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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Cada um com a sua ‘democracia’

É decepcionante que Lula, cuja liderança nasceu do movimento operário, aceite ser o Biden brasileiro

“Deus queira que a Kamala ganhe as eleições nos EUA”, teria afirmado Lula em conversa de bastidores vazada para a imprensa. Depois do insípido debate entre Donald Trump e Kamala Harris, os jornais da burguesia e também os da pequena burguesia concluíram que a candidata democrata saiu vencedora. A unanimidade da interpretação mais parece torcida que análise, mas o que sobressai do discurso da “vitoriosa” é sua defesa intransigente do império que pretende governar. Injetar armas na Ucrânia e fazer o mesmo em Israel, ao que parece, são dois compromissos inalienáveis da “democracia”.

Temos muitos motivos para crer que outro desses compromissos diga respeito à Venezuela, que hoje enfrenta mais uma tentativa de golpe patrocinada pelo imperialismo de Biden-Harris. Lula, aparentemente, sofre pressão dos EUA para se afastar de Nicolás Maduro. Depois de fazer coro com o Tio Sam no pedido de vista das atas eleitorais da Venezuela, decide não reconhecer a vitória de Maduro nas urnas. Segundo o presidente venezuelano, o Brasil estaria fazendo vista grossa para a conspiração que se dá dentro da embaixada argentina, que estava sob a sua custódia.

Lula pode estar pressionado e disso não se duvida, mas é muito difícil compreender a “lógica” de sua política externa no subcontinente. Na prática, o presidente brasileiro está defendendo a extrema direita golpista da Venezuela, apoiada por Milei e outros fascistas. O próprio Milei não se relaciona com Lula e chegou a ofendê-lo durante as eleições, mas o nosso “estadista” hasteia a bandeira do Brasil na embaixada argentina na Venezuela e insiste na história das atas. Alguém acredita que as atas de Maduro afastariam o ímpeto golpista dos EUA?

Enquanto isso, a imprensa burguesa só se refere a Maduro como “ditador” (do mesmo modo que só se refere ao Hamas como “grupo terrorista”). Ao mesmo tempo que reforça esses conceitos naturalizando-os, essa imprensa jamais põe em discussão a nossa sacrossanta democracia de eleições periódicas e suas regras inventadas por um tribunal eleitoral, quando não pelas emissoras de TV.

O eleitor já notou que o tempo da propaganda é proporcional ao número de parlamentares eleitos pelo partido? E mais: o partido sem nenhum candidato eleito não tem direito a espaço na propaganda de rádio e TV. Ora, esse sistema só favorece a conservação do que já existe, uma vez que a população é privada de tomar conhecimento de outras vozes e ideias. As emissoras de TV criam regras para excluir a seu bel-prazer os candidatos que não querem mostrar. Mas somos mais democráticos que os nossos vizinhos. E o “berço da democracia” alimenta guerras e genocídios pelo mundo.

Até conseguimos entender que a burguesia brasileira se espelhe nos EUA e ache que Trump e Kamala representam um modelo para a disputa eleitoral no Brasil (dois candidatos de direita), mas é muito decepcionante que Lula, cuja liderança nasceu do movimento operário, aceite ser o Biden brasileiro para combater o Trump local, ou seja, o Bolsonaro. Se Lula continuar nessa toada, a esquerda brasileira só terá a perder – e certamente perde muito mais com as trapalhadas diplomáticas de Celso Amorim que com a bolinação de Sílvio Almeida.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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