Em artigo publicado no jornal sionista e bolsonarista Gazeta do Povo, Guilherme Carvalho defende que “a julgar pelos casos mais recentes, estes sistemas [de inteligência artificial] devem aprofundar a crise informacional” (Inteligência artificial não é chave para popularizar conhecimento, 15/7/2024). Segundo o colunista, “a proliferação de fake news, teorias conspiratórias e negacionismo transformou um problema segmentado em um problema generalizado”, considerou Carvalho, que apontou “regras claras” ao funcionamento da inteligência artificial, o que, concretamente, se traduz em censura do Estado em relação ao funcionamento dos sistemas.
“Os geradores de textos mais populares como ChatGPT, Gemini e Bing são pouco claros, quando não dispersivos, sobre as fontes de informação consultadas. Em praticamente todos os casos, também se percebe a ausência de princípios éticos básicos como o reconhecimento da autoria sobre um determinado texto, já que estes sistemas não citam ou não parafraseiam os trechos cujas informações foram publicadas por outras pessoas, como faz o jornalismo profissional.”
Chama atenção o fato de “regras claras” aparecer em um texto sobre inteligência artificial publicado em um dos principais órgãos de imprensa do bolsonarismo, não faz muito tempo, vítima do cerco do imperialismo. Durante a etapa na qual o setor mais poderoso da burguesia buscava “disciplinar” a extrema direita, o bolsonarismo apresentava-se como o bastião da luta contra a censura e pela liberdade de expressão.
Por isso que há cerca de dez meses, tornaria inimaginável que um órgão como Gazeta do Povo publicasse artigos defendendo o ataque ao livre desenvolvimento da IA e “regulamentação” para o setor. Especialmente surpreendente que seja pelos motivos mencionados, “proliferação de fake news, teorias conspiratórias e negacionismo”.
Todo o palavrório e o malabarismo retórico adotado por Carvalho é incapaz de esconder que o artigo traz a defesa da censura, por sinal, já muito praticada nas próprias plataformas de IA, que censuram determinados assuntos, tendo como desculpa o golpe tradicional do imperialismo (“defesa dos direitos humanos”, “evitar discurso de ódio”, “violência” e afins). O mero uso de ferramentas como o ChatGPT para tradução de determinados textos é um desafio que demonstra como essas plataformas já nasceram sob rígido controle, para exprimir apenas e tão somente as opiniões que não se chocam com as do setor mais poderoso da política mundial.
Estivesse Carvalho debatendo “regras claras” para coibir a censura nas redes sociais e permitir a livre expressão do pensamento nos meios de comunicação digital, que pusesse fim ao autoritarismo e ao silenciamento de opiniões (independente do juízo que se faça de tal opinião) já existente nos sítios de IA e em monopólios como a Meta (dona de redes sociais como Facebook e Instagram), a consideração seria outra. A política de um verdadeiro progressista interessado no desenvolvimento político dos trabalhadores sempre será a de apoiar qualquer medida que garanta o avanço da liberdade de expressão. Não é, no entanto, o que defende o colunista de Gazeta do Povo, porque não é também o que defende o bolsonarismo, para quem a defesa da liberdade de expressão plena, da única forma que pode ser compreendida, isto é, sem absolutamente nenhuma restrição.
A extrema direita de conjunto (no Brasil e no mundo) faz uma defesa oportunista da livre manifestação do pensamento, apenas quando lhes convém. A liberdade de expressão é uma conquista civilizatória, resultado da luta da humanidade contra o obscurantismo medieval, que é exatamente o que defende a extrema direita.
Por isso, os setores mais frágeis da burguesia nunca foram e continuam não sendo simpáticos a ela de fato. Trata-se apenas de um golpe para arregimentar setores populares, levados à confusão e ao engano pela ação reacionária da esquerda pequeno-burguesa, do qual os bolsonaristas se aproveitam, mas começam agora a demonstrar seu total desapreço por este tema.