Recentemente, a jornalista Vera Magalhães escreveu um artigo no jornal O Globo sobre a posição dos especuladores brasileiros, que ganham dinheiro com o dinheiro dos outros. No artigo intitulado “um tango a quatro”, a jornalista fala sobre como o mercado financeiro se sente e age como se fosse um deus. Ao longo do texto, ela diz que o mercado financeiro está com medo e preocupado com a possibilidade de Lula voltar a ser presidente e entrar em conflito com Campos Neto, que é o responsável pelo Banco Central.
Em entrevista ao Roda Viva, Campos Neto cínicamente tentou trazer o debate sobre a autonomia do BC por dois ângulos fundamentais:
- o “ângulo da ciência econômica”
- o ângulo da “legalidade”
Como disse a própria Vera Magalhães: “Foi [Campos Neto] conciliador, disse que quer, sim, dançar conforme a música do governo e traçou uma única linha que não pretende ultrapassar: a revisão da meta de inflação, seja para este ano, seja para 2024.” E contínuou a jornalista: “Ele foi político ao se mostrar permeável ao argumento da necessidade de o BC também atuar para fomentar crescimento e emprego, desde que de forma ‘responsável’ e ‘técnica’.”
O que Vera Magalhães não comentou — nem comentará, por sua vassalagem aos parasitas financeiros — é que esta ciência econômica, esta “técnica” defendida pelo atual presidente do BC não é “ciência”, apesar de muito “técnica”. O que está sendo aplicado no Brasil é em tudo, menos em nome, um crime de usura. Ou para os leigos, a boa e velha “agiotagem”. Essa maracutaia ocorre justificada pela “ortodoxia econômica”. Os tais “economistas influentes”, o que inclui Campos Neto, defendem a tese de que a alta da inflação brasileira é causada por um “superaquecimento da economia”, o que pede um aumento dos juros para frear o crescimento e conter a alta inflacionária.
No entanto, os números da economia brasileira (e mundial) não traduzem um “superaquecimento econômico”, muito pelo contrário. Segundo a FGV, o PIB brasileiro cresceu míseros 2,9% em 2022; lembrando que esse crescimento ocorreu após a queda de 3,3% em 2020 e o crescimento de 4,6% de 2021. Mesmo após as extensas reformas trabalhistas, que precarizaram o trabalho, diminuindo o custo de mão de obra, quase 10 milhões de brasileiros ainda estão desempregados; a cada 10 brasileiros desempregados, quase 3 ainda seguem em busca de trabalho após 2 anos na penúria.
A situação não é muito melhor para os trabalhadores empregados. O salário real do brasileiro caiu 18,8% na pandemia, aponta relatório da OIT. Já o salário mínimo, como aponta o gráfico, desde 2015 não apresenta aumentos reais superiores a 2%.
Mesmo assim, Vera Magalhães acusa Lula de atacar um homem “técnico”, partindo do pressuposto cínico, que essa “técnica” carrega os interesses de todas as camadas sociais. Nada poderia estar mais longe da verdade. E é por isso que Vera Magalhães cria o ilusionismo de que a política econômica do BC é benéfica a todos: caso se perceba que Campos Neto trabalha para os parasitas financeiros, fica fácil organizar uma oposição majoritária contra qualquer noção de “autonomia” do BC.
Memórias
Apesar de alinhada ao que há de pior na sociedade brasileira — e fora dela — devemos lembrar que Vera Magalhães já foi a “vítima do momento”, adotada pela esquerda identitária e os conglomerados de imprensa, no já ultrapassado e demagógico cerco ao bolsonarismo. Para além das palavras ditas por Bolsonaro no debate presidencial de 2022, o episódio mais recente ocorreu com um deputado bolsonarista, também em um debate.
Incertezas
É Importante frisar, que a jornalista parabeniza a hesitação de Haddad em “não comprar a briga com o BC”. Não se sabe exatamente qual é a posição do petista no assunto, mas ao que indica a matéria, as bases e alas mais nacionalistas do PT estariam tensionando para que o debate seja pautado pelo Ministro da Fazenda.
Disse Vera Magalhães: “Tudo o que Haddad gostaria de ter evitado, semanas atrás, era que isso virasse tema de redes sociais e discussão no diretório do PT, mas várias razões, da ata do Copom às falas de Lula, tiraram o assunto do âmbito reservado das conversas que vinham acontecendo”. O Tema da autonomia do BC é importante demais para ser tratado no âmbito meramente institucional, que é o desejo dos banqueiros. É natural que o Ministério da Fazenda, assim como o governo em seu conjunto, seja pressionado por todos que não vivem de juros (mais de 99% dos brasileiros) para assumir a luta contra o chamado “rentismo” que assola o país com a maior taxa de juros reais do planeta. Essa pressão, inclusive, só pode ser realizada com amplas mobilizações de massa.
Caso o governo seja incapaz de solucionar a agiotagem institucionalizada, o sangramento econômico continuará; a tendência mais óbvia seria o derretimento da aprovação social e a abertura de flancos, ainda mais amplos, para o ataque dos banqueiros, cujas consequências podem chegar até a derrubada do presidente Lula.