No artigo O que Geisel pensaria dos negócios dos militares de Bolsonaro?, publicado pelo portal Brasil 247, Moisés Mendes apresenta a tese de que os militares que governaram o Brasil entre 1964 e 1985 teriam um “projeto de nação”. Diz ele:
“Tudo o que se disser para desqualificar a ditadura, da opressão, das torturas, dos assassinatos e da corrupção encoberta, terá sentido para que se compreenda aquele período na sua essência. Mas é preciso reconhecer que, até a chegada de Geisel, eles tinham um plano construído com uma elite civil de exceção, dentro e fora do governo. A ditadura deu, a seu modo, o sentido de projeto de nação ao que fazia”.
O objetivo do autor, obviamente, é criticar um adversário político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. O que Moisés Mendes procura fazer é apresentar o ex-presidente como uma figura tão medíocre que sequer poderia ser comparada àqueles que comandaram o regime mais sanguinário pelo qual o País já atravessou. No entanto, ao fazê-lo, Moisés Mendes acaba contribuindo para disseminar um mito bastante comum: o de que a ditadura militar teria um aspecto “nacionalista”.
Essa posição fica ainda mais clara nos seguintes trechos:
“Geisel, talvez o mais habilitado a ser ditador, chegara meio atrasado. Entregou uma ditadura morta ao sucessor, quando nem mesmo um time militar coeso existia mais. Mas havia como provar que ele conduzira até ali um projeto de governo e o que teria sido um plano de longo prazo para o país.
(…)
“Os militares sem brilho de Bolsonaro tinham um projeto precário de sequestro do Estado como negócio para Bolsonaro, a família e seus oficiais. Ninguém encontrará em nenhuma gaveta ou arquivo de computador um projeto – não de Bolsonaro, porque seria impossível, mas dos militares que o tutelavam – para o Brasil do século 21”.
Nada poderia estar mais distante da realidade. A ditadura militar foi implementada, guardada as devidas proporções, com os mesmos interesses que levaram à vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018. É preciso, já deste ponto, deixar claro que nunca houve um governo Bolsonaro propriamente dito, no sentido de que ele seria o seu comandante máximo, assim como a ditadura militar não era um regime em que os militares davam a palavra final.
Em 2018, Bolsonaro só venceu as eleições porque o imperialismo assim quis. Jamais Bolsonaro teria sido eleito se não fosse parte de um plano dos grandes capitalistas para impedir a vitória de Lula, o que, naquele período, poderia levar a uma reversão profunda do golpe de Estado de 2016. Bolsonaro, portanto, chegou com um projeto bem definido: ele foi alçado ao cargo de presidente da República para continuar a política de Michel Temer, que é a política de destruição da economia nacional desejada pelos banqueiros.
O mesmo aconteceu com os militares. E prova maior disso é que, tão logo ocorreu o golpe de 1964, passaram a comandar a economia do País os chamados “monetaristas”, que correspondem aos neoliberais de hoje. A ditadura militar foi estabelecida não como um plano que surgiu da cabeça dos militares, mas sim da necessidade do imperialismo de se chocar duramente com a política de desenvolvimento nacional dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Prova disso é que, ao final da ditadura militar, o Brasil iniciou o seu processo de desindustrialização – um processo tão profundo que até hoje não foi interrompido. Assim como a industrialização não acontece do dia para a noite, a desindustrialização também: se 1985 é considerado um marco na queda abrupta da industrialização do País, é óbvio que foi durante a ditadura militar que as bases da indústria brasileira foram desmanteladas.
O que costuma se citar como exemplo para demonstrar o suposto nacionalismo da ditadura militar é o fato de que, durante os 21 anos do regime, foram realizadas algumas obras grandes, que geraram vários empregos e que constituem um patrimônio até os dias de hoje. É preciso destacar, em primeiro lugar, que esses exemplos são poucos, considerando que a ditadura durou mais de duas décadas.
Ainda assim, empreendimentos como a hidrelétrica de Itaipu são plenamente compreensíveis sem que haja qualquer apelo a um espírito “nacionalista” dos militares. Eles foram não parte de um projeto nacional, mas sim o resultado da necessidade dos militares de fazer algumas conceções à burguesia brasileira, que se encontrava em pleno desenvolvimento quando foi dado o golpe militar. Ainda que a burguesia industrial não tenha se rebelado contra a ditadura, para que os militares conseguissem o apoio necessário, era preciso fazer várias concessões àquela classe social, que havia realizado uma série de conquistas nos governos anteriores.
Outro ponto a se destacar das obras da ditadura militar é que os países imperialistas, a certo modo, incentivaram algumas dessas obras para obrigar os países atrasados a se endividarem. O resultado foi o mal uso dos recursos, devido à alta corrupção dos militares, e um endividamento gigantesco, que levaria a uma profunda crise econômica.