A primeira parte deste artigo tratou sobre como os britânicos aliciaram a tradicional classe dominante dos palestinos ao mesmo tempo que iniciaram seu projeto sionista de grande imigração de judeus europeus para o território que haviam recém conquistado. Nesta segunda parte, também usaremos como base o texto do jornal Labour Monthly (Trabalhismo Mensal) intitulado O caráter de classe do levante palestino.
O beduíno
Os mais afetados foram a população nômade de beduínos. O artigo destaca: “a colonização sionista significou, para os beduínos semi-nômades, que compõem quase um quinto da população árabe, serem forçados a deixar suas terras de pastagem habituais. Eles enfrentaram a escolha de vagar pelo deserto (…) ou de se estabelecer como fellahin [cultivadores camponeses]. Esse dilema também confronta os outros países árabes, e nem os conselheiros imperialistas britânicos do governo do Iraque, nem os líderes franceses do governo sírio ousam ignorar o perigo ameaçador dos beduínos desesperados”.
Ou seja, a colonização britânica já impôs uma grande repressão a um quinto da população da Palestina simplesmente pelo fato de mudarem a forma como era estruturada a posse da terra. As terras coletivas tradicionais permitiam uma grande sociedade de beduínos, as terras modernas como propriedade capitalista destruíram essa sociedade.
E continua: “a administração britânica, que deseja, com a ajuda do sionismo, construir uma peculiar cidadela imperialista, deixa os beduínos ao seu destino; na melhor das hipóteses, esforça-se para apressar seu destino com pressões especiais contra eles. Enquanto a introdução de automóveis e ferrovias causou uma queda contínua no preço dos camelos, o governo impõe um imposto sobre eles três vezes mais pesado do que sob o domínio turco. Enquanto para o beduíno a liberdade de movimento é uma necessidade, ele encontra seu caminho bloqueado por barreiras artificialmente construídas, e o solo adequado para acampamento é tomado pelos grandes proprietários de terras para venda aos sionistas”.
O camponês
O imperialismo britânico também teve um impacto enorme na população rural, a maioria dos palestinos. “Os pobres fellahin não estão em situação melhor. O ouro sionista não os beneficia, destrói-os. Mais de 60% da população árabe da Palestina vive nos 800 vilarejos do país, e grande parte da população urbana está mais ou menos diretamente ligada à agricultura. A política do governo conta com isso; a maior parte da carga tributária (tributação direta) é suportada pela população rural, os fellahin. É verdade que o imposto de dízimo medieval foi formalmente reduzido de 10% para 1%, mas como esse imposto, em vez de ser pago em espécie como antes, agora é coletado em dinheiro, e como a base para o imposto é uma estimativa das colheitas no campo (sem considerar perdas na colheita), o fellahin ainda paga impostos esmagadores que não apenas tornam impossível qualquer extensão de sua agricultura, mas, em muitos casos, até tornam impossível a continuação de sua vida”.
Aqui, mais uma vez, a chegada do capitalismo moderno colonial esmagou completamente a população palestina. Isso mesmo sem destacar a presença dos sionistas, que foi se tornando cada vez maior. Foi a junção da opressão colonial com a ação dos sionistas que levou a grandes revoltas na Palestina antes dos demais países árabes.
O artigo segue: “nessas condições, os beduínos e fellahin são reduzidos ao menor limite de necessidade. Um número cada vez maior abandona suas casas e imigra para as cidades, onde constituem um ‘lumpemproletariado’ desesperado e sem esperança, já que ainda não há nenhum tipo de indústria que possa absorvê-los. Feliz é o fellah ou beduíno empobrecido que pelo menos consegue ser contratado como trabalhador diarista — seja nas plantações dos efêndis [donos de terra] ou ricos colonos judeus, ou em uma das inúmeras obras públicas que o governo está continuamente embarcando por considerações estratégicas (ferrovias, pontes, construção de estradas, edifícios públicos, campos militares, obras portuárias). Assim, o governo e os colonos sionistas, depois de terem arruinado completamente os fellahin e os beduínos, fizeram deles um exército de reserva de trabalho do tipo mais barato para si mesmos e para os grandes plantadores árabes”.
Ou seja, a união do governo britânico e do sionismo, algo muito difícil de diferenciar, criou uma classe operária na cidade extremamente oprimida. Essa seria uma das bases das muitas revoltas de palestinos que culminariam em 1936 com um movimento revolucionário. A revolução afetaria toda a sociedade palestina, que estava sendo oprimida há 20 anos pelos seus novos algozes.
Os trabalhadores
A dominação britânica também afetou a população que já vivia nas zonas urbanas: “na própria cidade, o empobrecimento das amplas massas trabalhadoras também avança rapidamente. Em particular, os pequenos trabalhadores manuais estão sendo lenta, mas sistematicamente arruinados pela importação de mercadorias mais baratas e melhores do exterior. Da mesma forma, os pequenos comerciantes nos bazares também estão sendo arruinados, de modo que em grande parte são compelidos a liquidar completamente suas oficinas ou lojas, tornando-se desempregados, procurando trabalho, e, juntamente com os camponeses empobrecidos, vão engrossar as fileiras do proletariado urbano. Em qualquer caso, a pequena burguesia urbana desesperadamente atingida, entre a qual também devem ser contados a pequena burguesia intelectual, os descendentes empobrecidos das grandes famílias aristocráticas e as camadas inferiores dos funcionários muito mal remunerados, também constituem um elemento que tem todos os motivos para ver seu inimigo na ocupação britânica e na política sionista”.
Aqui o fenômeno é parecido com o dos beduínos. O próprio desenvolvimento do capitalismo destrói a antiga estrutura das cidades e acaba com o modo de vida tradicional dos palestinos. O capitalismo não desenvolve o país para que todos tenha oportunidades de serem produtivos com a força moderna. Ele faz o mesmo que na Índia, destrói a antiga indústria sem a substituir por uma nova, criando, assim, uma massa de miseráveis. É o tradicional método britânico de dominação colonial.
O artigo, escrito em 1930 por uma organização de esquerda, tem uma conclusão muito lógica. A contradição cada vez maior entre as classes oprimidas e as dominantes só pode levar a uma grande luta. Em suas palavras: “estes, então, são os fatores de classe da rebelião de agosto e das subsequentes lutas revolucionárias na Palestina. Por um lado, as massas – felahin, beduínos, trabalhadores – radicalizadas por completo, fervendo com revolução, prontas para uma guerra de libertação contra aqueles que os oprimiram por tanto tempo. Por outro, líderes feudais-burgueses traiçoeiros, inclinados a fortalecer sua aliança com o imperialismo por meio de compromissos e ganhos políticos mesquinhos, que, depois de desviar o movimento espontâneo das massas para o canal de uma luta nacionalista e enganar seus seguidores, finalmente os entregam aos tiros e bombas dos imperialistas”.