O que parecia ser um recuo israelense, com o cessar-fogo não oficial no Líbano, agora se revela como parte de uma estratégia de longo prazo. Israel, com o apoio dos Estados Unidos, está agindo para obter controle sobre a Síria. Um elemento crucial dessa nova ofensiva é a postura do governo turco, que agora mostra suas verdadeiras alianças. O presidente Recep Tayyip Erdogan autorizou o fornecimento de armas aos jihadistas em Idlib, na Síria, permitindo que reiniciassem as hostilidades contra a República Árabe Síria. Esse movimento da Turquia acabou com a euforia gerada na cúpula do BRICS em Kazan, há um mês.
Na Síria, o presidente Bashar al-Assad rapidamente apoiou seus aliados do Hesbolá e os libaneses em geral. Historicamente, o território da atual República Libanesa fazia parte da Síria. Para Assad, seu país é responsável pela segurança dos libaneses. Por isso, ele acolheu centenas de milhares de refugiados libaneses que fugiam dos bombardeios israelenses e enviou armas ao Hesbolá. Em resposta, Israel bombardeou e destruiu quase todas as estradas e pontes que ligam a Síria ao Líbano. Com o apoio da OTAN, Israel lançou jihadistas de Idlib contra a cidade síria de Alepo. Esses terroristas conseguiram ocupar parte da cidade, pegando o Exército sírio despreparado. É surpreendente que Assad não tenha usado os dez anos de pausa no conflito para fortalecer seu exército e defender Alepo, a segunda maior cidade da Síria. Além disso, é impressionante que o governo sírio não tenha um sistema de inteligência militar eficaz. Para surpresa de Assad, os jihadistas em Idlib agora possuem armamento moderno, financiado pelo Catar, e enxames de drones operados por ucranianos.
A coalizão do Exército Nacional Sírio (SNA), formada por ex-integrantes do ISIS, foi criada por Ancara em 2017 para atuar como representante turco na Síria. O HTS, Hayat Tahrir al-Sham, adotou seu nome atual naquele ano, após várias mudanças de nome desde sua origem como Frente Nusra da Al-Qaeda. O Catar também apoiou o HTS ao longo dos anos.
Os terroristas invasores enfrentam divisões internas significativas. Tensões surgiram entre o HTS e o SNA, apoiado pela Turquia, enquanto atacavam conjuntamente as áreas rurais de Idlib, Alepo e Hama. Um líder do HTS, Abu Dhar Muhambal, foi morto a leste de Alepo por militantes do Jaish al-Islam, uma facção extremista do SNA. A morte de Muhambal foi anunciada pelo HTS em 1º de dezembro.
Ambos os grupos são agora as principais forças no ataque extremista em curso, iniciado em 27 de novembro. Os extremistas capturaram grandes áreas no interior de Alepo e Hama, e a cidade de Alepo também caiu sob seu controle. O Exército sírio recuou em grande parte sem lutar, permitindo que os militantes ocupassem rapidamente um território significativo, incluindo grande parte de Alepo. No entanto, o Exército sírio conseguiu se reagrupar no domingo e estabelecer uma linha defensiva no norte de Hama. As tropas sírias lançaram uma grande contraofensiva com o apoio de sua força aérea e de jatos russos.
Enquanto as forças de Damasco avançam com sua contraofensiva, o Exército sírio anunciou na quarta-feira a morte de mais de 1.600 militantes dos cerca de 20.000 que invadiram a Síria na semana passada.
O papel dos EUA
Militantes das Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA e lideradas pelos curdos, atacaram sete aldeias controladas pelo Exército Sírio na margem oriental do rio Eufrates, em Deir Ezzor, no leste da Síria. No entanto, não conseguiram manter o controle dessas áreas, conforme relatado pela Al-Mayadeen em 3 de dezembro.
O Conselho Militar de Deir Ezzor, uma milícia árabe sob a égide das FDS, lançou o ataque na terça-feira, alegando que as aldeias estavam sob ameaça de incursões por células do Estado Islâmico. Autoridades sírias e russas acusam os EUA, principal apoiador das FDS, de também apoiar o ISIS, afirmando que militantes do grupo terrorista são treinados na base americana em Al-Tanf, na fronteira entre Síria, Iraque e Jordânia.
Segundo o correspondente da Al-Mayadeen, o ataque das FDS em 3 de dezembro foi frustrado pelo Exército Sírio e forças pró-governo, forçando os militantes a recuar para suas posições iniciais no norte de Deir Ezzor. O correspondente também mencionou que as forças dos EUA apoiaram o ataque das FDS disparando artilharia da base americana no campo de petróleo de Conoco.
