minoria exploradora.
Os Sovietes são a organização direta das próprias massas trabalhadoras e exploradas, às quais facilitam a possibilidade de organizarem elas próprias o Estado e de o administrarem de todas as maneiras possíveis. Precisamente a vanguarda dos trabalhadores e dos explorados, o proletariado das cidades, tem neste sentido a vantagem de ser o mais unido pelas grandes empresas; é-lhes mais fácil do que a quaisquer outros eleger e controlar os eleitos. A organização soviética facilita automaticamente a unificação de todos os trabalhadores e explorados em torno da sua vanguarda, o proletariado. O velho aparelho burguês — o funcionalismo, os privilégios da riqueza, da instrução burguesa, das relações, etc. (estes privilégios de fato são tanto mais variados quanto mais desenvolvida está a democracia burguesa) — tudo isso desaparece com a organização soviética. A liberdade de imprensa deixa de ser uma hipocrisia, pois se expropriam à burguesia as tipografias e o papel. O mesmo acontece com os melhores edifícios, os palácios, palacetes, casas senhoriais, etc. O Poder Soviético retirou imediatamente aos exploradores milhares e milhares destes melhores edifícios, tornando assim um milhão de vezes mais “democrático” o direito de reunião para as massas, esse direito de reunião sem o qual a democracia é um engano. As eleições indiretas dos Sovietes não locais facilitam os congressos dos Sovietes, tornando todo o aparelho mais barato, mais ágil, mais acessível aos operários e aos camponeses num período em que a vida ferve e é necessário poder atuar com especial rapidez para revogar o seu deputado local ou enviá-lo ao congresso geral dos Sovietes.
A democracia proletária é um milhão de vezes mais democrática que qualquer democracia burguesa. O Poder Soviético é um milhão de vezes mais democrático que a mais democrática república burguesa.
Para não notar isto, é preciso ser um servidor consciente da burguesia ou um homem totalmente morto politicamente, que não vê a vida viva por trás dos poeirentos livros burgueses, impregnado até à medula de preconceitos democrático-burgueses, pelo que se tornou objetivamente um servidor da burguesia.
Para não perceber isto, é preciso ser um homem incapaz de colocar a questão do ponto de vista das classes oprimidas: existe algum país no mundo, entre os países burgueses mais democráticos, onde o operário médio, da massa, o assalariado agrícola médio, da massa, ou semiproletário do campo em geral (isto é, o representante da massa oprimida, da imensa maioria da população) goze, mesmo aproximadamente, da liberdade de realizar as suas reuniões nos melhores edifícios, da liberdade de ter as maiores tipografias e as melhores reservas de papel para expressar as suas ideias e para defender os seus interesses, da liberdade de enviar precisamente homens da sua classe para governar e “organizar” o Estado, como acontece na Rússia Soviética?
Seria ridículo supor que o senhor Kautsky encontre em qualquer país um em mil operários ou assalariados agrícolas informados que duvidasse da resposta a esta pergunta. Instintivamente, ouvindo fragmentos de admissões da verdade através dos jornais burgueses, os operários de todo o mundo simpatizam com a República Soviética porque veem nela a democracia proletária, a democracia para os pobres, e não uma democracia para os ricos, como na realidade é toda a democracia burguesa, mesmo a melhor.
Somos governados (e o nosso Estado é “organizado”) por funcionários burgueses, parlamentares burgueses, juízes burgueses. Esta é uma verdade simples, evidente, indiscutível, conhecida por experiência própria, sentida e percebida diariamente por dezenas e centenas de milhões de homens das classes oprimidas de todos os países burgueses, incluindo os mais democráticos.
Mas na Rússia quebramos completamente o aparelho burocrático, não deixamos dele pedra sobre pedra, afastamos todos os velhos juízes, dissolvemos o parlamento burguês e demos precisamente aos operários e aos camponeses uma representação muito mais acessível, os seus Sovietes substituíram os funcionários, ou os seus Sovietes foram colocados acima dos funcionários, os seus Sovietes tornaram eletivos os juízes. Este simples fato basta para que todas as classes oprimidas reconheçam que o Poder Soviético, isto é, esta forma da ditadura do proletariado, é um milhão de vezes mais democrático que a mais democrática república burguesa.
Kautsky não compreende esta verdade, compreensível e evidente para qualquer operário, porque “esqueceu”, “desacostumou-se” de colocar a questão: democracia para que classe? Ele raciocina do ponto de vista da democracia “pura” (isto é, sem classes? ou acima das classes?). Argumenta como Shylock: “uma libra de carne” e nada mais. Igualdade de todos os cidadãos — senão não há democracia.
Devemos perguntar ao douto Kautsky, ao “marxista” e “socialista” Kautsky:
Pode haver igualdade entre o explorado e o explorador?
É monstruoso, é inacreditável que tenhamos de fazer esta pergunta ao discutir um livro do chefe ideológico da II Internacional. Mas, “atrelado ao carro, não te queixes da carga”. Propusemo-nos escrever sobre Kautsky — é preciso explicar a este douto homem por que não pode haver igualdade entre o explorador e o explorado.