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Mídia e política

Um deputado que se diz de esquerda e a perversidade

É possível usar o combate à perversidade para criar mais perversidade? No capitalismo, a resposta é sim.

censura

Ontem, assisti a uma entrevista de um importante deputado federal do PT sobre o Projeto de Lei que regulamenta as plataformas digitais, o chamado “PL das Fake News”. Essa entrevista inspirou minha reflexão dessa semana.

Poupo-me de revelar o nome do deputado porque sua conduta enfática no noticiário é apenas mais uma de várias, mostrando que há um discurso orquestrado sobre esse projeto.

Há uma ênfase no apelativo que visa ganhar o maior número de simpatizantes e automaticamente classificar como errado qualquer discurso minimamente crítico.

O deputado citou exemplos aterrorizantes: crianças expostas à violência, adolescentes que são recrutados por grupos extremistas de direita, mensagens de apologia a ataques em escolas, meninas que se automutilam, promoção ao discurso de ódio, pessoas que empalam gatos vivos.

Para os paladinos da cruzada moral, existe uma complacência nefasta das redes sociais estrangeiras, que ganham dinheiro para promover o horror.

As descrições acima são terríveis, mas, não são nada diferentes da violência perpetrada cotidianamente contra a população civil brasileira, nas suas mais diversas formas, por um estado que realiza controle máximo sobre seus cidadãos. A diferença é que, no caso da internet, são apenas indivíduos em ação e não o aparato estatal organizado.

Nesse cenário, infelizmente, o mais difícil de constatar é que, se aprovado, o PL não só não vai acabar com a repressão estatal e com os nazistas, como também põe em risco um direito fundamental: a liberdade de expressão, nossa única defesa diante da barbárie que nos certa.

O PL das Fake News é uma versão bastante rasa da mesma estratégia que a direita de 8 a 80 usa, agora aplicada a setores ditos progressistas.

Isso acontece porque os setores ditos de esquerda que a defendem utilizam do mesmo tipo de raciocínio pautado na dualidade e que parte do pressuposto que o mundo contém opostos absolutos.

Somos nós, agora, os cidadãos de bem que condenam a mutilação de gatos, contra eles, os que espalham discurso de ódio. Foi exatamente esse raciocínio que nos deu tipos como o ex-presidente.

E qual seria a saída para a esquerda? Se você faz essa pergunta, sinto informar que você não é de esquerda. Você simpatiza com algumas causas sociais e tem horror moralista a certos comentários bolsonaristas, principalmente os identitários, mas, no fundo, você não passa de um PSDB no armário.

Ou, melhor, um PSOL que esconde seu PSDB no armário.

Uma pessoa verdadeiramente de esquerda sabe que a forma mais completa de análise da realidade é o materialismo dialético e não o cartesianismo que divide o mundo entre bem e mal, branco e preto, nós e eles.

Do ponto de vista do materialismo dialético, esse projeto de lei está todo errado porque ele preserva o sistema capitalista de críticas.

O materialismo dialético expõe a contradição. Quando assistimos à entrevista do deputado federal do PT, ela fica clara.

Na performance indignada do deputado, ele apela, como um moralista de direita, um pastor ou um apresentador de programas policiais, ao grotesco. Como se a perversidade só existisse naquele mundinho de pessoas amalucadas que expõem atrocidades ou que são pagas para propagar as mentiras de sempre.

Ao criminalizar os indivíduos por sua maluquice, ele preserva o sistema econômico e não permite que aflore a correlação de forças em jogo, ou seja, a luta de classes, prejudicando a classe trabalhadora.

Mais, ele acrescenta uma pitada de nacionalismo ao seu discurso ao condenar as plataformas estrangeiras – norte-americanas e imperialistas – e defender as crianças brasileiras da perversidade alienígena. Um enredo que os americanos usam e abusam quando querem condenar qualquer um que é contra eles.

O deputado tem o espaço e o tempo que quer no canal de interesse privado para proferir suas palavras de execração dogmática ao ditar a moral e os bons costumes ideais nas redes sociais. Parece alegrar enormemente o capitalista dono da emissora, que o transforma em uma espécie de herói da família brasileira, em geral, a dele mesmo. Há ainda mais um componente nacionalista: a defesa da indústria de mídia nacional contra os nefastos estrangeiros.

