Os esforços para fazer de Lionel Messi o maior jogador de todos os tempos seguem a pleno vapor. Ontem, foi a vez de mais um lamentável episódio: quase sem jogar em 2023, o argentino mais europeu da história do futebol venceu pela 8a vez o prêmio de melhor jogador do ano, o chamado “The Best”. Considerado o prêmio que define o “Melhor Jogador do Mundo”, o The Best tornou-se, desde o início da década passada, um prêmio manobrado para chancelar esse projeto crossover de Adidas com Nike, chamado Messi, como a maior marca pessoal da história do futebol.
Messi arrebatou prêmios individuais que jamais deveriam ter sido entregues a ele. Neymar, Vini Jr., Mané, Ribery, Iniesta, Haaland, todos não venceram o prêmio e, em anos diferentes, mereceram vencê-lo. Tudo bem que, em alguns desses anos, Messi tenha ganho como azarão ou como forte candidato. Porém, a soma de vitórias discutíveis contra adversários de mesmo nível, mas invariavelmente conquistadas pelo argentino, com vitórias contestáveis como azarão ante colegas mais bem-sucedidos num dado ano, é coroada em 2024 com uma láurea absolutamente imerecida, ganha sem disputar sequer um jogo decisivo e de alto nível.
Fica claro que está em curso a manobra esportiva-econômica “do século”, literalmente, porque definida especificamente a partir do século XXI. Com Pelé no passado, delimitado como atleta (e, portanto, jogador de futebol) do século XX, a coroa deve ser passada a outro, para que a economia imperialista aplicada ao mercado esportivo possa retirar dividendos de um novo “maior da história”. E o maior da história não pode ser do século XX, naturalmente. Tem de ser o contemporâneo, aquele que vende as marcas atuais, seja pela fornecedora de material esportivo, seja pelos patrocínios nas camisas suas e dos adversários, seja nas placas de publicidade, seja nos naming rights de estádios e campeonatos.
Messi é a maior marca vendável da história do futebol, batendo Cristiano Ronaldo e qualquer jogador que o tenha antecedido, mas, sem suportes institucionais como este dado pelo prêmio da FIFA, jamais se aproximará do legado de Pelé. Levou uma carreira toda para vencer uma Copa do Mundo, protagonizou fiascos com sua seleção como duas derrotas para o Chile em Copa América, uma goleada para a Alemanha (sim, eles também tiveram a deles, por 4×0 em 2010, mas dessa lembra-se pouco), quase não-classificações para a Copa do Mundo, goleada para a Croácia etc. Pelé, no muito, perdeu a Copa de 1966 debaixo da pancadaria portuguesa.
Se Messi é muito vitorioso por clubes, outros também o foram, como o lateral Marcelo, jogando pelo Real Madrid. Pelé também o foi, só que os campeonatos eram outros, o que não ajuda a vender as ligas atuais e seus naming rights e direitos de imagem. Portanto, a manobra se dá efetivamente por aí: os prêmios individuais.
Inexistentes nos tempos de Pelé, que até levou alguns remissivamente, mas sem a força do ano a ano e da bomba midiática, o Bola de Ouro e o The Best, anuais, algumas vezes conjuntos, são como um Oscar. Um prêmio bobo, altamente subjetivo, mas que agrega valor a um atleta que, como no caso do filme, torna-se maior que os demais por causa de um selo na capa, atribuído por um número reduzido de pessoas.
Ano após ano, Messi é lembrado novamente por vencê-lo. O sistema beneficia essas vitórias, pois pede votos a jogadores e treinadores, que retroalimentam o vício em premiar Messi, ao buscar nele a zona de conforto para o voto neste ano, e assim tornam-no ainda mais vencedor e mais sujeito aos votos do próximo ano. E isso interessa à FIFA e aos setores do capitalismo que orbitam o futebol, já que agora, por exemplo, os norte-americanos estão adorando a ideia de que, pela primeira vez desde Romário em 1995 (eleito melhor do mundo em 1994 e atuando pelo Flamengo no ano seguinte, no Brasil), um jogador de um time não-europeu é o melhor do mundo, e justamente na liga norte-americana.
Entretanto, esse mesmo capitalismo, que tenta fabricar Messi como o maior da história, está em decadência, sendo derrotado econômica e militarmente pelos países periféricos. E, desta forma, cedo ou tarde isso chegará ao futebol. Medir o que será o futebol de daqui a vinte anos com base nos interesses atuais seria ingenuidade, porque todos os indícios são de que serão derrotados, setor a setor, até chegar ao futebol. E, quando encontrada a nova equação de forças, se encerrada essa contaminação do esporte por interesses imperialistas, o dado orgânico é a superioridade do futebol praticado nos países periféricos, sendo o principal deles o Brasil, mas também África e uma interessante ascensão do Oriente Médio. Etnicamente isso já é visto na Europa, o que ainda está mascarado porque todos atuam por equipes europeias e, exceção aos sul-americanos e poucos africanos, quase todos são competitivos atuando por seleções europeias.
Esqueçam esse estranho presente e deem uma analisada num interessante futuro, em que os melhores seguirão os brasileiros, e os árabes e africanos não precisarão mais ser franceses.





