*Marília Garcia
Um passo a frente pode ser suficiente
Era uma noite de outono, o orvalho na janela.
O frio me levava para mais perto dos seus braços.
Estávamos deitados há algum tempo,
enquanto o relógio corria.
Após bocejos e suspiros,
um beijo de boa noite
e só nos veríamos ao tocar do despertador.
Sono profundo, contínuo.
Sonhos tranquilos.
De manhã, o sol alto pedia um belo café na cama.
Desligar o despertador, tomar o desjejum.
O banho, as roupas, o carro.
Alguns amigos no trabalho diziam “bom dia”.
Mais café para acordar,
um telegrama. E as reuniões.
Decisões, tarefas, organização.
Passo a passo para grandes feitos.
A rotina tranquila escondia a constante renovação das coisas.
Maria caminhava todos os dias,
Mas sempre era uma nova caminhada.
O mundo ao seu redor se transformava sem pretextos
Era desigual
Todos os dias a lata do lixo se enchia
Todos os dias ela estava vazia,
O caminhão de lixo passando também sempre desigual.
Seu Antônio corria todos os dias atrás do caminhão
Jogava as sacolas deixadas na rua,
Tomava posto na porta da lataria
Dia a dia era igual, banhava, saia, corria e corria
Mas sempre era diferente
O sol sempre se põe sob o mundo dos homens
Um sol, ora sereno, ora aterrador.
Deixando espaço ao luar misterioso do subúrbio da madrugada
Onde os desfeitos de Joaquim, toma a meretriz após o turno da noite.
Nenhuma prioridade nos afetos, na política, ou no amanhã.
O dia a dia passa e devora os ossos humanos.
O vermelho do sangue é ralo, mas pinga gota a gota nas esquinas do tempo.
Não há momento para a decisão final,
mas a hora da sua chegada é como a morte.
Inevitável.