Porém, o tema da perversidade é muito mais amplo. Ao jogar o problema unicamente na complacência das empresas multinacionais e nas mensagens propagadas, o deputado que se diz de esquerda consegue esconder o que está escancarado: as mensagens na internet não são as causadoras dos males sociais atuais. Elas são o efeito, não a causa.

Se queremos combater as empresas estrangeiras, temos que pensar em uma solução mais ampla que contemple também a substituição dessas plataformas, notoriamente parte do sistema de vigilância e espionagem dos Estados Unidos, por outras brasileiras e que zelem pela soberania e pelo interesse nacional. Se a China pode, por que não nós?

Se queremos uma mídia focada nos interesses da classe trabalhadora, temos que regular os conglomerados monopolistas nacionais igualmente.

Ao contrário, o deputado que se diz de esquerda condena as mensagens, poupando o sistema econômico que permite que utiliza do debate como manobra. Em sua fala, ele diz que “as empresas são bem-vindas”, ou seja, a solução é a regulação do discurso, não a transformação do sistema.

É um disfarce.

Normalmente, associamos esse tipo de estratégia à direita. Aqui, no entanto, temos um deputado federal do PT fazendo esse papel.

O debate assume que os problemas atuais podem ser corrigidos com leis que regulem a informação e punam infratores estabelecendo novos crimes. Transformar comportamento em crime é parte da barbárie do estado burguês contra o cidadão comum. É falso moralismo e hipocrisia pura.

Quanto às mensagens que nos enojam, é necessário colocar algumas questões importantes: que tipo de sociedade precisa existir para produzir meninas que se automutilam? Que tipo de sociedade precisa existir para que o “discurso de ódio” seja propagado? Em 1945, não havia internet. Em 1964, também não. Que tipo de subjetividade precisa existir para que o capitalismo funcione e se mantenha?

Se olharmos bem, vamos perceber que o capitalismo exige – EXIGE – uma subjetividade humana que seja perversa. Aqueles que não são perversos, estão condenados a sucumbir nesse sistema. Basta ler o Marquês de Sade com cuidado ou assistir a Saló, os 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini. Ele mostra como é a subjetividade da classe dominante no capitalismo.

Se é que você ainda não a sentiu na sua própria pele.

A perversidade é a subjetividade de sucesso no capitalismo. O resto é disfarce. É ESG, identitarismo, combate às fake news, filantropia e o que mais inventarem.

As imagens nas redes sociais apenas explicitam esse problema. Elas não causam esse problema. É o mundo que está doente e sua doença é esse sistema econômico que flerta com a morte o tempo todo.

As manifestações brutais na internet, essa espécie de estética do grotesco, são provavelmente formas conscientes ou inconscientes de expor essa contradição. Jogam luz sobre ela, mesmo que não seja esta a intenção de seus autores.

Estamos todos mergulhados no mesmo pesadelo cotidiano.

O combate raso revela adesão à atual situação histórica e social, impedindo horizontes concretos de transformação.  Só porque não queremos olhar para uma ferida não significa que ela não exista.

No fundo, o debate esconde que o real problema é o estado burguês e a classe dominante que o administra através de agentes públicos como esse deputado que se diz de esquerda e que claramente põe nas mãos dessa classe mais repressão contra a população.

Alguém lembra do “atirar na cabecinha”? Frase de um governador do Rio de Janeiro? Posso chamar isso de perversidade?

O deputado que se diz de esquerda poupa os proprietários da internet e das emissoras de televisão, criando leis para punir e controlar o comportamento daqueles que não são proprietários de nada. É um presente dos deuses para quem já tem todo o poder e dinheiro do mundo e a perversidade de acumular ainda mais.

Como o estado é burguês, não demorará muito para que os paladinos da moral classifiquem como “discurso de ódio” qualquer manifestação que pregue o fim do capitalismo e da sociedade de classes que o sustenta.

No final, esse é o real objetivo dessa cruzada: atingir a classe trabalhadora e impedi-la de se manifestar. Não há nada, historicamente, mais perverso.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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