O julgamento de Aécio Lúcio Costa Pereira, 51 anos, ex-técnico da Sabesp (Companhia de Saneamento de SP), de onde foi demitido por justa causa (11/1), quando estava de férias da empresa e sem que tivesse ocorrido qualquer julgamento sobre os protestos em Brasília, tem enorme importância para entender a situação atual.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou mais de 1.300 denúncias contra pessoas acusadas de participação nos atos.
Dentre as acusações contra Aécio, está a de que teria atuado na depredação do parlamento. Ele foi preso no Senado, onde se filmou na mesa do plenário, com uma camiseta com os dizeres “intervenção militar federal”. O que se fosse considerado crime em si poderia levar à condenação de dezenas de milhares de pessoas que defenderam essa posição reacionária nos últimos anos.
A PGR também “denunciou” que Aécio teria comparecido ao QG do Exército (com apoio dos chefes militares), e teria feito uma doação de R$380 ao grupo “Patriotas”, o que equivale a menos do que o valor de uma passagem para uma “excursão” à Brasília, também permitido. E ainda por fazer “publicações de cunho golpista e antidemocrático” nas redes sociais.
A maioria dessas acusações, negadas pelo réu, e sem provas individualizadas contra Aécio, poderiam levar o réu a ser condenado a pouco mais de um ano, conforme citado, inclusive, por alguns dos ministros, por uma possível participação na danificação de bens públicos.
A PGR, o relator, ministro Alexandre de Moraes e outros, defenderam a tese de que houve “atentado contra o Estado Democrático de Direito” e “tentativa de depor um governo legitimamente eleito”, ou seja, golpe de Estado.
Em condições semelhantes, foram condenados Thiago de Assis e Mateus Lima Lázaro, o primeiro a 14 anos e o segundo também a 17 anos.
Morador do interior paulista e vivendo de serviços de eletricidade e hidraúlica, Thiago Mathar de Penapólis, também declarou declarou que ele não participou da depredação do Palácio do Planalto, onde foi preso. Segundo seu advogado, Hery Waldir, “estava se manifestando pacificamente”. Também contra ele não foi apresentada qualquer prova de participação direta nas depredações.
Morador de Apucarana, interior do Paraná, Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 24 anos, negro, trabalha de entregador e no momento em que foi preso, portava um “perigoso” canivete.
O STF, que não condenou ninguém pelo golpe militar (1964), que sequer considera como golpe a deposição sem crime da presidenta Dilma Rousseff (2016), decidiu condenar trabalhadores, pobres, negros, há 14 anos ou mais de prisão por uma inexistente ação golpista; sem que tenha conseguido atribuir a eles a responsabilidade direta ou indireta pela organização de tais iniciativas.
Até o momento e, nas condições atuais, nunca, nenhum general ou oficial delta patente, político com alto cargo ou grande empresário está sendo denunciado e tem previsão de julgamento pelos “homens da capa preta”.
Como assinalou o advogado de Aécio, desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, se trata de um julgamento político de uma imputação de responsabilidades sobre supostos crimes a quem não teve, comprovadamente, qualquer papel de liderança sobre o ocorrido.
O advogado, inclusive, denunciou perseguição e tortura, contra ele, seu cliente e outros (como a negativa até mesmo do direito do réu de ver a família on-line ou de acompanhar o julgamento presencialmente) e disparou contra os ministros do STF: “… aqui, desses dois lados, senhores ministros, estão as pessoas mais odiadas desse país“.
O caso evidencia a existência de um tribunal de exceção, típico de regimes arbitrários, nos quais o julgamento é feito com base na decisão política de perseguir opositores do regime vigente.
Mais um passo no fortalecimento do regime de cassação dos direitos democráticos, a começar pela liberdade de organização e manifestação e expressão, tão atacada nos últimos tempos.