Certa tarde, numa loja de quadrinhos, encontrei a HQ “Onírica”, do Fábio Q. “Onírica” não é uma HQ convencional; sem dúvidas, trata-se de quadrinhos, mas a disposição deles em um quadro por página, sejam páginas duplas ou simples, e o texto sem balões, dispostos entre as imagens, surpreendem o leitor. Além disso, os traços são difusos, tornando-se necessário buscar pelas imagens disseminadas entre as cores e as formas, traçadas com pinceladas largas e empastadas; com tal técnica, Fábio Q deixa o leitor indeciso entre apreciar os quadrinhos, verdadeiros quadros de uma exposição, e se deixar transportar pela narrativa. Assim, entre as linguagens da pintura e da HQ, “Onírica” justifica seu título, pois faz com que o leitor, oscilando entre essas duas semióticas, oscile entre o sonho, perdendo-se nos mistérios das imagens, e a vigília, seguindo pelas tramas da história.
Caso resolva seguir pelas tramas, as figuras disseminadas pela HQ assumem, pelo menos, três temas articulados entre si. O primeiro tema se revela o discurso feminino; o primeiro quadro de “Onírica” é, exatamente, sobre uma mulher calada devido a um traço sobre sua boca. Em seguida, seu espaço se relaciona ao espaço da casa em que ela, porventura, habita; nessa metáfora entre a mulher e sua casa, o texto se abre em muitos sentidos, entre eles: (1) a mulher restrita ao lar; (2) a casa como metáfora do corpo da mulher etc. Em todos os sentidos, porém, os percursos pela casa e a busca pela saída mostram-se tópicos recorrentes.
Por fim, em suas procuras e descobertas, a mulher se compara à rainha dos jogos de xadrez, com o poder de caminhar sobre o tabuleiro em todas as direções – ou seja, em vários os sentidos –, quantas casas forem necessárias, contrariamente ao rei, que, embora também caminhe em todas as direções, segue casa por casa, portanto, bem mais devagar.
Em síntese, trata-se de 14 páginas, com percursos fantásticos na expressão plástica, nos conteúdos tematizados, nas articulações entre as linguagens da pintura e dos quadrinhos.