As forças de ocupação dos EUA instruíram os militantes das FDS a atacar posições do Exército Sírio na zona rural de Deir Ezzor, em coordenação com os ataques em andamento contra posições do Exército Sírio em Alepo por grupos extremistas apoiados por estrangeiros, conforme observado pela Al-Mayadeen.
Desde 2015, as FDS têm colaborado com as forças dos EUA para ocupar grandes áreas do nordeste da Síria, incluindo regiões com populações curdas e árabes a leste do rio Eufrates. Essas áreas, sob ocupação das FDS e dos EUA, abrigam grande parte das regiões produtoras de petróleo e trigo da Síria.
As forças das FDS e dos EUA frequentemente saqueiam o petróleo sírio, transportando-o em comboios de caminhões para o Curdistão iraquiano, no norte do Iraque, de onde é enviado para a Turquia e vendido a Israel.
Em 2016, os EUA estabeleceram uma presença em Al-Tanf, uma base estrategicamente localizada na tríplice fronteira entre Síria, Iraque e Jordânia. Esta posição, ao sul do rio Eufrates, é vista como crucial para o controle regional, pois supervisiona uma rota de abastecimento vital de Teerã a Damasco e Beirute. A base de Al-Tanf foi originalmente estabelecida em 1991, antes da Segunda Guerra do Golfo, reativada durante a invasão do Iraque em 2003 e fechada após a consolidação do controle americano no Iraque. Foi reaberta em 2016, após a expulsão do ISIS da área. Desde então, Al-Tanf tem servido como campo de treinamento para combatentes do Maghawir al-Thawra, apoiados pela CIA, e como um ponto estratégico para os interesses mais amplos dos EUA.
Com a iminente volta de Trump à Casa Branca no próximo mês, surgem dúvidas sobre o futuro do envolvimento militar americano na Síria. A expectativa é que, apesar de qualquer retórica sobre a redução do envolvimento militar, Al-Tanf continue sendo um ativo crucial para manter a influência dos EUA na Síria e na região.
Israel e Ucrânia
Oito dias antes da ofensiva do HTS em Alepo na semana passada, o jornal israelense Yedioth Ahronoth revelou que Ronen Bar, chefe do Shin Bet (inteligência interna de Israel), fez uma visita secreta à Turquia, onde se encontrou com Ibrahim Kalin, chefe da agência de inteligência turca Millî İstihbarat Teşkilatı (MIT).
A unidade de operações especiais dos Lobos Brancos da Ucrânia está atuando no norte da Síria ao lado de militantes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que estão conduzindo um ataque contra o governo sírio nas regiões de Idlib e Alepo, conforme relatado por várias fontes citadas pela Al Mayadeen em 3 de dezembro.
De acordo com as fontes da Al Mayadeen, há “envolvimento direto da Ucrânia em batalhas contínuas contra o exército sírio nas frentes de Alepo, Hama e Idlib”. As unidades ucranianas na Síria fazem parte do grupo White Wolf (Urso Branco), afiliado ao Serviço de Segurança da Ucrânia. Este grupo é conhecido por sua expertise no desenvolvimento e uso de drones, controlando uma ampla gama de sistemas de armas drones na Síria.
Antes do ataque a Alepo, foi firmado um acordo entre o HTS e a inteligência ucraniana, que resultou na libertação de mercenários de origem georgiana, chechena e albanesa das prisões do líder do HTS, Abu Muhammad al-Jolani. Esses mercenários foram integrados à unidade ucraniana no noroeste da Síria. O uso de drones avançados pelo HTS e outros grupos em operações sofisticadas contra o exército sírio só foi possível graças à assistência da Ucrânia.
A colaboração entre a oposição armada na Síria e os militares ucranianos vem ocorrendo desde 2022, quando foi revelado que dezenas de militantes do HTS e do ISIS estavam sendo enviados à Ucrânia para lutar ao lado das forças de Kiev contra a Rússia. A Sputnik informou que um grupo de 250 especialistas militares ucranianos chegou à província de Idlib, no norte da Síria, para treinar militantes extremistas no uso e fabricação de drones.
O que a mídia brasileira e internacional tem retratado como uma ação de rebeldes contra o “ditador” Bashar al-Assad é, na verdade, uma operação internacional contra a Síria, o Irã e a Rússia, liderada pelos EUA e articulada pelo sionismo. O apoio da Síria ao Hesbolá, ao Irã e à resistência palestina tornou-se intolerável para o imperialismo norte-americano, que busca uma mudança de regime no país para que ele se torne um colaborador dos EUA. É surpreendente a postura subserviente do governo turco, que finge ser aliado dos BRICS, mas, na verdade, adota atitudes de agressão contra um país oprimido pelo imperialismo e solidário aos países dos BRICS e ao eixo da resistência.