O artigo Dorival Junior se manifesta sobre Robinho e erra grosseiramente, da colunista esportiva Mily Lacombe, é mais um exemplo de como a mentalidade identitária é, invariavelmente, guiada por uma ideologia reacionária. No artigo, Lacombe procura apresentar a tese de que alguém que supostamente cometeu um crime deveria ser tratado, pelo resto da vida, como um pária. Uma tese digna de José Luís Datena ou de qualquer direitista que defenda que “bandido bom é bandido morto”. Se é que não é mais humano executar alguém que querer condená-lo a passar o resto da vida excluído da sociedade…
Em seu texto, a colunista critica a postura do atual técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, porque não teria seguido a cartilha identitária ao se referir ao ex-jogador Robinho, que foi condenado pela Justiça italiana por suposto crime de estupro.
“Para falar corretamente precisa, primeiro, pensar corretamente. E para pensar corretamente precisa sentir corretamente. Fica a impressão que Dorival achou que seria fácil: Vou lá, cito a vítima, param de me encher a paciência e vida que segue. Dorival falou e Dorival errou.”
Mily Lacombe é clara. Para ela, para que não houvesse mais estupro na sociedade, seria preciso que as pessoas pensassem e até mesmo sentissem como ela acha que deveriam pensar e sentir! O estupro não seria um problema social, não seria derivado das contradições da sociedade. Os grandes culpados pelo estupro, segundo Mily Lacombe, seriam pessoas como Dorival Júnior, que “pensam errado”.
Somente por essa consideração o identitarismo já se revela como um fracasso total do ponto de vista da política. Se para impedir as mazelas sociais seria preciso modificar a forma como as pessoas pensam e sentem, seria necessário, portanto, apelar para que o Estado reprima as opiniões divergentes. É a definição de qualquer ditadura.
Mily Lacombe, no entanto, quer a “ditadura do bem”. Uma ditadura que puna quem não pense igual a ela, mas que seja estabelecida por um motivo aparentemente nobre: a luta contra o estupro! Fato é, no entanto, que toda ditadura se estabelece por um motivo “nobre”. O Estado de “Israel”, por exemplo, justifica seus crimes por, entre outras coisas, se dizer “a única democracia do Oriente Médio”.
Dito isso sobre a arrogância de Lacombe, que quer ditar o que Dorival Júnior deve ou não sentir, vejamos agora, então, o que ele teria dito de tão “errado”:
“Errou, primeiro, ao dizer que Robinho é um cara fantástico. Vejam: essa frase, apenas ela, já apaga tudo o que foi dito sobre a dor da vítima. Vocês imaginem a vítima e a família da vítima escutando o treinador da seleção brasileira dizer que o cara que a estuprou é um rapaz fantástico. Não fecha, percebem? É violento, ofensivo, pequeno.”
Com essa formulação, a colunista acaba revelando mais um cacoete dos identitários contra os direitos democráticos. Para eles, assim como para a direita, alguém que comete um crime deveria ser considerado um alienígena, um monstro, uma pessoa aparte da sociedade. E, portanto, não poderia trabalhar, não poderia ser elogiado, não poderia se casar, não poderia receber visitas de seus parentes, não poderia dar a sua opinião – em resumo, deveria ser completamente esmagado.
Por fim, também chama a atenção qual é a grande credencial que Lacombe utiliza para justificar os ataques aos direitos democráticos de Robinho e de Dorival Júnior:
“Mas o pior erro de Dorival nem foi esse. O pior erro foi ele dizer: se houve um crime, então tem que pagar.
Se houve um crime? Se houve um crime?
O processo correu em três instâncias, o UOL revelou áudios devastadores que dizem o que Robinho pensa do crime, a sentença foi validada por um tribunal no Brasil.”
Aqui, o identitarismo mostra que, em nenhum aspecto, é algo progressista. Não bastasse toda a ideologia repressiva, o que Lacombe está dizendo é: é preciso tratar como seres sub-humanos todos os que a imprensa e o Judiciário dizem que são “bandidos”.