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Gabão

Um país colonizado pela França mesmo após sua independência

No papel, Gabão tornou-se independente da França em 1960; na prática, sua independência ocorreu no final do mês passado

– Por Pedro Burlamaqui

O golpe militar no Gabão pode ter sido o primeiro passo do país rumo a uma verdadeira independência da França. Um grupo de militares de alta patente tomou o poder logo após a divulgação do resultado das eleições gabonesas, depondo o presidente capacho do imperialismo Ali Bongo, que governou o país por mais de 14 anos.

Mas o Gabão não se tornou independente da França em 1960? Apenas formalmente. Na prática e, principalmente, por meio dos governos da família Bongo – o pai de Ali foi presidente de 1967 até sua morte, em 2009 -, o país centro-africano permaneceu nas mãos da França que, por meio de “acordos” comerciais, vem roubando a maioria dos recursos naturais gaboneses.

A começar pelo processo de independência do Gabão, já fica claro que se tratou de um golpe dado pela França para manter o controle sobre o país de uma maneira mais escondida. O primeiro presidente do país foi Léon M’ba, que, nomeado pela França por sua relação com a extração madeireira, se recusava a aceitar a independência de seu próprio país.

Os franceses, seguindo seu plano para o continente, forçaram M’ba a aceitar a independência explicando que não seria uma independência de fato, mas algo “para inglês ver”. Isso porque, um mês antes da independência, o país foi obrigado a assinar 15 “acordos de cooperação” que tornavam a economia gabonesa completamente dependente da França.

Por meio destes acordo, estava garantido que a França continuaria “auxiliando”, tanto de maneira econômica, quanto técnica, na gestão das instituições do novo governo gabonês. Os acordos cobriam: aspectos-chave da política nacional e internacional do país; de defesa; de materiais estratégicos; de educação e cultura; de política monetária e financeira e de assistência econômica, financeira e técnica. Além disso, garantiam o controle aos franceses de áreas como pesca, aviação civil e comércio marinho.

Cabe ressaltar que os acordos feitos com o Gabão, apesar de parecidos com os feitos com outras ex-colonias francesas, eram piores em vários sentidos, permitindo à França e aos franceses posições privilegiadas no aparato estatal e econômico do Gabão.

A França, por exemplo, garantiu o monopólio na compra de materiais estratégicos, incluindo aqueles necessários para a criação de uma força atômica independente.

Por quase quarenta anos, de 1960 a 1999, o imperialismo francês explorou e minerou o urânio gabonês até esgotar todo esse recurso natural. Os primeiros depósitos do metal foram descobertos em 1958, na cidade de Mounana, por geologistas da Comissão de Energia Atômica Francesa (CEA). No mesmo ano, foi formada a Companhia das Minas de Urânio de Franceville (terceira maior cidade do Gabão, e localizada a menos de 80 km de Mounana).

Em 1968, foi descoberta o que seria a principal mina gabonesa de urânio. Os depósitos foram encontrados na região de Oklo. Enquanto que no auge da rapina imperialista o país africano estava produzindo 28 mil toneladas de urânio, 14 mil delas advinham de Oklo.

Durante os anos de saque do urânio gabonês, a COMUF foi a principal subsidiária da exploração e mineração do metal. Enquanto o governo do país africano detinha apenas 25,8% da companhia, os restantes pertenciam à francesa Cogema (Companhia Geral de Materiais Nucleares). Esta, por sua vez, eventualmente tornou-se a Areva NC e, então, a Orano Cycle, todas empresas controladas pelo capital imperialista francês, seja privado ou estatal. Para aqueles que acompanharam as matérias publicadas neste Diário sobre o golpe no Níger, a Orano também é a principal saqueadora do urânio desse país.

Além disso, franceses que moravam no Gabão conseguiram manter suas cidadanias francesas e ganharam cidadanias gabonesas. Com isso, podiam desempenhar papéis importantes na vida política do país africano de maneira “legal”.

O embaixador da França no Gabão foi nomeado diretor do Corpo Diplomático francês na África, composto por todos os embaixadores do país europeu no continente. O órgão serviria como uma fonte de ajuda para o país, algo que ele também monopolizou: somente quando os franceses se recusassem ajudar o Gabão é que o país poderia pedir ajuda de outros países.

Tudo isso sem falar da administração de M’ba que, enquanto estava no poder, manteve relações extremamente próximas com Paris, principalmente quando o assunto era a política econômica do Gabão.

