Resenha Livro – “O Burrico Lúcio” – Léo Vaz – Ed. Jabuti
Não são muitas as informações disponíveis na internet acerca da vida e da obra do escritor do paulista Léo Faz (1890/1973).
Apesar de ter sido um jornalista e escritor popular ao seu tempo, os seus dois romances mais conhecidos, “Professor Jeremias” (1920) e “O Burrico Lúcio” (1951), aguardam há muito tempo a iniciativa de um editor que queira reeditá-los.
O que seria desejável considerando a rara qualidade literária do escritor de Capivari/SP, apelidado por Monteiro Lobato, amigo e editor de Léo Vaz, como um “Machado de Assis sem gagueira”.
O paralelo traçado pelo autor do Sítio do Picapau Amarelo tem o seu fundamento: ambos os escritores reuniam o dom da ironia e da difícil simplicidade e o pleno domínio da linguagem contadora de causos.
No prefácio de “O Burrico Lúcio”, o crítico Gomes Freire reforça a comparação, indicando que a obra de Vaz é tão simples, natural e de fácil assimilação, que poderia alguém jugar estar ao alcance de qualquer pena. O que antes revelava uma experiência de décadas de redação e um domínio textual raro.
“O Burrico Lúcio é a nosso ver como “O Memorial de Aires” (Machado de Assis) a conquista de um ideal literário, a chegada à Utopia dos Escritores, o remate de uma obra, feita com seriedade e desvelo. O alpinista das letras Léo Faz alcançou o píncaro sonhado; já se acha, pois, perto das nuvens, no ar limpo, rarefeito. A perfeição é simplificação. Isso explica a curteza das frases, o pequeno tamanho do romance. Só os jovens são extensos, por falsa experiência.” (Gomes Freire).
Leonel Vaz de Barros, mais conhecido como Léo Vaz, iniciou sua carreira literária no jornalismo, na Gazeta de Piracicaba. No ano de 1918 muda-se para São Paulo e assim que chega à capital, é apresentado a Oswald de Andrade e convidado a participar de reuniões literárias, na qual estão presentes Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida e Menotti del Pecchia.
Trabalhou como periodista em diversos órgãos da imprensa paulistana, até ser convidado a integrar a equipe do Estadão, onde foi diretor e publicou textos até a sua morte, em março de 1973.
“O Burrico Lúcio” é uma adaptação do conto de mesmo nome de autoria de Luciano de Samósata (125 – 180), este último um contador de histórias satíricas e críticas da sociedade romana dos tempos do reinado de Marco Aurélio.
Para Léo Vaz, o escritor romano seria uma versão a frente de seu tempo de Anatole France: ambos portadores da mais alta cultura científica e literária de seu tempo, críticos mordazes dos homens e das instituições, irreverentes ao encararem as crenças e religiões, divertindo-se e divertindo o seus leitores com a sua ironia.
O livro conta a história de Lúcio, jovem romano da cidade de Patras, convocado por seu pai a viajar até Hipata com o objetivo de cobrar pessoalmente um devedor usuário que insistia em não restituir o dinheiro que lhe fora emprestado.
Ao chegar ao seu destino, é convidado a ficar por alguns dias na cidade, hospedado pelo usuário e por sua mulher, que logo revelou ser uma bruxa:
“A única coisa, porém, que em parte abonava a má-língua dos informantes, era o jeito da mulher de Hiparco: magra, ecolhida, de cabelos ralos, duros e escorridos, olhos pequeninos e fugidios, ladeando um narigão recurvo e agudo que nem bico de coruja, a tal criatura dava a impressão de ser mesmo uma bruxa das mais autênticas e perigosas deste mundo.”.
As suspeitas do jovem logo se revelaram verdadeiras: conduzido por uma criada da casa aos aposentos da bruxa, observa por uma fresta da porta a mulher fazendo os seus rituais religiosos.
Em certo momento, a velha bebe uma porção mágica e entra em metamorfose. O seu corpo diminui até o tamanho de uma anã, cobre-se de penas, e seus pés se transformam em garras de gavião, até se converter num pássaro repulsivo que sai grasnando em direção à janela até se perder de vista.
Lúcio, garoto ingênuo e inexperiente, pede à criada que lhe ungisse a mesma porção mágica para transformá-lo num pássaro possante. Por um engano de sua amiga, que pega o frasco errado, Lúcio se transforma num burrico.
As aventuras do jumento, que é vendido para um grupo de salteadores, depois arrematado num leilão, depois adquirido por oportunistas que o utilizam para obter doações, e assim por diante, tem como pano de fundo a sátira da sociedade romana.
Em Léo Vaz, ela se dá na forma de um humor sutil, não agressivo nem ridiculizador, dotado de compaixão humana, e não raro combinando o trágico e cômico, tal qual as histórias de Machado de Assis.