Matéria de Aldo Fornazieri, no Brasil 247, intitulada “A crise do Exército e o entulho golpista”, nos dá uma falsa ideia de que haveria uma crise dentro do Exército, quando, na verdade, há uma crise entre o governo e as Forças Armadas, especialmente o Exército.
Os eventos do dia 8 de janeiro, em Brasília, não foram, ao contrário do que vêm afirmando, uma tentativa de golpe. Tivemos, isso sim, uma operação de desgaste muito bem-sucedida que causou um transtorno dentro do governo recém-empossado. Digam o que quiserem, mas os manifestantes invadiram o Palácio do Governo e houve conivência do alto-comando do Exército.
Segundo Fornazieri, “As Forças Armadas como um todo vinham elevando sua reputação e prestígio no período pós redemocratização pela sua conduta institucional e legalista. No entanto, o governo Bolsonaro provocou graves danos e avarias à imagem positiva do Exército”. Concordemos ou não com o desgaste na imagem do Exército, o fato é que o golpe foi dado antes de Bolsonaro assumir. O golpe colocou Temer no poder e a eleição de Bolsonaro foi uma espécie de improvisação, o candidato da burguesia à presidência, Geraldo Alckmin, não pontuava bem nas pesquisas. Com Lula na cadeia, impedido de concorrer por obra do famoso tuíte de general Villas Boas, o caminho ficou aberto para Bolsonaro.
Não sabemos até que ponto os militares se preocupam com sua ‘imagem’, quando são convocados a apoiar um golpe de Estado pela burguesia cumprem seu papel, a despeito da opinião popular. Aliás, os golpes são justamente contra a população. Jair Bolsonaro fez um “trabalho de base”, seus eleitores, que são muitos, apoiam as Forças Armadas. Por outro lado, sua atuação quase sindical em favor dos militares conseguiu uma adesão quase completa à sua figura dentro das tropas; além das polícias.
Descompasso
Aldo Fornazieri diz que “A crise do Exército se expressa por duas linhas divergentes no seu interior: uma linha legalista e, outra, golpista/intervencionista. A rigor, a linha golpista começou a se evidenciar antes do governo Bolsonaro. O golpe contra Dilma, que teve Michel Temer como eminência parda, ocorreu com o aval de generais da ativa e da reserva. Alguns historiadores indicam que ao menos os generais Villas Boas, Mourão e Etchegoyen, participaram de articulações visando o golpe-impeachment”.
Se Temer foi eminência parda no golpe contra Dilma, Sérgio Etchegoyen parece ter cumprido esse papel dentro do governo Temer. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) foi recriado com medida provisória de Temer e com status de ministério, com Etchegoyen no cargo de ministro-chefe. Com o GSI controlando a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), podemos concluir que Michel Temer era apenas uma figura decorativa.
O que podemos estar assistindo são duas alas das Forças Armadas que divergem de como deve ser dado o golpe, se é o momento correto. A burguesia está em um forte atrito contra o governo Lula e assim como fizeram contra Dilma, se utilizaram de aproximações sucessivas. Foram bloqueando suas ações no Congresso, bombardeando na imprensa e preparando o terreno para parecer que seu afastamento do cargo tinha um caráter jurídico.
O dia 8 de janeiro foi esse primeiro passo e boa parte da esquerda não acredita que temos um golpe em curso. Muitos apelam para o famoso “não haverá apoio da comunidade internacional”, ou “não há clima” etc.
Os militares são uma ameaça constante à democracia. O que Lula tem feito, com o pouco espaço para manobrar que tem, é afastar, tirar de perto, os militares mais bolsonaristas e está substituindo por generais tucanos, ou que não ajuda muito, pois estes são muito capazes de dar um golpe, ainda mais tendo um tucano na vice-presidência. A nomeação de Tomás Paiva para o comando do Exército pode ser um paliativo e fazer o relógio correr mais devagar para o ímpeto da ala bolsonarista das FFAA’s.
Embora Fornazieri diga, ou peça, que “O general Tomás, novo comandante do Exército, precisará fechar as portas para a politização e coibir a indisciplina”, isso não vai acontecer. Neste exato momento estão discutindo que tipo de punição os militares receberão. Tudo indica que nada acontecerá com os militares, apesar da gravidade dos acontecimentos no Distrito Federal.
Olhando para as Forças Armadas, quem Lula poderia escolher para cargos de confiança, ou para fazer sua segurança? A única solução seria desmantelar esse aparato, teríamos de criar um novo tipo de exército, um que fosse baseado no povo, como as milícias populares venezuelanas.
O governo Lula deveria parar de tentar desarmar a população, não cair na demagogia barata dessa esquerda entreguista de que o direito da posse de armas fosse coisa de extrema-direita. Quem poderá defender essa gestão de mãos nuas?
Comitês de Luta
Finalmente, não se pode ficar protelando a entrada em cena dos Comitês de Luta. O povo é a única força capaz de se opor aos militares. É ilusão ficar acreditando que Lula está controlando o Exército, está muito longe disso.
Depois dos acontecimentos do dia 8, as manifestações de esquerda, embora não se comente muito, foram expressivas. Porém, como tem sido, não se deu continuidade, apesar de a população ter demonstrado ânimo para sair às ruas.
A tarefa principal, urgente, é a convocação de plenárias regionais dos Comitês. Os sindicatos, a CUT, devem participar para que se consiga uma máxima adesão e que se comecem logo os trabalhos.
A ação dos Comitês dará forças para o governo tomar medidas mais populares, isso aumentará sua popularidade, o que dificultará a ação dos golpistas.
É preciso dizer com todas as letras que não se deve ter ilusões de que as Forças Armadas podem ser controladas sem que haja uma forte pressão da classe trabalhadora.