A imprensa burguesa, se aproveitando da polêmica sobre o PL do aborto, começa uma campanha contra os evangélicos que tem como alvo a esquerda. Querem convencer a população de que esse setor da direita seria o pior que já percorreu o mundo. É uma tese absurda em um país onde existe o PSDB, em um mundo onde existem os governos dos países imperialistas. Os evangélicos são um setor importante da direita, mas não são o seu pior bloco. A Folha de S.Paulo representa um setor muito pior e foi nela em que foi publicada a coluna sobre o tema.
O título é Governar as Mentes, e o autor Demétrio Magnoli, conhecido propagandista do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Ele começa: “o mundo moderno nasceu com a separação entre política e religião: Estado laico. Geralmente, com razão, aponta-se o fundamentalismo islâmico como a mais notável reação à modernidade. Arábia Saudita, Irã, Taleban —os Estados teocráticos formam uma nítida antítese à laicidade das democracias ocidentais. Neles, a religião figura como fonte de poder indiscutível e controle social absoluto. A estratégia política do fundamentalismo cristão inveja as prerrogativas dessas teocracias”.
Aqui, aparece a correlação que a imprensa burguesa martela, mas que não faz sentido nenhum. Primeiro que a relação entre Afeganistão, Irã e Arábia Saudita é quase nenhuma. É, inclusive, uma comparação de cunho racista. Seria o equivalente a juntar no mesmo balaio Brasil, Paraguai e México porque ficam no mesmo continente. A outra questão é que a religião do Oriente Médio é um fenômeno tradicional, análogo ao catolicismo brasileiro. Os evangélicos neopentecostais são um fenômeno moderno, neoliberal, importado diretamente dos EUA. Ou seja, é um argumento sem embasamento nenhum.
Ele, então, tenta juntar os países do Oriente Médio, os evangélicos e a extrema direita: “o herói principal dessa turma não é Trump ou, muito menos, Milei. Chama-se Nayib Bukele, o tiranete salvadorenho que roubou a cena na mais recente Conferência de Ação Política Conservadora, fórum da direita global realizado em Maryland, nos Estados Unidos, em fevereiro”. O interessante de Bukele é que ele aparenta ser um setor mais destoante do bloco da extrema direita com críticas maiores ao neoliberalismo. Isso provavelmente é o que o torna mais popular.
Ele então cita a origem do presidente de El Salvador: “Bukele emergiu na política pela esquerda, no berço do partido FMLN, migrando mais tarde para a direita, pela qual elegeu-se presidente em 2019 e, violando a Constituição, reelegeu-se meses atrás. Há três anos, destruiu a independência do Judiciário, destituindo todos os seus juízes, o que lhe valeu um elogio ganancioso de Eduardo Bolsonaro. Os pilares paralelos de seu poder são a manipulação midiática das redes sociais e uma estreita aliança com vetores evangélicos fundamentalistas sediados nos EUA”.
Ele tenta provar que Bukele seria a pior figura da América Latina. Mas é ridículo criticar El Salvador em um país que passou pelo processo da Lava Jato. A operação passou por cima da Constituição, transformou ainda mais o Judiciário em uma ditadura e garantiu primeiro um governo da direita tradicional, Michel Temer, e, depois, um governo da extrema direita, Bolsonaro. A Lava Jato até possuia um caráter evangélico, na figura de Deltan Dallagnol, mas, no fim, era claramente uma operação ligada ao PSDB, ao Departamento de Estado dos EUA, e não ao bolsonarismo. Ou seja, a direita tradicional alavancou o poder dos chamados neopentecostais.
Ele segue usando o exemplo do pequeno país: “o [rei] Ciro salvadorenho desfechou o autogolpe em fevereiro de 2020, dia da invasão militar da Assembleia Legislativa, quando sentou-se na cadeira da presidência do parlamento e, mãos sobre o rosto, pôs-se a rezar. Depois, no ápice da pandemia, decretou o Dia Nacional de Oração ‘para pedir a Deus que nos livre desta enfermidade’”. Mais uma vez, ele tenta usar Bukele como o exemplo de mau absoluto na América Latina, citando um golpe de Estado. O que dizer então do Equador, em que o candidato indicado por Rafael Correa, Lenin Moreno, deu um golpe de Estado e impôs uma ditadura neoliberal no país?
O que dizer de Javier Milei, que venceu as eleições na Argentina em meio a uma campanha golpista e fez o mesmo? E os golpes militares na Bolívia e no Peru (neste, a ditadura continua após um ano e meio)?
O que todos esses casos têm em comum? Foram organizados diretamente pelos EUA, um país com muitos evangélicos, é claro, mas que ninguém considera como força principal da política. O que importa é que o imperialismo, a burguesia norte-americana, impôs esses governos golpistas de direita em diversos países da América Latina.
Perto de El Salvador, em Honduras, o golpe foi em 2009. O presidente Zelaya foi derrubado, o que deu origem a 13 anos de luta contra o regime golpista. O problema também não eram os evangélicos. A Folha de S.Paulo, portanto, quer distrair os brasileiros. Os evangélicos não são o principal problema da nação, aqueles que tentam “governar as mentes”. O grande inimigo dos trabalhadores é o imperialismo e seus lacaios no Brasil. E, nesse barco, um dos principais setores são os monopólios de imprensa, com destaque para a própria Folha.
Ele conclui: “as redes sociais, os pastores e as orações ajudaram, mas a reeleição de Bukele, com 85% dos votos, refletiu a popularidade de sua ‘guerra às gangues’ que converteu El Salvador num Estado militar-policial em perene ‘estado de exceção’. A mega-prisão de Tecoluca, uma das maiores do mundo, com capacidade para 40 mil prisioneiros, retrata melhor seu regime que qualquer imagem bíblica. O PL antiaborto é só uma pedra inaugural no edifício político distópico imaginado pelos nossos fundamentalistas”.
O autor deixa escapar sua linha ultra reacionária. Defende a tese bolsonarista de que criar prisões e lutar contra o crime é o que vence eleições. Ele nem contesta o número de 85% dos votos, só que parágrafos antes estava chamando Bukele de ditador golpista. Por que ele confia tanto nessas urnas? Porque nessa questão da repressão, sua política não difere daquela de Bukele. Ele apenas usa o PL do Aborto para fazer uma oposição ao bolsonarismo sem, entretanto, criticar nenhuma política da direita. Para ele, o Brasil deve ser governado por um tipo de fundamentalista, os religiosos do neoliberalismo.