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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A iniciativa do Iêmen e as investidas do imperialismo

"O único governo que adotou uma atitude clara de apoio à luta palestina foi o do Iêmen, na verdade, o governo dos Hutis"

A luta da resistência palestina em outros tempos conseguia ter o apoio de governos árabes, mas o chamado eixo da resistência tem se resumido à ação dos movimentos guerrilheiros do Hesbolá na fonteira norte de Israel e da resistência iraquiana atacando bases norte-americanas no Iraque e na Síria. O único governo que adotou uma atitude clara de apoio à luta palestina foi o do Iêmen, na verdade, o governo dos Hutis, que governam uma parte do país.

Inicialmente parecia uma ação limitada e sem força para ter resultados efetivos contra Israel, mas tem sido a única força a provocar reais problemas econômicos e logísticos para Israel. 

A cidade israelense de Haifa fica a apenas 32 quilômetros da fronteira libanesa. É a terceira maior cidade de Israel, com uma população de cerca de 300.000 habitantes. É o segundo maior porto de Israel em termos de tonelagem de carga, e a refinaria de petróleo de Haifa (a maior e uma das duas únicas em Israel) processa mais de 66 milhões de barris de petróleo bruto por ano, ou mais de um milhão de barris por semana. O porto, e em particular a refinaria, seriam os principais alvos, e danos significativos, particularmente para a refinaria, teriam sérias repercussões na economia israelense, que não pode sobreviver. O Hesbolá pode sobreviver sem um porto marítimo.

No ataque das forças navais dos Estados Unidos e do Reino Unido contra os houthis, eles recorreram a ataques aéreos, bem como ao lançamento de cerca de 100 mísseis de cruzeiro, a um custo de mais de um milhão de dólares cada. Os EUA e o Reino Unido agravaram uma situação já volátil. Após os bombardeios dos EUA e do Reino Unido, a Associação Internacional de Proprietários Independentes de Petroleiros (Intertanko), que representa quase 70% de todos os petroleiros, gás e produtos químicos envolvidos no comércio internacional, disse a seus membros para “manter uma distância segura” do estreito de Babelmândebe, controlado pelo Iêmen. A grande interrupção no tráfego de petroleiros pode ter uma influência de alta nos preços do petróleo, já que vem na esteira do anúncio da Aramco, da Arábia Saudita, de um corte de US$ 2 por barril a partir de fevereiro.

Os Huthis com seu cerco a navios que iriam comerciar com Israel desencadeou uma reação do mercado mundial muito mais danosa para Israel e para o Ocidente. A grande ameaça de ataques com mísseis foi suficiente para interromper o tráfego marítimo do Mar Vermelho e, por sua vez, quase todo o comércio internacional. Foi a coligação entre os Estados Unidos e o Reino Unido que levou a situação a um nível muito perigoso que interfere com o transporte marítimo, incluindo o tráfego de petroleiros.

Desde o final de dezembro, a multinacional “Operação Guardião da Prosperidade” (OIR) foi lançada em uma tentativa até agora fracassada de proteger navios ligados a Israel do Ansar Alá. Desde dezembro de 2023 até o momento, os Estados Unidos e o Reino Unido realizaram bombardeios aéreos conjuntos em sobre o Iêmen. Esses ataques visaram dezoito alvos distribuídos em oito cidades iemenitas. Segundo os EUA, eles visavam apenas armazéns de armas subterrâneos, sistemas de defesa aérea e um helicóptero, mas, na verdade, atingiram e mataram dezenas de civis.

Além disso, em 3 de fevereiro de 2024, os Estados Unidos e o Reino Unido atingiram pelo menos 30 regiões controladas pelos houthis no Iêmen, utilizando ataques aéreos e terrestres. As áreas afetadas incluíram a capital Sanaa, bem como Hajja, Dhamar, Al-Baida, Taez e Hodeida. Em 24 de fevereiro de 2024, uma nova onda de bombardeios foi lançada contra o Iêmen, como retaliação contra os ataques dos houthis a embarcações militares e comerciais no Mar Vermelho. 

As bombas americanas e britânicas que atingiram o Iêmen continental a partir de janeiro levaram Ansar Alá reagir, realizando uma enxurrada de ataques retaliatórios. Estes ataques causaram danos materiais diretos a embarcações militares dos EUA, atacando inúmeras vezes com mísseis avançados e drones lançados. Na esteira de cada ataque desse tipo, um comunicado foi emitido, reafirmando o direito do Ansar Alá de se vingar dos mortos em bombardeios americanos e britânicos.

Em 25 de janeiro, o Ansar Alá disse que havia entrado em confronto com contratorpedeiros americanos no Golfo de Áden e Bab al-Mandab por duas horas. Um navio da Marinha dos EUA foi atingido após uma tentativa de interceptação fracassada. Embora o presidente Joe Biden tenha afirmado repetidamente que os Estados Unidos não buscam expandir a guerra no Ásia Ocidental, as ações dos militares americanos estão, sem dúvida, tornando a situação no Mar Vermelho mais tensa. 