A intervenção francesa era tamanha que, em 1964, quando um golpe militar derrubou M’ba do poder, 600 tropas francesas vindas das capitais da República do Congo e do Senegal, comandadas pelo general Kergaravat, invadiram o território gabonês e restauraram o governo M’ba. Segundo relatos, cerca de 25 gaboneses morreram com os ataques aéreos, com a probabilidade de muitas outras baixas civis.

Imediatamente depois disso, a França começou a preparar a chegada ao poder do vice-presidente de Léon M’ba, Alberto Bongo, conhecido posteriormente como Omar Bongo. Com o General de Gaulle ainda no comando, a França mudou a Constituição do Gabão do sistema parlamentar que era na época para um sistema presidencial baseado no modelo americano.

Com essa mudança, se você tivesse um presidente e um vice-presidente concorrendo, e se eles vencessem, eles governariam juntos o país. Porém, se o presidente morresse, ele seria automaticamente substituído pelo vice-presidente. E, nesse caso, não seria necessário fazer uma eleição, bastava continuar com o mesmo regime.

O autor dessa armadilha jurídica foi Jacques Foccart, o qual é definido como o pai da chamada Françafrique (Françáfrica), que é, basicamente, a política imperialista da França para manter o controle sobre suas antigas colônias.

Ele foi um empresário e político francês mais conhecido como principal conselheiro dos presidentes franceses em assuntos africanos. Ele também foi cofundador do Service Gaullist d’Action Civique (SAC) em 1959 com Charles Pasqua, especializado em operações secretas na África. Ele organizou todo esse sistema no Gabão com o General de Gaulle justamente para garantir que Omar Bongo sucedesse o Presidente Leon M’ba.

Em 1968, já no poder, Omar Bongo suprimiu todos os partidos políticos e iniciou uma regra de partido único que durou até 1990, quando os gabonenses se revoltaram e foram para as ruas exigir o retorno a um sistema mais democrático.

Um artigo denominado A França no Gabão desde 1960, que faz parte da coleção Anais do Encontro da Sociedade Histórica Colonial Francesa (Proceedings of the Meeting of the French Colonial Historical Society), publicado na década de 80, diz o seguinte:

“Analisando as últimas duas décadas desde a independência política do Gabão, é evidente que a intervenção militar francesa de fevereiro de 1964 foi decisiva para destruir a possibilidade de um sistema político democrático ou liberal […] Ele [o golpe] fortificou e ajudou a consolidar um regime autoritário dirigido por uma elite que não danificaria os interesses franceses. Apesar de modificações na relação do Gabão com a França, que enfraqueceram a dependência do Gabão em várias áreas de formulação política, lhe dando maior controle de seus recursos naturais e um pedaço maior do lucro proveniente de sua exploração, o Gabão não foi livre para alterar a sua constituição ou para desenvolver sua economia e sociedade em outras maneiras senão as toleráveis pela França.”

Até hoje, porém, a economia gabonesa é controlada pela França por meio do Banco Central dos Estados Africanos (BEAC, em francês), que emite o franco CFA (XAF) – e, por óbvio, o BEAC é controlado pelos franceses, assim como é o Banco Central brasileiro com os norte-americanos por meio de Campos Neto. Esse franco, inclusive, possui uma conversão fixa de 1 euro para 655.957 francos CFA, fazendo com que Paris possa, já que é o principal “parceiro” econômico dos países que fazem parte do BEAC, sabotar ou não suas economias da mesma maneira que os Estados Unidos fazem com o dólar.

As informações expostas mostram que a independência gabonesa foi uma farsa, bem como foi com praticamente todos os países africanos. Tratou-se de um sistema no qual as grandes potências prepararam suas colônias para instituir um regime pelo qual seria possível manter o seu controle sobre o país por meio de um fantoche.

A postura de de Gaulle em relação a essas independências mostra como foram falsas. Ele fez uma forte campanha em prol do que ele chamou de “Comunidade Francesa” em 1958. Naquele momento, a maioria da França não concordava em ceder a independência às suas colônias.

Com isso, de Gaulle, em conjunto com Foccart, orquestraram uma forma de tornar os países africanos independentes apenas no papel. O resultado pode ser visto em países como o Gabão que, na prática, precisaram entregar todas as suas riquezas para a França e, até hoje, são reféns do governo francês em uma série de setores, principalmente, econômicos.

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