Na última segunda-feira (24/07), o legislativo unicameral israelense (Knesset) aprovou uma medida que poderá alterar os rumos do país. A coalizão liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, conseguiu afastar a competência da Suprema Corte para barrar medidas do governo, indicações de ministros ou nomeações para cargos públicos que não sejam “razoáveis”. Segundo Netanyahu, a medida é necessária para afastar o ativismo jurídico que tomou conta do Judiciário. Outras questões abordadas na reforma incluem mudanças no processo de nomeação de juízes e a competência do Legislativo para derrubar decisões da Suprema Corte.
Uma profunda crise política
No mesmo dia em que a medida era aprovada pelo Knesset, milhares de manifestantes que já ocupavam as ruas há 29 semanas eram escorraçados pelo aparato repressivo do Estado israelense. Cerca de 10.000 reservistas somaram-se aos protestos, assinando um abaixo-assinado anunciando sua recusa em servir um Estado “ditatorial”. O líder da oposição Yair Lapid e outros que se posicionaram contra a reforma judicial declararam imediatamente que provocariam a Suprema Corte de Israel a derrubar a lei.
Somando-se a esta crise política, encontram-se mais de 150 empresários que entraram em lockdown em repúdio ao projeto. Além disso, a Organização Geral dos Trabalhadores em Israel (Histadrut), maior central sindical do páis e expoente do “trabalhismo sionista”, discute uma nova greve geral para os próximos dias, enquanto a Associação Médica de Israel já anunciou uma paralisação na terça. Uma greve geral chegou a ser convocada em março, logo após o ministro da Defesa, Yoav Galant, criticar a medida e ser demitido. Netanyahu voltou atrás com a decisão e decidiu mantê-lo no cargo.
Até mesmo o fiador do enclave imperialista, os Estados Unidos da América, se manifestou contrário à medida do Knesset. A Casa Branca emitiu um comunicado afirmando ser “lamentável” que a coalizão israelense tenha aprovado a reforma, mesmo que não em sua integralidade. De acordo com o comunicado, os “EUA continuarão a apoiar os esforços do presidente [israelense, Isaac] Herzog e outros líderes israelenses que buscam construir um maior consenso por meio do diálogo político”.
A “democracia” sionista
De ambos os lados a palavra “democracia” é utilizada: uns em defesa do Knesset, outros em favor da Suprema Corte. É importante salientar que o Estado de Israel não possui uma constituição, o que torna o embate entre o legislativo e judiciário um evento sem roteiro definido. Seguindo uma tendência internacional, a burocracia judiciária em Israel vem acumulando competências não observadas em tempos anteriores, por ser um corpo não eleito, a Suprema Corte carece de maior legitimidade e que, por falta de uma constituição, utiliza a “razoabilidade” como régua de decisões, o que é tão subjetivo quanto aparenta ser.
A lei que aprovamos hoje é importante para a democracia, mas é apenas o início. Para um Estado de Israel mais judeu e democrático, devemos aprovar o resto da reforma, primeiramente as mudanças na comissão de nomeações judiciais e o poder dos promotores
Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança Nacional
No entanto, a oposição — que hoje é minoritária no parlamento — teme que uma Suprema Corte enfraquecida e um parlamento controlado pelos governistas, signifique a perpetuação no poder do bloco ultra-sionista liderado por Netanyahu, que poderia “jogar e mudar as regras do jogo” ao seu bel-prazer. Inclusive, a principal linha da oposição é atacar a reforma como se esta fosse um subterfúgio de Netanyahu para fugir das acusações de corrupção que pesam sobre sua cabeça.
O que une divide e o que divide une
A defesa da “democracia” israelense, que não passa de uma piada de mau gosto, ou mesmo a defesa de um sistema montesquiano de “freios e contrapesos” não é o único elemento unificando a oposição. Como diria o ditado popular: “para bom entendedor, meia palavra basta” e para o primeiro-ministro israelense, as falas da Washington, apontando que tal reforma “afasta-se de uma saída consensuada”, revela mais que um mero lamento yankee pela saúde política do regime sionista.
Como sabemos, o fortalecimento da burocracia estatal, em especial do poder Judiciário e órgãos de controle, como o nosso Ministério Público, brota diretamente da cartilha imperialista e, mais precisamente, norte-americana. Uma burocracia mais autônoma da política interna não logra (nem nunca logrou) uma arbitragem mais justa. Ao contrário, o imperialismo utiliza a maior independência da burocracia para ativá-la como uma alavanca de “mudança de regime”.
A reforma judiciária, vista por essas lentes, revela uma antecipação de Netanyahu frente a seus parceiros americanos, que já vinham tentando enquadrá-lo desde que ampliou seu diálogo com a China. Como experiente líder do mais importante protetorado imperialista no Oriente Médio, o primeiro-ministro israelense percebeu a infiltração dos tentáculos de Washington nas ações politizadas da Suprema Corte. Tanto a oposição quanto o governo são duas faces do mesmo sionismo, no entanto, a crise política abre brechas para a ação dos setores palestinos e, mais amplamente árabes, para escancarar a mentira da democracia sionista. Além disso, revela que até no longevo casamento entre Washington e Tel Aviv, a traição está no cardápio do dia.