Na sequência dos ataques aéreos norte-americanos contra o Iêmen em 15 de fevereiro – pela nona vez só nesse dia, o porta-voz das Forças Armadas de Ansar Alá, brigadeiro Yahya Saree, revelou que o grupo tomaria “medidas adicionais” dentro do seu legítimo direito à autodefesa em resposta à repetida agressão EUA-Reino Unido. No mesmo comunicado, Saree anunciou que o navio graneleiro britânico de bandeira de Barbados, o Lycavitos, foi alvo de mísseis navais enquanto navegava no Golfo de Áden. 

A localização estratégica do Iêmen vem preocupando os EUA em mais um aspecto. Muitos meios de comunicação ocidentais divulgaram a intenção dos Hutis de afetar fortemente a internet ocidental e a transmissão de dados financeiros. O Iêmen está estrategicamente localizado, pois as linhas de internet submarinas conectando continentes inteiros passam muito perto dele.

O ministro da Informação do Iêmen, DaifAlá al-Shami, denunciou que os Emirados Árabes Unidos estão a recrutar agentes de várias nacionalidades estrangeiras em cooperação com a Al-Qaeda e o ISIS para atacar navios no Mar Vermelho e no Mar Arábico, a fim de confundir e distorcer as operações realizadas pelo Ansar Alá em apoio a Gaza. De acordo com al-Shami, a medida é apoiada pelos EUA.

Abdul-Malik al-Houthi em um discurso televisionado em 13 de fevereiro reafirmou a continuidade das operações para impedir a navegação internacional apoiando Israel no Mar Vermelho em razão da não interrupção do assassinato em massa dos habitantes de Gaza, o apoio americano renovado a Israel e o uso de armas proibidas internacionalmente contra civis em Gaza como o fósforo branco.

Al-Houthi disse que “os ataques retaliatórios dos militares iemenitas no Mar Vermelho provaram ser eficazes, pois levaram ao fechamento quase completo do porto de Umm al-Rashrash (o nome de Eliat antes de Israel anexá-lo), e todas as cadeias de abastecimento de alimentos para Israel que estavam passando pelo Mar Vermelho e Bab al-Mandab. Isto levou a uma queda em 70% das transações e a uma subida nos preços no mercado israelense de 50% depois que os navios foram forçados a desviar o curso através do Cabo da Boa Esperança.” As importações de Israel em 2022 chegaram a US$ 133 bilhões “graças ao Mar Vermelho”, segundo Abdul-Malik al-Houthi. Ele disse também que as companhias de seguros exigem que os navios israelenses e americanos paguem valores adicionais de até 50%.

“Nossas operações no mar levaram a um declínio nas importações totais de produtos de Israel em 25% durante os últimos meses”, disse Al-Houthi, “O Ministério da Economia e Indústria de Israel admitiu que as operações no Mar Vermelho prejudicaram suas relações comerciais com 14 países”.

A mobilização, o treinamento militar, as manifestações e outras atividades continuarão enquanto a agressão contra Gaza continuar, reafirmou o líder iemenita, dizendo que as operações no mar continuarão até que Israel “permita alimentos e suprimentos médicos e a entrega de necessidades básicas em Gaza”. “Os EUA e o Reino Unido não alcançarão seus objetivos por meio da agressão contra nosso país, e a única solução é parar a agressão e entregar alimentos e remédios ao povo de Gaza”, prometeu Al-Houthi.

A operação da rota comercial alternativa de Israel

Outra frente de ataque dos EUA à iniciativa dos Hutis consiste em montar uma rota alternativa para a chegada de bens a Israel que anteriormente vinham e pelo mar vermelho. Israel recebe mercadorias dos Emirados Árabes Unidos por meio de uma nova rota terrestre que passa pela Arábia Saudita e a Jordânia, o que gerou protestos da população neste país. Centenas de jordanianos se reuniram para exigir o fim do que chamam de “ponte terrestre sionista”, destinada a contornar o impacto dos ataques dos houthis a navios com destino a portos israelenses. O fato foi noticiado pela mídia israelense mostrando, em dezembro de 2023, a chegada do primeiro lote de produtos frescos comerciais em Israel a partir dos Emirados Árabes Unidos.

Em 31 de janeiro, um canal de TV israelense exibiu entrevistas com caminhoneiros dos Emirados Árabes Unidos transportando mercadorias para Israel, bem como imagens de drones de dezenas de caminhões comerciais estacionados no posto fronteiriço Jordânia-Israel, no Vale do Jordão.

Traição a Gaza, cumplicidade com Israel

No início de fevereiro, durante uma manifestação perto da Universidade da Jordânia, dezenas de estudantes formaram uma corrente humana e carregaram faixas denunciando o transporte de mercadorias para Israel “no momento dos massacres”, bem como a inação dos países árabes diante do cerco de Gaza, onde a população enfrenta fome catastrófica.

“Estamos nos mobilizando hoje para bloquear a rota terrestre que salva o inimigo sionista do foco de resistência no Mar Vermelho”, disse Hamzah Khader, membro do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) na Jordânia. “Exigimos que os vendedores de vegetais jordanianos sejam proibidos de exportar produtos para Israel, a fim de salvar sua economia, que foi destruída pela resistência e tenacidade do povo de Gaza”, disse ele.

Os protestos também reuniram centenas de pessoas no centro de Amã e em outras cidades jordanianas, como Irbid, Aqaba, Karak e Zarka. Os manifestantes gritavam palavras de ordem pedindo ao governo jordaniano que cortasse os laços com Israel, cancelasse os acordos de gás com o país e impedisse a passagem de caminhões dos países do Golfo para Israel. Os jordanianos também lançaram uma campanha online com a hashtag “Ponte terrestre da Jordânia para Gaza”, reivindicando que o governo que envie ajuda humanitária ao enclave palestino.

Khaled al-Juhani, diretor do escritório do Bloco de Reformas no Parlamento jordaniano, afiliado ao partido Frente de Ação Islâmica, disse que seu grupo questionou o governo sobre a ponte terrestre, tendo como resposta do primeiro-ministro Bisher Al Khasawneh, que havia uma estrada ligando países árabes a Israel muito antes de 7 de outubro. 

Há fotografias publicadas nas redes sociais israelenses que mostram vegetais de origem jordaniana em mercados israelenses, com adesivos de uma empresa jordaniana localizada na capital, Amã, e na região fronteiriça do Vale do Jordão. Suleiman Al Hiyari, presidente do Sindicato das Cooperativas dos Exportadores Agrícolas da Jordânia, disse que são atravessadores que compram os produtos do agricultor no mercado, o agricultor não sabe onde o atravessador os vende depois.

De acordo com o Ministério da Agricultura da Jordânia, as exportações totais de vegetais da Jordânia para Israel totalizam 1.300 toneladas por mês de um total de 12.500 toneladas de vegetais exportados. O ministro atribuiu aos agricultores a culpa pelas exportações a Israel 

Embora a guerra em Gaza seja uma questão extremamente sensível na Jordânia, onde a pressão popular está aumentando sobre o rei Abdullah II, aliado dos EUA, para tomar medidas contra Israel, um relatório publicado pela Human Rights Watch em 6 de fevereiro acusa as autoridades de deter vários jordanianos envolvidos em atividades de apoio à Palestina desde outubro de 2023, recorrendo a uma nova lei sobre cibercrime.

Desde 7 de outubro, milhares de jordanianos participam de manifestações em todo o país em solidariedade aos palestinos em Gaza. Mas os advogados jordanianos dos detidos dizem que a polícia provavelmente prendeu centenas de pessoas por seu envolvimento nos protestos ou em suas redes sociais. Os promotores acusaram quatro réus solidários sob a nova lei de crimes cibernéticos, incluindo Anas Al Jamal e Ayman Sanduka, secretário de um partido político.

De acordo com o diretor para o Oriente Médio da Human Rights Watch Lama Fakih ”as autoridades jordanianas estão violando os direitos à liberdade de expressão e reunião em um esforço para reprimir o ativismo relacionado a Gaza, disse. As recentes garantias do governo de que a nova lei de crimes cibernéticos não seria usada para perseguição política caíram por terra em menos de dois meses, quando as autoridades a usaram contra jordanianos para reprimir protestos”

O Parlamento da Jordânia aprovou a lei anticrime cibernético em agosto, ignorando as críticas da oposição. A lei fere ainda mais a liberdade de expressão no país, ameaça o direito ao anonimato dos internautas e introduz uma nova autoridade voltada ao controle das redes sociais, fortalecendo a censura. É uma cópia da famosa lei das fake news que o congresso quer aprovar no Brasil.

“Nos últimos anos, a Jordânia testemunhou um encolhimento do espaço cívico, à medida que as autoridades perseguem cada vez mais cidadãos que participam de organizações pacíficas e dissidentes políticos, usando leis vagas e abusivas que criminalizam a expressão, associação e reunião”, de acordo com a Human Rights Watch.

A ação das potências imperialistas contra toda e qualquer iniciativa que possa prejudicar Israel mostra que o genocídio em Gaza não é obra de um político de extrema direita tresloucado, mas uma estratégia internacional desenvolvida e colocada em movimento pelo imperialismo, que também controla a ação do governo israelense em todos seus passos. O Secretário de Estado norte-americano participa ativamente das reuniões do “gabinete de guerra” do governo israelense e sempre mostra um sorriso cínico no final, mostrando o total apoio dos EUA ao massacre dos palestinos. É preciso uma ação internacional coordenada pelas organizações e movimentos de solidariedade aos palestinos que coloque um freio definitivo a essa máquina de guerra infernal do imperialismo estadunidense.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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